"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Fux aplica princípio da consunção e absolve homem que matou estuprador

CRIME CONJUNTO

Fux aplica princípio da consunção e absolve homem que matou estuprador




Quando alguém comete um crime como meio para a prática de outro delito, a primeira infração deve ser absorvida pela segunda, e a pessoa deve responder apenas por esta última. Com esse entendimento, consagrado no princípio da consunção, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux concedeu, de ofício, ordem no Habeas Corpus 111.488 para anular a condenação por porte ilegal de arma de fogo imposta ao lavrador F.M.S pela Justiça mineira.
No dia 8 de fevereiro de 2007, na zona rural de Caputira (MG), F.M.S. teria evitado o estupro de sua sobrinha de 13 anos ao dar três tiros no agressor. Não foi denunciado por tentativa de homicídio nem por disparo de arma de fogo, em razão da evidente situação de legítima defesa de terceiro, mas o Ministério Público estadual o denunciou por porte ilegal de arma de fogo de uso permitido. O lavrador foi condenado a um ano e seis meses de reclusão em regime aberto, tendo a pena sido convertida em pena restritiva de direitos.
Porte ilegal de arma e disparo se deram no mesmo contexto. Por isso, uma conduta é absorvida por outra, diz Fux.
STF
No STF, a Defensoria Pública da União pediu a aplicação ao caso do princípio da consunção para afastar a condenação. Ao conceder o Habeas Corpus de ofício, o ministro Fux acolheu parecer do Ministério Público Federal no sentido de que não há dúvidas de que os delitos de porte ilegal e disparo de arma de fogo se deram em um mesmo contexto fático, motivo pelo qual se faz necessário reconhecer a absorção de uma conduta pela outra.
“De fato, está configurada a consunção quando a conduta imputada ao paciente (porte ilegal de arma de fogo) constitui elemento necessário ao crime fim (disparo de arma de fogo), quando praticados no mesmo contexto fático. Destarte, tendo sido afastado o crime de disparo de arma de fogo, por faltar ilicitude à conduta, uma vez que praticada em legítima defesa de terceiro, não subsiste o crime de porte ilegal de arma de fogo no mesmo contexto fático, sob pena de condenação por uma conduta típica, mas não ilícita”, afirmou o ministro Fux em sua decisão.
Segundo o relator, não pode ser conhecido por ser substitutivo de recurso ordinário, entretanto, o ministro concedeu a ordem de ofício. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
Clique aqui para ler a decisão.
HC 111.488

Revista Consultor Jurídico, 28 de abril de 2015, 18h49

TJ-RJ aprova proposta de auxílio-educação e locomoção para juízes

MAIS BENEFÍCIOS

TJ-RJ aprova proposta de auxílio-educação e locomoção para juízes


O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu encaminhar à Assembleia Legislativa daquele estado um novo texto para projeto de lei que trata do auxílio-educação para a magistratura fluminense. A proposta prevê o repasse de até R$ 2.860,41 para juízes e desembargadores com até três filhos entre 8 e 24 anos de idade. A proposição também prevê o pagamento do auxílio para os servidores do Judiciário.
O novo texto foi aprovado na sessão do Órgão Especial desta segunda-feira (27/4), em uma votação a jato. A emenda dos desembargadores deverá ser incluída no projeto já em tramitação na Alerj, encaminhado pelo TJ-RJ no ano passado. A proposta original fixava o benefício em quase R$ 7 mil.
Pela nova proposição, juízes e desembargadores poderão receber por mês R$ 953,47 para cada filho, sendo até o limite de três. Os valores deverão ser destinados ao custeio da educação básica, ensino superior e/ou curso de pós-graduação. O projeto anterior previa os recursos para pagamento de outras despesas, como material escolar e uniformes.
Ao submeter o texto ao Órgão Especial, o presidente do TJ-RJ, desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, explicou que novas modificações no projeto de lei acarretaria em mais demora a proposta em curso na Alerj. Ele então perguntou aos membros do Órgão Especial se alguém queria mudar o texto. Ninguém se manifestou. “Declaro aprovado o projeto de auxílio-educação, com a remessa imediata para o plenário da Alerj”, afirmou então o desembargador.
O presidente do TJ-RJ justificou o projeto de lei que fixa o auxílio-educação para juízes e desembargadores no fato de os membros do Ministério já contarem com benefício semelhante.
A necessidade de equiparação também foi a razão alegada pelo Órgão Especial do TJ-RJ para aprovar, na mesma sessão, uma resolução que institui auxílio-locomoção para os juízes da primeira instância. Segundo o presidente da corte, os promotores de Justiça já recebem o benefício. “Dou como aprovado o projeto que institui o auxílio-transporte para os magistrados de primeiro grau”, afirmou Carvalho com a anuência do colegiado.

 é correspondente da ConJur no Rio de Janeiro.

Revista Consultor Jurídico, 28 de abril de 2015, 13h20

terça-feira, 21 de abril de 2015

Prisão preventiva não deve ter fins punitivos

VINGANÇA COLETIVA

Prisão preventiva não deve ter fins punitivos




De início é imprescindível deixar assentado que a prisão preventiva é medida de exceção e extremada. Como tal, somente deve ser decretada em casos excepcionais e, mesmo assim, quando não há outra medida de caráter menos aflitivo para substituí-la (lei nº 12.403/11).
Diante do princípio constitucional da presunção de inocência a prisão preventiva, como qualquer outra medida cautelar pessoal, não pode e não deve ter um caráter de satisfatividade, ou seja, não pode se transformar em antecipação da tutela penal ou execução provisória da pena. Neste sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal:
“A Prisão Preventiva – Enquanto medida de natureza cautelar – Não tem por objetivo infligir punição antecipada ao indiciado ou ao réu. - A prisão preventiva não pode – e não deve – ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia. A prisão preventiva – que não deve ser confundida com a prisão penal – não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal.” (RTJ 180/262-264, Rel. Min. Celso de Mello)
Daí a clara advertência do Supremo Tribunal Federal, que tem sido reiterada em diversos julgados, no sentido de que se revela absolutamente inconstitucional a utilização, com fins punitivos, da prisão cautelar, pois esta não se destina a punir o suspeito, o indiciado ou o réu, sob pena de manifesta ofensa às garantias constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal, com a consequente (e inadmissível) prevalência da ideia – tão cara aos regimes autocráticos – de supressão da liberdade individual, em um contexto de julgamento sem defesa e de condenação sem processo (HC 93.883/SP, Rel. Min. Celso de Mello).
Hodiernamente, tem sido recorrente motivar a decretação da prisão preventiva com base no mais deplorável de todos os fundamentos previstos no Código de Processo Penal (CPP): a “garantia da ordem pública”. Atrelado a este fundamento, costuma-se aludir ao "sentimento de impunidade e de insegurança na sociedade".
Primeiramente é necessário assentar que dos fundamentos previstos no CPP para a decretação da prisão preventiva, a “garantia ordem pública” é sem dúvida o mais questionável, criticável, vago e impreciso de todos e, também, de duvidosa constitucionalidade para ensejar medida cautelar extrema.
Aury Lopes Júnior destaca que o conceito de “garantia da ordem pública” por se tratar de um conceito vago e indeterminado, serve a “qualquer senhor, diante da maleabilidade conceitual”. Mais adiante, o respeitável processualista informa que a origem do referido fundamento remonta à Alemanha na década de 30, período em que o nazifascismo buscava “uma autorização geral e aberta pra prender”. (Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional...)
No mesmo sentido, Flaviane de Magalhães Barros e Felipe Daniel Machado (Prisão e Medidas Cautelares...) para quem é necessário diferenciar a ordem pública do clamor social.
A opinião pública – publicada - “geralmente influenciada pelos meios de comunicação, deseja a imediata prisão do suspeito numa espécie de vingança coletiva”, hipótese em que a prisão perde seu caráter de cautelariedade e se converte em antecipação de pena. A influência maléfica da mídia em processos penais de repercussão, que se transformam em verdadeiros espetáculos, é notória.
Os princípios fundamentais que norteiam o devido processo legal (contraditório, ampla defesa, presunção de inocência, etc.) são abandonados e trocados pelo sensacionalismo, combustível natural para o “clamor público”. 
Como bem já salientou o magistrado e processualista Rubens Casara, “no processo espetacular o diálogo, a construção dialética da solução do caso penal a partir da atividade das partes, tende a desaparecer, substituído pelo discurso dirigido pelo juiz. Um discurso construído, não raro, para agradar às maiorias de ocasião, forjadas pelos meios de comunicação de massa”. (entrevista concedida ao jornalista Paulo Moreira Leite)
No espetáculo conduzido pela mídia o suspeito é apresentado ao público como se condenado fosse. Em casos em que o acusado, apesar dos veículos de comunicação, é absolvido, a imprensa leva o público a clamar por “justiça”, como se esta fosse sinônimo de condenação.
Tudo, é claro, sem que seja dado ao investigado, acusado ou condenado o sagrado direito constitucional da ampla defesa. No processo midiático o contraditório é inexistente.
A presunção de inocência é o princípio mais maltratado. Como se percebe, este “clamor público”, confundido propositalmente com “opinião pública”, é produzido pela mídia para atender a um sistema penal repressor e comprometido com interesses outros, diversos do Estado democrático de direito.
O próprio Supremo Tribunal Federal (STF) em Habeas Corpus relatado pelo decano ministro Celso de Mello já assentou que o “clamor público”, bem como o “estado de comoção social” e a “indignação popular”, não bastam por si só para decretação da medida extremada.
Ementa: “Habeas Corpus” – Decisão de Pronúncia – Prisão decretada com fundamento no clamor público e na suposta tentativa de evasão. Caráter extraordinário da privação cautelar da liberdade individual. Utilização, pelo magistrado, na manutenção da prisão cautelar, de critério incompatíveis com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – Situação de injusto constrangimento configurada – Afastamento, em caráter excepcional, no caso concreto, da incidência da Sumula 691/STF – Habeas Corpus concedido de ofício.
O clamor público não basta para justificar a decretação ou a manutenção da prisão cautelar – O estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado pela repercussão de prática de infração penal, não pode justificar, só por si, a decretação ou a manutenção da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso, sob pena de completa e grave aniquilação do postulamento fundamental da liberdade. O clamor público – precisamente por não constituir causa legal de justificação da prisão processual – não se qualifica como fator de legitimação da privação cautelar da liberdade do réu. (Habeas Corpus 96.483-4 / ES - Relator: Ministro Celso de Mello. No mesmo sentido HC 96.095)
Tão vago e impreciso e, ainda, mais absurdo e incoerente como fundamento da “garantia da ordem pública” ou do “clamor público” é o aludido “sentimento de impunidade e de insegurança na sociedade”.
Ora, se a prisão preventiva tem caráter cautelar e excepcional, como já reconheceu o STF e a melhor doutrina, não podendo se demudar em antecipação da tutela penal e nem se confundir com a prisão pena, não pode esta ser decretada com os fins de evitar “sentimento de impunidade e de insegurança na sociedade”.
Necessário indagar se os referidos “sentimentos” são os que a criminologia midiática, no dizer de Eugênio Raul Zaffaroni, desencadeia “com seu mundo paranoide” ou se por um sentimento de medo normal. No processo midiático e na busca sistemática por uma punição célere a mídia amplifica o medo e alimenta o pânico para justificar medidas cada vez mais severas em detrimento das garantias constitucionais. (A palavra dos mortos...)
André Luis Callegari e Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth destacam que “o medo é inserido no Direito Penal, ou seja, no sentido de dar a uma população cada vez mais atemorizada diante do medo generalizado da violência e das inseguranças da sociedade líquida pós-moderna, uma sensação de “tranquilidade”, restabelecendo a confiança no papel das instituições e na capacidade do Estado em combatê-los por meio do Direito Penal, ainda que permeado por um caráter meramente simbólico. Não se buscam, portanto, medidas eficientes no controle da violência ou da criminalidade, mas tão somente medidas que “pareçam” eficientes e que, por isso, tranquilizam a sociedade como um todo”. (Pensar, Fortaleza, v. 15, n. 2, p. 337-354, jul/dez. 2010)
Nada mais demagogo e irreal do que utilizar o conceito vazio, incerto, precário, que a tudo serve e por isso não serve a nada, de “sentimento de impunidade e de insegurança na sociedade” para justificar medidas repressoras e draconianas.
Melhor faria o STF se declarasse, de uma vez por todas, a inconstitucionalidade da decretação da prisão preventiva fundamentada pela “garantia da ordem pública” e por qualquer outro fundamento análogo, enquanto isso não ocorre, não resta dúvida de que, como diz o poeta, “alguma coisa está fora de ordem, fora da nova ordem Mundial”.
Leonardo Isaac Yarochewsky, Advogado Criminalista e Professor de Direito Penal da PUC-MG

 é advogado criminalista e doutor em Ciências Penais.
Revista Consultor Jurídico, 19 de abril de 2015, 9h00

COMENTÁRIOS DE LEITORES

11 comentários

ANTECIPAÇÃO DE PUNIBILIDADE

Claudio de França Oliveira (Serventuário)

A prisão preventiva é um instituto processual que possui inúmeras utilidades práticas na cautelaridade do direito penal. Não deve, jamais, se consubstanciar em antecipação de eventual pena que possa vir a ser infligida por sentença penal condenatória passada em julgado. Por isso, o princípio constitucional da presunção de inocência.
Concordo com o fato de que, na aplicação da prisão preventiva, se tem por muito deslembrado de homenagear (respeitar o princípio constitucional da presunção de inocência.
Sobretudo quando nos deparamos com a utilização indiscriminada do conceito de garantia da ordem da pública para justificar a imposição do excepcional ergástulo cautelar, que na maioria da vezes, mais atendem ao clamor social, à perplexidade advinda da gravidade do delito (per si) ou mesmo à tentativa de resgatar, da maneira mais reprovável, a tão vergastada CREDIBILIDADE DO PODER JUDICIÁRIO.
Mas não é por isso que vamos concordar com a aplicação desvirtuada do instituto e desentranhar do patrimônio jurídico do acusado o direito de não ser, sumariamente, considerado culpado, ASDMITINDO-SE a supressão da presunção de inocência. É a mesma coisa que tentar erradicar a doença matando o paciente.
Ao revés, devemos sempre empreender esforços no sentido de lutar pelo respeito dos direitos e garantias fundamentais, pois um dia poderemos, efetivamente, precisar deles. É o que penso, data maxima venia.