"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Celso de Mello defende controle preventivo de constitucionalidade pelo STF

COMPETÊNCIA SUPREMA

Celso de Mello defende controle preventivo de constitucionalidade pelo STF





A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que permite o controle de constitucionalidade no momento da produção das leis não para de crescer. Mesmo assim a corte ainda não fez valer essa sua competência. Exemplo disso são dois mandados de segurança movidos por um parlamentar para pedir a suspensão de uma sessão do Congresso Nacional na qual foram apreciados vetos presidenciais a projetos de lei aprovados pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. Ao analisar os pedidos, no último dia 10 de dezembro, o ministro Celso de Mello, relator dos casos, determinou o arquivamento de um deles por entender que tratava de questões interna corporis do Poder Legislativo. O outro, ele não conheceu.
Mas nas decisões, o ministro (foto) reafirmou o entendimento que permitiria à corte, quando chamada, barrar a tramitação de projetos de lei que, se promulgados, violariam a Constituição. Em resumo: autorizaria o STF a fazer o controle preventivo de constitucionalidade. O problema é que a Carta Magna é expressa apenas quanto ao controle repressivo — ou seja, aquele exercido após a promulgação das normas legais, por meio das ações de inconstitucionalidade.

“Embora excepcional, o controle jurisdicional do processo de formação das espécies normativas não configura, quando instaurado, ofensa ao postulado básico da separação de poderes. Isso significa reconhecer que a prática do‘judicial review’, sempre que se alegue suposta ofensa ao texto da constitucional, não pode ser considerada um gesto de indevida interferência na esfera orgânica do Poder Legislativo”, escreveu o ministro.
Celso de Mello deixou claro que a interferência não pode ser de ofício. Ou seja, tem que se provocada por pessoas legitimadas — no caso, os próprios deputados e senadores que não estejam de acordo com o processo legislativo. “O parlamentar, fundado na sua condição de copartícipe do procedimento de formação das normas estatais, dispõe, por tal razão, da prerrogativa irrecusável de impugnar, em juízo, o eventual descumprimento, pela casa legislativa, das cláusulas constitucionais que lhe condicionam, no domínio material ou no plano formal, a atividade de positivação dos atos normativos”, afirmou.  
E de fato, os parlamentares têm feito valer esse direito. Nas suas decisões, Celso de Mello citou diversos mandados de segurança impetrados por parlamentares para impedir algum procedimento do Legislativo. Em todos eles, o STF reafirmou sua competência para o controle preventivo de constitucionalidade. Mas, até agora, a mais alta corte do país não a exerceu — ou seja, não mandou parar a tramitação de nenhum projeto do Congresso.
De acordo com o ministro, o "Supremo somente tem deixado de conhecer de ações que, impugnando atos ou procedimentos das casas do Congresso Nacional, insurjam-se contra deliberações de natureza interna ou fundadas em prescrições de índole meramente regimental, pois, em tais situações, a superação de eventual disputa político-partidária no Parlamento deverá 'encontrar solução no âmbito do Poder Legislativo'".
Foi o caso dos mandados de segurança que Celso de Mello mandou arquivar. Interpostos pelo deputado federal Antônio José Imbassahy (PSDB/BA), os feitos pediam a suspensão de sessão do Congresso Nacional que aconteceu no dia 25 de novembro. Na ocasião, deputados e senadores apreciaram os vetos presidenciais 47 a 57, de 2013, e 1 a 27, desse ano. Mas segundo o autor, a votação foi tumultuada e irregular.
Ao analisar o Mandado de Segurança 33.353, Celso de Mello ponderou tratar-se de uma questão interna do Congresso. “A possibilidade extraordinária dessa intervenção jurisdicional, ainda que no próprio momento de produção das normas pelo Congresso Nacional, tem por finalidade assegurar aos parlamentares (e as estes, apenas) o direito público subjetivo, que lhes é inerente, de verem elaborados, pelo Legislativo, atos estatais compatíveis com o texto constitucional, garantindo-se, desse modo, àqueles que participam do processo legislativo (mas sempre no âmbito da casa legislativa a que pertence o congressista impetrante) a certeza de observância da efetiva supremacia da Constituição, excluídos, necessariamente, no que se refere à extensão do controle judicial, os aspectos discricionários concernentes às questões políticas e aos atos interna corporis”, disse.
E concluiu: “Vê-se, desse modo, que a deliberação questionada nesta sede mandamental exauriu-se no domínio estrito do regimento legislativo, circunstância essa que torna inviável a possibilidade jurídica de qualquer atuação corretiva do Poder Judiciário, constitucionalmente proibido de interferir na intimidade dos demais Poderes da República, notadamente quando provocado a invalidar atos que, desvestidos de transcendência constitucional, traduzem mera aplicação de critérios regimentais”.
Com relação ao Mandado de Segurança 33.356, também protocolado por Imbassahy para questionar vícios na votação da mesma sessão, o ministro decidiu não conhecê-lo por entender que não há provas aptas a demonstrar, “de maneira inequívoca e incontestável”, a realidade dos fatos alegados.
Clique aqui para ler a decisão no Mandado de Segurança 33.353
Clique aqui para ler a decisão no Mandado de Segurança 33.356
 é correspondente da ConJur no Rio de Janeiro.


Revista Consultor Jurídico, 19 de dezembro de 2014, 7h03

Na ciência jurídica é possível afirmar que um é maior que cem

EFICÁCIA DOS EPIS

Na ciência jurídica é possível afirmar que um é maior que cem





Euclides de Alexandria, matemático da escola platônica e conhecido como o Pai da Geometria, é até hoje, na história da matemática, considerado como um dos mais significativos estudiosos deste campo na antiga Grécia.[1]
Autor dos estudos e fundamentos da teoria da razão, Euclides em tempos de hoje ficaria perplexo com o fato de que no campo da ciência jurídica nos é possível afirmar que um é maior que cem (1 > 100).
Explica-se: o STF, ao julgar o agravo em RExt 664.335, cuja tese maior era a de que o fornecimento de Equipamento de Proteção Individual (EPI) seria ou não capaz de descaracterizar o tempo de serviço especial e, consequentemente, a concessão de aposentadoria especial, concluiu à unanimidade que sim, "o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial"[2]; sendo que, à maioria de votos e na tese menor, fixou o entendimento de que "na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria".[3]
Ora, se à tese maior, tida como 'guarda-chuva' a toda análise do artigo 201, parágrafo 1º da CF, permitiu-se uma exceção frente à tese menor, que é a questão da concessão da aposentadoria especial em caso de exposição a agente nocivo ruído, forçoso é de se concluir que aquela tese menor, aqui representada pelo numeral '1', é sim de grandeza superior àquela tese maior, ora representada pelo numeral '100'. Portanto, 1 > 100.
Não fossem bastantes os argumentos acima a causar certo espanto, importante é ainda promovermos algumas breves reflexões sobre como a corte chegou a tal resultado.
Neste sentido, questiona-se o conhecimento do apelo extraordinário levado a julgamento por força da matéria fática de fundo que ao mesmo dava corpo e relevância, qual seja: o agente nocivo ruído não é afastado mesmo com a utilização de EPIs.
É certo que "(...) o indivíduo tem direito a um direito definitivo à prestação quando o princípio da liberdade fática [possibilidade concreta de eleger entre o que for permitido] tiver um peso maior que os princípios formais e materiais tomados em seu conjunto"[4], havendo assim também de prevalecer a matéria probatória e fática para fins de fixação para a tese em exame e em repercussão geral, ao contrário de pretensão firmada por um dos julgadores. 
O quê incomoda no caso concreto aos operadores de direito é a modalidade em que a matéria probatória foi submetida ao Plenário, ou seja, de forma unilateral e como se somente os argumentos suficientes a provar a suposta ineficácia dos EPIs utilizados para o agente nocivo ruído estivessem a prevalecer sobre outros elementos que, frise-se, sequer foram mencionados.
Ora, em matéria de tamanha relevância e para fins de lealdade e transparência para com os pares, intérpretes de instâncias 'a quo' e as partes, a efetiva produção de provas para o bom deslinde da demanda haveria de ser promovida em audiência pública, como, aliás, prevê o Regimento Interno[5] para hipóteses como essa.
E se assim não fosse, que não se apreciasse a tese maior (eficácia dos EPIs e concessão de aposentadoria especial), colocada em cheque que foi sua plenitude quando confrontada com a prevalência de tese menor (ineficácia dos EPIs para o agente nocivo ruído), como a propósito foi suscitado por um dos julgadores.
Prender-se excessivamente a números e estatísticas para a resolução de determinado tema pode comprometer a qualidade dos julgados proferidos pelo Tribunal, mais ainda, poderá submeter o Pleno, seja em sua composição atual, seja em outra composição, a reexaminar a tese maior, imaginando-se aqui, hipoteticamente, que estudos venham a sugerir que a utilização de EPI para agente nocivo que não seja o ruído demonstre ser ineficaz. Criar-se-á então nova regra de exceção que outrora estava sob a proteção do 'guarda-chuva' maior da tese concessão de aposentadoria especial? E como ficam os cofres públicos, tão debilitados e cujas contas não fecham, em especial na área de Previdência Social? A esse propósito, o julgamento do custeio foi tratado de maneira contraditória, pois na abertura da votação mencionou-se a preocupação na criação de novos benefícios, mas, quando do enfrentamento da matéria em si, firmou-se consenso que o recorrente teria como arcar com as aposentadoria especiais, isto, observa-se, sem uma efetiva apresentação de um encontro de contas.
Concluímos consignando que é sim importante que o Supremo faça seu papel constitucional, combinado à apresentação de soluções que desafoguem os escaninhos dos órgãos do Poder Judiciário, mas, mais relevante ainda é levar em conta o fato de que a segurança jurídica, jurisdicionados e temas de ordem constitucional não são números quaisquer que uma vez divididos por zero são iguais ao infinito, conforme conceito firmado pelo matemático indiano Bhaskara[6].

1 Acessado em 07/12/2014 
http://www.infoescola.com/biografias/euclides/
2 Notícias STF 04/12/2014
3 Notícias STF 04/12/2014
4 "A Constituição Reinventada - Pela Jurisdição Constitucional". Ed Del Rey, Edição 2002, p. 667, citada em AGr 395662 - Informativo n. 344 do STF
5 Art. 21, XVII do RISTF
6 "Uma breve história da ciência" / William Bynum; tradução Iuri Abreu - 1 ed. - Porto Alegre, RS: L&PM, 2013, p. 15
 é consultor no escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados, pós-graduado em Administração Pública pela EBAP/FGV.


Revista Consultor Jurídico, 19 de dezembro de 2014, 16h54

CÓDIGO CORPORATIVO - Honorários de sucumbência no novo CPC merece reprovação

CÓDIGO CORPORATIVO

Honorários de sucumbência no novo CPC merece reprovação



"Lei injusta não é lei" (Santo Agostinho)

O texto-base do Código de Processo Civil foi aprovado pelo Senado nesta quarta-feira (17/12). Os mentores do novo código destacam publicamente que o novo texto primou pelo rigor técnico e ético. Pois é exatamente nesse tema fundamental que o novo CPC merece críticas e reprovação, em um ponto.
O novo CPC institucionalizou distorção constitucionalmente insustentável. Transferiu os honorários de sucumbência, verba indenizatória da parte vencedora do processo (artigo 20 do CPC atual), sujeito importante da relação processual, tecnicamente dependente e destinatário do processo judicial, para o advogado da parte vencedora.
Pelo novo código, um cidadão que cobra judicialmente uma dívida de R$ 100, se contratou com seu advogado honorários contratuais de 20%, como normalmente ocorre, apesar de ter seu direito reconhecido judicialmente, mesmo sendo vencedor do processo, acaba recebendo somente 80% do seu direito.
Por outro lado, o advogado do vencedor, além dos honorários contratuais de 20%, passa a receber também a verba indenizatória do cliente, podendo chegar, com a nova progressividade por instância, a total superior a 50% do crédito e com prioridade, podendo receber primeiro que o cliente.
O ponto mais ruinoso é que o jurisdicionado, cidadão que é obrigado a buscar o Judiciário para realizar seu direito, não recebe integralmente o seu crédito, maculando o âmago essencial da Justiça, ferindo mortalmente o tão aclamado devido processo legal justo, fundamentos da República.
Interessante é que o novo Código prevê ressarcimento de despesas menores, como taxas cartorárias, gastos com viagens e diárias, mas, contraditoriamente, silencia quanto ao ressarcimento do que o vencedor do processo gastou com seu advogado, costumeiramente a despesa maior.
O cidadão que pretender receber as despesas de honorários contratuais que teve com seu advogado em um processo judicial terá que contratar novamente advogado, abrir outro processo para cobrar essa verba, esperar anos novamente e, ao final, receber novamente 80% da despesa, gerando um ciranda insana de processos.
O processo judicial, com o novo CPC, passa a ser um monstro que não morre, sempre deixa um filhote, um rastilho de injustiça contra o jurisdicionado. Considerando os 30 milhões de processos civis pelo país afora, o quadro indica mais uma pesada taxa corporativa sem base constitucional, mais processos judiciais e mais "custo Brasil".
Ditos populares lembram que malfeitos sempre voltam. Nesse caso, a malsinada mudança ficará historicamente registrada em um dos mais importantes diplomas legislativo do país, sob responsabilidade dos defensores da idéia, operadores do direito beneficiados, juristas omissos e parlamentares descuidados.
 é juiz federal e professor universitário.


Revista Consultor Jurídico, 20 de dezembro de 2014, 8h39