"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Defensoria pode propor ACP em defesa de necessitados jurídicos, decide STJ


CONCEITO AMPLO

Defensoria pode propor ACP em defesa de necessitados jurídicos, decide STJ

O Superior Tribunal de Justiça autorizou a Defensoria Pública a ajuizar ação civil pública em nome de interesses difusos e individuais homogêneos. Isso significa que o conceito de necessitados, que orienta sua atuação, pode ir além do critério financeiro e incluir quem precisa de representação jurídica. A decisão é da Corte Especial do STJ em ação da Defensoria que discute o aumento abusivo de plano de saúde de idosos. O acórdão da decisão, proferida no dia 21 de outubro, foi publicado nesta sexta-feira (13/11).
O caso chegou à Corte Especial depois de a Defensoria apontar uma divergência na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Enquanto para a 4ª Turma do STJ a expressão "necessitados" que possibilitaria a atuação da Defensoria deve ser interpretada do ponto de vista econômico, para a 1ª Seção do STJ o sentido de necessitados deve ser entendido de uma maneira mais ampla, abrangendo não somente os necessitados economicamente.
Ao unificar o entendimento, a corte seguiu o entendimento da ministra relatora Laurita Vaz. Em seu voto, a ministra explicou que a legitimidade da Defensoria para propor ações coletivas em defesa de interesses difusos é inquestionável, e que a discussão está ligada à interpretação do que vem a ser "necessitados" por "insuficiência de recursos".
Ao analisar o caso, a ministra entendeu que deve prevalecer o entendimento fixado pela 2ª Turma, ao julgar o REsp 1.264.116, em 2011. Naquele julgamento, o ministro Herman Benjamin afirmou que, no campo da ação civil pública, o conceito deve incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos financeiros (miseráveis e pobres).
"A expressão 'necessitados' (art. 134, caput, da Constituição), que qualifica, orienta e enobrece a atuação da Defensoria Pública, deve ser entendida, no campo da Ação Civil Pública, em sentido amplo, de modo a incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos financeiros – os miseráveis e pobres –, os hipervulneráveis (isto é, os socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gerações futuras), enfim todos aqueles que, como indivíduo ou classe, por conta de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores de poder econômico ou político, 'necessitem' da mão benevolente e solidarista do Estado para sua proteção, mesmo que contra o próprio Estado", registrou o ministro em seu voto.
Capacidade econômica
Durante o julgamento na Corte Especial, o ministro Luís Felipe Salomão reviu seu entendimento. Ele que havia sido o relator do acórdão questionado na 4ª Turma, afirmou que mudou seu posicionamento para alinhá-lo à decisão do Supremo Tribunal Federal, que ao julgar a ADI 3.943 em maio deste ano transferiu a limitação da legitimidade adequada das pessoas "necessitadas" para momento da liquidação ou execução da sentença.

De acordo com Salomão, "o juízo realizado a priori da coletividade de pessoas necessitadas deve ser feito de forma abstrata, em tese, bastando que possa haver, para a extensão subjetiva da legitimidade, o favorecimento de grupo de indivíduos pertencentes à classe dos hipossuficientes, mesmo que, de forma indireta e eventual, venha a alcançar outros economicamente mais bem favorecidos".
Clique aqui para ler o acórdão.
EREsp 1.192.577
 é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 16 de novembro de 2015, 7h51

O terrorismo mundial na França e sua não criminalização no Brasil


O terrorismo mundial na França e sua não criminalização no Brasil

Os tristes eventos da sexta-feira passada (13/11), em Paris, deixaram 129 mortos e 352 feridos, em ataques atribuídos a integrantes do Estado Islâmico, que atiraram e provocaram explosões nas imediações do Stade de France (onde ocorria um jogo amistoso entre as seleções de futebol francesa e alemã, com a presença do presidente francês, François Hollande), na casa de espetáculos Bataclan, nos restaurantes Le Petit Cambodge, Le Carillon, Casa Nostra e La Belle Equipe, no bar Comptoir Voltaire, além de ruas da cidade.

A resposta francesa foi intensificar ataques aéreos na cidade de Raqqa, na Síria, principal base do EI, com destruição de campo de treinamento, depósito de armas, decreto de estado de urgência por 12 dias, adoção do controle de fronteiras, aumento do efetivo das forças policiais, da aduana e de magistrados.
A radicalização de grupos separatistas e nacionalistas e os conflitos étnicos têm aumentado mundialmente. Há pouco mais de um mês, em 10 de outubro de 2015[1], uma explosão no centro da capital turca de Ancara, provocada por dois homens-bomba, matou quase cem pessoas e feriu outras duzentas.
As consequências dos atentados poderiam ser piores, se não fosse pelo forte policiamento, alertas contidos em informes de inteligência e esforços incessantes da França e demais países na repressão ao terrorismo, por meio de combate contra células terroristas locais e as abrigadas, principalmente, no norte da África e do Paquistão, Iraque, Síria, Afeganistão, Iêmen, Península Arábica, Nigéria e Somália[2].
É de bom alvitre controlar os ânimos e não superdimensionar os fatos em relação aos demais fenômenos de criminalidade mundial. Embora, em apenas um ano, as mortes decorrentes de ataques terroristas tenham aumentado 61%[3], o homicídio é responsável por 40 vezes mais mortes (437 mil vidas perdidas no mundo, em 2012) em comparação com a ação do terrorismo (11 mil mortes em 2012).
O Mapa da Violência no Brasil (2015[4]) divulgou que ocupamos o 11º lugar no ranking dos países com maior proporção de mortes violentas (28,7) para cada 100 mil habitantes, no total de 40.077 homicídios (dados de 2012). Os dados estatísticos demonstram que o Brasil tem quase quatro vezes mais mortes por homicídios, em comparação com as mortes causadas por ações terroristas no mundo inteiro, no mesmo período de um ano. É claro que, por aqui, houve o avanço da criminalidade comum e que o nosso flagelo é a atuação das organizações criminosas (Orcrims).
A perda de vidas pela ação do próprio homem é lastimável e preocupante, independentemente de qual rótulo receba (genocídio, aborto, homicídio, atentado terrorista), impondo a ação do Estado imediata e contundente, em qualquer hipótese. O Ocidente e o Oriente apresentam, pois, graves problemas no trato da segurança pública e preservação da vida.
Seria imprudente, contudo, menosprezar que parcela considerável do financiamento às ações do terrorismo advém de atividades ilícitas ligadas ao crime organizado, e é inafastável a constatação de que o terrorismo e o crime organizado andam de mãos dadas.
A ligação (nexo) entre ambos é perceptível na união para desestruturar o governo de um país, no compartilhamento de treinamento, táticas e métodos, inclusive de recrutamento de sicários, na utilização dos mesmos canais de lavagem de dinheiro, rotas e sistema financeiro paralelo e no relacionamento em simbiose para aquisição de material bélico cobrança/pagamento de "pedágios" e taxa de proteção, que constituem a nova base do conceito de crime-terror nexus.
A Europa, a África e os Estados Unidos vivem num constante estado de tensão, em razão de ataques terroristas orquestrados, de difícil detecção, embora dezenas de eventos fatais já tenham sido evitados pelas forças de segurança pública. As nações vitimizadas têm se unido na busca de uma solução que contemple a harmonia entre garantias e liberdades individuais com a necessária mitigação do rol de direitos do cidadão com o fim maior de preservação de vidas, entre eles o direito à privacidade e à livre circulação.
Não é de hoje que o nível de alerta de segurança, em países europeus, se encontra bastante elevado, apesar do visível comprometimento das autoridades locais em patrulhar e assegurar a regularidade de acesso a monumentos, aeroportos, transporte e áreas públicas. São conhecidos, por exemplo, o aporte do parque tecnológico e bélico, o treinamento de forças especiais, as restrições a bagagens e objetos distantes dos proprietários, a fiscalização em áreas aeroportuárias, inclusive com limites para transporte de líquidos, objetos cortantes e outros que gerem combustão, além dos recentes equipamentos que detectam traços de explosivos em roupa.
Tem-se observado que os usos de explosivos e armas longas são uma constante nesses ataques, perpetrados por homens-bomba, treinados e cada vez mais jovens, muitos nacionais dos países vitimizados e com dupla nacionalidade, o que demonstra uma opção tática das organizações terroristas (ORTs) pela infiltração de seus membros na sociedade, com um forte preparo psicológico para se manterem encobertos e fiéis aos propósitos, ideologia e crenças do movimento.
As ORTs agem por meio de "soldados", com quase nenhuma relevância na estrutura da organização, de forma que a sua perda não gere qualquer impacto na cadeia de comando, e possam ser facilmente substituídos. As suas famílias são indenizadas e mantidas pelo EI, como fazem as Orcrims em relação aos parentes de seus integrantes presos. Instalam-se em países onde o Estado é fraco, deteriorado, com fraturas internas, dissidências e forças policiais e militares desestabilizadas, realocando-os em suas fileiras. Nos “países-alvo", recrutam jovens marginalizados, fragilizados, abertos à propaganda terrorista e à cegueira ideológica, bem como estrangeiros e descendentes que não se adaptaram aos costumes da sociedade local nem se sentem ou não foram a ela integrados.
Essa verdadeira tática de guerrilha, de inserção lenta e gradual de membros das ORTs em solo europeu, africano ou norte-americano, potencializa os seus danos (área afetada e vítimas) quando os "soldados" se suicidam com os explosivos que carregam no corpo, mochilas ou coletes especialmente preparados para tal. Ademais, preservam o sigilo quanto aos responsáveis pela logística, recrutamento e planejamento da ação terrorista.
As políticas públicas e estratégias de prevenção, investigação e repressão não têm sido suficientes para controlar a infiltração e a ação dos membros das ORTs nas nações vitimizadas ou potencialmente alvo de seus planos de busca de poder, de controle territorial, ideológico e religioso, de difusão de medo e caos e de desestabilização do governo e Estado.
Por suposto, uma medida temporária e pontual não resolverá o problema dos atentados terroristas. A sociedade precisa ser educada, diante do novo contexto mundial, a se proteger, informar, observar e lidar com os fatos que se apresentem potencialmente violadores da sua liberdade e direito à vida.
Nesse ponto, o engajamento da sociedade é uma recomendação da estratégia global de contraterrorismo da Assembleia-Geral da ONU[5]:
"10. Encoraja a sociedade civil, incluindo organizações não governamentais, para se engajar, conforme o caso (...) através da interação com os Estados-membros e do sistema das Nações Unidas, e incentiva os Estados-membros, a Counter-Terrorism Implementation Task Force (CTITF)[6] e suas entidades a melhorar o engajamento com a sociedade civil ..." (tradução livre).
Adicionalmente à cooperação internacional, regional e da sociedade civil, o Estado, permanentemente, deve desenvolver novas técnicas investigativas e incentivar pesquisas para melhoria das tecnologias que possam ser combinadas nas ações antiterroristas. O empenho mundial diferenciado deve ser buscado, em especial, na repressão ao tráfico de drogas e armas, financiamento ao terrorismo[7], lavagem de dinheiro e controle migratório.
No que toca ao financiamento do terrorismo, inúmeros estudos e investigações apontam o tráfico de drogas como a atividade criminosa de maior rentabilidade para as ORTs, sem desconsiderarmos que o Estado Islâmico domina, no Iraque, parte da indústria petrolífera (Mossul) e importantes plantas de processamento de gás natural (Shaar e Baiji). Fontes de energia e mercado de drogas constituem a base da economia do terror do EI.
O Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), em relatório de fevereiro de 2015, alertou para o possível financiamento ao terrorismo pelo desvirtuamento da caridade obrigatória islâmica, o zakat, no percentual de 2,5% anual sobre rendimentos e bens, a princípio destinado a pobres, endividados, viajante necessitados, recém-convertidos ao Islam e aos que lutam pelas causas de Allah.
O jornalista Tom Porter (2014) apurou que os jihadistas usaram o dinheiro do tráfico de drogas para comprar veículos blindados, mísseis superfície-ar e fuzis AK-47 de ex-integrantes das Forças Armadas que abandonaram a Líbia com a deposição do ditador Muammar Gaddafi, falecido em 2011[8].
Por tais razões, é que o Secretário de Defesa dos EUA, Chuck Hagel, em entrevista veiculada pela NBCNews, em 21 de agosto de 2014, já se referia ao EI como uma ameaça maior do que 9/11, sendo muito mais que um grupo terrorista, que une ideologia com estratégia sofisticada e destreza tático-militar, e tremendamente bem financiado (tradução livre).
É fato que os "narco-jihadistas" recebem comissões em dinheiro para permitirem o transporte de drogas nos territórios sob seu domínio (no-man's land[9]:
"A droga que sai[10] do Brasil [entenda-se da América do Sul] em direção à Europa é um dos principais pilares do financiamento de jihadistas e terroristas na África. Documentos da ONU, obtidos pelo Estado com exclusividade, mostram que 15% de cada 50 euros gastos na Europa com cocaína terminam com os jihadistas que controlam um 'pedágio' na região do Sahel (...)
A relação entre a droga sul-americana e o jihadismo é confirmada tanto pela Interpol quanto pela agência antidroga dos EUA, a DEA [Drug Enforcement Administration]. A rota acabou colocando lado a lado improváveis parceiros. Segundo Michael Braun, ex-agente da DEA, cartéis sul-americanos passaram a pagar milhões aos islâmicos para garantir a passagem [da droga].
(...) o dinheiro também serve para 'comprar' a aliança de recrutas com salários e o pagamento de 'heranças' para as famílias de jovens que optaram por atentados suicidas em nome do grupo".
Para a UNODC[11] (United Nations Office on Drugs and Crime), agência da ONU contra drogas e crime, o tráfico de drogas, sem dúvida, concede financiamento para a insurgência e para aqueles que usam a violência terrorista em várias regiões do mundo. Em alguns casos, as drogas têm sido até a moeda usada na prática de atentados terroristas, como foi o caso nos atentados aos quatro trens de Madri, que feriram cerca de 1.800 pessoas e mataram outras 191, em 11 de março de 2004[12].
A ligação entre o crime organizado e o terrorismo, conforme o relatório anual sobre drogas de 2015 da ONU[13], “em que o tráfico de droga parece desempenhar um papel fundamental — representa uma grave ameaça, como enfatizado por recentes resoluções do Conselho de Segurança que exigem esforços redobrados para impedir que os terroristas se beneficiem dos lucros do crime organizado transnacional".
No caso brasileiro, em que pese os esforços das Nações Unidas e as condolências dadas às nações vitimizadas, ainda se faz necessária a aprovação de instrumento legislativo que criminalize o terrorismo, seu planejamento, ações, financiamento, capitalização e suporte logístico. Mais de uma década depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, nos EUA, e a ratificação de inúmeras convenções internacionais[14] de combate ao terrorismo, pouco se avançou na apreciação de projetos legislativos[15] que se encontram no Congresso Nacional.
Em síntese, a resposta mundial ao terrorismo depende de a) estreitamento da cooperação internacional e regional, b) da participação da sociedade civil, c) de novas tecnologias, d) apuração de técnicas investigativas, e) treinamento de forças especiais de contraterrorismo, f) ênfase na área de inteligência, g) descapitalização das ORT por meio do congelamento de ativos, h) repressão ao tráfico de drogas e armas, à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo, i) aperfeiçoamento do controle migratório e j) aprovação de legislação que criminalize os atos das organizações terroristas pelos países integrantes da ONU.
Finalizo este breve ensaio e rendo minhas homenagens às vítimas de tão pesarosos eventos e seus familiares, orando para que essa barbárie se finde um dia, certo de que, por mais que as instituições tenham um longo caminho a trilhar, é o ser humano quem precisa, verdadeira e urgentemente, transcender ao ódio, às diferenças e à ganância por poder e dinheiro, a fim de que se garanta a paz, a tolerância religiosa e cultural, o perdão, o respeito a todos, a integração e a convivência pacífica entre os povos.
*Texto alterado às 16h25 do dia 18/11/2015 para atualização de informações.

[2] A referência não é exauriente. Pode-se mencionar o Anti-Balaka (República Centro-Africana), Movimento de Unificação Islâmica (Líbano), Forças Democráticas Aliadas (República Democrática do Congo), Tigres do Tamil (Sri Lanka). O Índice Global de Terrorismo 2014 (GTI - Global Terrorism Index) aponta 13 países com risco de aumento de atividade terrorista: Angola, Bangladesh, Burundi. República Centro-Africana, Costa do Marfim, Etiópia, Irã, Israel, Mali, Mexico, Myanmar, Sri Lanka e Uganda.
[5] Item 10 da Resolução 68/276 de 13 de junho de 2014. Disponível em:http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/68/276. Item 10: "Encourages civil society, including non-governmental organizations, to engage, as appropriate, in efforts to enhance the implementation of the Strategy, including through interaction with Member States and the United Nations system,  and encourages Member States and the Counter-Terrorism Implementation Task Force and its entities to enhance engagement with civil society in accordance with their mandates, as appropriate, and to support its role in the implementation of the Strategy".
[6] O CTITF Office é órgão integrante do Centro de Contraterrorismo das Nações Unidas (UN Counter-Terrorism Centre - UNCCT) e tem entre suas funções: a) assegurar a coordenação e coerência nos esforços globais de combate ao terrorismo do sistema das Nações Unidas; b) mobilizar e gerir os recursos extraorçamentários para as iniciativas CTITF de apoio à prestação da assistência técnica para a implementação da estratégia e seus quatro pilares; c) trabalhar em coordenação com as organizações internacionais relevantes, regionais, sub-regionais sobre questões-chave de combate ao terrorismo; d) preparar um relatório consolidado em nome do secretário-geral, numa base bienal com uma avaliação sobre os progressos realizados na implementação da estratégia; e) disponibilizar meios para promover o diálogo entre as autoridades de combate ao terrorismo dos Estados-Membros para promover a cooperação internacional, regional e sub-regional e maior divulgação do conhecimento da estratégia.
[7] Também financiam o terrorismo outras atividades ilícitas como sequestros, contrabando e assaltos a bancos. Recentemente, diplomata iraquiano denunciou ao Conselho de Segurança da ONU o tráfico de órgãos e de artefatos arqueológicos saqueados pelo EI. Disponível em:http://veja.abril.com.br/noticia/mundo/estado-islamico-trafica-orgaos-para-se-financiar.
[8] PORTER, Tom. Cocaine Funding Isis: Drug Smuggling Profits Islamic State-Linked Jihadists in North Africa. 20 nov. 2014. Disponível em:http://www.ibtimes.co.uk/cocaine-funding-isis-drug-smuggling-profits-islamic-state-linked-jihadists-north-africa-1475824.
[9] CHADE, Jamil. O Estado de S. Paulo. Internacional. Droga sul-americana financia jihadistas. 1 fev. 2015. Disponível em:http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,droga-sul-americana-financia-jihadistas-imp-,1627690.
[10] Talvez a referência adequada fosse dizer que "passa" pelo Brasil, utilizado como corredor de trânsito.
[11]"Drug trafficking and the financing of terrorism". Disponível em:https://www.unodc.org/unodc/en/frontpage/drug-trafficking-and-the-financing-of-terrorism.html. "Indeed drug trafficking has provided funding for insurgency and those who use terrorist violence in various regions throughout the world, including in transit regions. In some cases, drugs have even been the currency used in the commission of terrorist attacks, as was the case in the Madrid bombings".
[13] Disponível em:https://www.unodc.org/documents/wdr2015/World_Drug_Report_2015.pdf. "The nexus between organized crime and terrorism — in which illicit drug trafficking appears to play a role - poses a serious threat, as emphasized by recent Security Council resolutions calling for redoubled efforts to prevent terrorists from benefiting from transnational organized crime."
[14]Convenção para prevenir e punir os atos de terrorismo configurados em delitos contra as pessoas e a extorsão conexa quando tiverem eles transcendência internacional; Convenção internacional sobre a supressão de atentados terroristas com bombas; Convenção internacional para a supressão do financiamento do terrorismo; Convenção interamericana contra o terrorismo.
[15] PLS 236/2012 (projeto do novo Código Penal), PLS 762/2011, PLS 499/2013, PL 2016/2015 (em regime de urgência).
 é delegado da Polícia Federal, mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília, especialista em segurança pública e defesa social e professor da Academia Nacional de Polícia. Foi assessor de ministro do Superior Tribunal de Justiça e da Secretaria da Segurança Pública do Distrito Federal.
Revista Consultor Jurídico, 17 de novembro de 2015, 8h05

terça-feira, 3 de novembro de 2015

A encruzilhada da segurança pública no Brasil


28/10/2015 - 11:35:37
ARTIGO

A encruzilhada da segurança pública no Brasil

Confira artigo do Delegado de Polícia Juvenal Marques Ferreira

  • 1
  • Juvenal Marques Ferreira
 

          


        Enquanto imaginava como traduzir em palavras escritas o drama da Segurança Pública neste País, procurei um título que pudesse dar a idéia do que ocorre há dezenas de anos no Brasil. Pois sim, o problema não é novo, nem tampouco as conseqüências. Não importa agora discutir o sexo dos anjos ou como chegamos à esse caos, quer pela negligência, incapacidade ou ideologia dos governantes passados. A ineficiência do modelo dicotômico de polícia adotado no Brasil remonta ao século passado, bem como os índices alarmantes de violência, minimizados pelas “estatísticas”. A realidade da população é bem outra, pois quem sai para trabalhar, estudar ou somente desfrutar momentos de lazer, não tem a certeza de que voltará para casa sem ser vítima da violência urbana. Isso é um fato irretorquível, espelhado nas manchetes policiais, ainda que timidamente, pela grande imprensa, que hoje sobrevive com as altas somas de verbas públicas empregadas em publicidade pelos governos nas três esferas, municipal, estadual e federal. Fenômeno talvez explicado pela velocidade das informações difundidas pela rede mundial de computadores. Poucos hoje compram jornal.

         Mas o cerne deste artigo é suscitar uma discussão sobre a unificação das polícias estaduais, há muito tempo deixado em stand by. Toda vez que surgem discussões a respeito da mudança do modelo vigente há um alvoroço, principalmente em relação às polícias militares que não aceitam a retirada do paradigma militar de sua estrutura funcional.

         Não há, no mundo, um único país com regime político democrático, aonde a polícia conduza para quartéis seus cidadãos que tenham infringido a lei.

        Nem nos tempos do recrudescimento da ditadura militar isso ocorreu no Brasil. Ainda naquele tempo os presos comuns eram apresentados nas Delegacias de Polícia, que bem ou mal, submetiam o infrator ao estatuído nas leis penais comuns.

        Os presos políticos, esses sim foram conduzidos à força aos quartéis. Todos sabem o fim dessa história. A rotina era o desrespeito aos direitos do conduzido, tortura e, em não poucos casos, o desaparecimento e morte do preso.

        Decorridos mais de trinta anos da redemocratização do Brasil, vemos uma gama de paramilitares eleitos por parcela do povo, que cansados da violência e fragilidade das leis penais, optaram por àqueles que trazem o discurso de que “bandido bom, é bandido morto”. Esses parlamentares de origem paramilitar não aceitam a mudança do modelo de polícias estaduais vigente, pois que não querem a retirada do militarismo do seio da polícia militar.

       Não contentes com esse modelo de polícia militar, querem agora implantar o Ciclo Completo de Polícia Militar, que nada mais é do que conceder o direito de conduzir um brasileiro que cometa uma infração penal comum aos quartéis da polícia militar. Esse absurdo tem ganhado força no Congresso Nacional, graças ao lobby fortíssimo da polícia militar, que em número de homens supera em muito ao efetivo do Exército Nacional.

       Não podemos esquecer que a essência do militar é o uso da força para subjugação e neutralização do inimigo. Um exército jamais deve ser usado contra seu nacional, ou seja, contra o povo, pois que se destina a destruir inimigos da pátria.

        A polícia militar tem sua estrutura e doutrina de cunho militar, por isso é uma das polícias mais violentas do mundo. As notícias de ocorrências de morte, violência e tortura decorrentes da intervenção da polícia militar chegaram até aos órgãos internacionais, com a condenação pública do Brasil pela tolerância a esse tipo de atuação de órgãos de segurança.

       O advento das ferramentas de busca na rede de Internet não permite mais mascarar as notícias. Basta uma pesquisa no Google sobre violência policial, tortura ou esquadrão da morte, para que retorne resultados de centenas de ocorrências com policiais militares envolvidos. O número de mortos por policiais militares é muito grande, e não são apenas infratores, os casos envolvendo inocentes e até autoridades que se põem em seu caminho também é considerável.

       Alguém em sã consciência acredita que com o Ciclo Completo de Polícia Militar, o infrator da lei ou mesmo o cidadão que disser algo que o policial militar não goste, em sendo conduzido ao quartel da PM será tratado com respeito na forma da lei?

       A história recente do país está aí para nos lembrar o tratamento infame dos que eram levados à força para os quartéis.

       Não esqueçamos que naquela época ninguém ousava ir aos quartéis para verificar o tratamento à que eram submetidos os presos, nem mesmo o Ministério Público. Será diferente agora?

      Hoje a PM está presente em todos os gabinetes de autoridades. O próprio Ministério Público tem na PM o seu braço armado policial para suas diligências investigativas.

      Parece-nos claro o projeto de poder planejado ao longo dos anos pelos oficiais da polícia militar, haja vista que há anos implantaram normas para uniformização de procedimentos em todas as PMs do Brasil. Inclusive foram os primeiros a criar um órgão que agregasse todos os comandantes gerais de polícias militares para estabelecerem uma política que os fortalecesse na federação.

      O Brasil é um país com suas instituições em pleno funcionamento de maneira democrática e sob a égide da lei, portanto, inconcebível que haja a institucionalização do regime militar em suas polícias, para condução de presos aos quartéis.

      Passou da hora da sociedade organizada exigir das autoridades a discussão da unificação das polícias em um regime de natureza civil com estrita obediência à lei.

     No entanto isso não ocorrerá, sem que haja o engajamento das autoridades, de políticos sérios e da imprensa para fomentar uma discussão nacional com projetos que venham a vingar no Congresso Nacional.

     Basta de violência, mas também basta de tortura e mortes promovidas por agentes do Estado. Num país civilizado não pode se pode tolerar o mote de que “os fins justificam os meios”.

     Cabe à sociedade, através de seus representantes eleitos e autoridades constituídas, a busca de uma solução para a segurança pública, que tenha como premissa a segurança de cada cidadão, com respeito à lei.

     Há mais de quinze anos atrás idealizamos um anteprojeto de lei para implementação da unificação das polícias militares e civis, com a criação de uma única Polícia Estadual com todas as atribuições que hoje são divididas entre as duas polícias. Naquela ocasião enviamos o anteprojeto a vários parlamentares e para alguns editores. Houve algumas publicações, mas não houve interesse em se discutir o assunto.

     Àqueles interessados em conhecer e aprimorar a idéia segue o link abaixo, onde está disponível para leitura aquele anteprojeto atualizado.




Disponível na Internet em 28/10/2015 no endereço -