"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Ofício do MPF mostra uso de documentos "trazidos informalmente" da Suíça


PEDALADA PROBATÓRIA

Ofício do MPF mostra uso de documentos "trazidos informalmente" da Suíça


O ofício é de dezembro de 2014, quando os procuradores da República Deltan Dallagnol e Athayde Ribeiro Costa encaminham “mídia contendo extratos e dados de contas bancárias mantidas por Paulo Roberto Costa no exterior, recebidos informalmente”, para a Secretaria de Pesquisa e Análise do MPF. Eles pedem a análise de toda a documentação, a identificação dos créditos e débitos das contas bancárias, “com especificação dos países de origem, dados das contas bancárias, a qualificação dos proprietários beneficiários”.
Apesar de o documento trazido a público na última semana pela ConJurmostrar a entrega de dados referentes a “Paulo Roberto Costa, Alberto Youssef e outros” pelo Ministério Público suíço, o MPF garante que opendrive trazido continha apenas dados relativos a Costa. O órgão afirma que, em seu acordo de delação premiada na operação “lava jato”, o ex-diretor de abastecimento da Petrobras abriu mão de seu sigilo e autorizou o acesso a seus dados bancários.
O MPF alega que contatos diretos entre membros do Ministério Público do Estado requerente e do Estado requerido “são considerados boas práticas na cooperação internacional, sendo tais contatos diretos recomendados enfaticamente por órgãos como o United Nations Office on Drugs and Crime”.
No entanto, como o tratado de cooperação jurídica entre o Brasil e a Suíça para matéria penal deixa claro que cabe à Secretaria Nacional de Justiça do Ministério de Justiça fazer pedidos e autorizar a troca de documentos, advogados veem o ofício entregue pelo MPF como uma “confissão” de que os procuradores agiram contra a lei. Os profissionais apontam que só existe uma forma legal de um procurador da República receber informação protegida por sigilo: formalmente e seguindo os trâmites legais e constitucionais.
O professor de Direito Constitucional da PUC-SP Pedro Estevam Serrano, que advoga para a Odebrecht na “lava jato”, é direto: “O documento confirma que houve ilegalidade ao trazer os dados e, como o Paulo Roberto Costa é figura central no caso, o problema deverá se espalhar por toda a operação”. Serrano faz menção à teoria do fruto da árvore envenenada: se uma árvore está envenenada, nenhum dos seus frutos pode ser aproveitado.
A criminalista Marina Coelho Araújo, sócia do CAZ Advogados, classifica como inquietante “a relutância do Ministério Público Federal em seguir os procedimentos previstos pela legislação durante as investigações da ‘lava jato’”. A advogada aponta que são os procedimentos que constroem a legitimidade do processo e que, na busca de uma suposta eficácia no combate à corrupção, “não pode valer tudo”.
Marina afirma que não se pode justificar o atalho tomado pelo MPF com uma suposta tendência internacional em se buscar novas provas in loco. “Nos países ocidentais em que reina o Estado Democrático de Direito, ou bem o Ministério Público investiga e processa seguindo as regras impostas pela lei, ou a investigação não tem qualquer valor jurisdicional”, sentencia.
Organização e registro
Em resposta a questionamentos feitos pela ConJur, o Ministério Público Federal diz que “não se pode confundir a mera troca de informações (dados de inteligência) com o procedimento de remessa de provas (evidências a serem usadas em juízo)”. Os dados bancários do pendrive suíço, segundo o órgão, se enquadrariam na primeira classificação.

Além disso, o MPF diz que o fato de os dados bancários terem sido obtidos antes de o Ministério da Justiça ter autorizado a troca da informações não invalida as provas idênticas que foram trazidas por via legal. Isso porque o pedido de cooperação foi enviado ao Ministério da Justiça em agosto de 2014 e os procuradores trouxeram o pendrive “informalmente” em novembro de 2014 — ou seja, eles pediram pela via formal antes de irem à Suíça buscar sem terem a autorização.
O órgão justifica que os documentos serviram apenas para “organização de registros e análise interna por parte do próprio MPF, inclusive com o objetivo de verificar a veracidade das declarações prestadas por Paulo Roberto Costa, como colaborador”.
O criminalista Paulo Sérgio Leite Fernandes, no entanto, lembra que o Ministério Público não pode nem sequer trazer provas envolvidas por sigilo bancário para o país sem providências "muito sofisticadas ligadas à legalização da documentação". "Não é só pegar um USB e trazer. Isso dá cadeia, ou deve dar, a não ser que haja benevolência extravagante do Poder Judiciário", critica. Para o advogado, o ofício que foi entregue nesta sexta pelo MPF "é, certamente, assunção da posse do corpo de delito".
Daniel Gerber, do Eduardo Antônio Lucho Ferrão Advogados Associados, por sua vez, aponta que, “quando ambas as autoridades desprezam o mandamento legal de seus respectivos países, é porque não agiram enquanto ‘autoridades’. Não representaram a nação, o povo ou nossas leis”. A prova assim obtida, afirma, submete os responsáveis pela quebra deliberada da lei à responsabilização que lhes forem cabíveis em sede judicial e administrativa.
O advogado Pedro Martini Agatão, do Kuntz Advocacia e Consultoria Jurídica, vai mais longe e prevê que o Supremo Tribunal Federal, quando instado a se pronunciar sobre a questão, “certamente irá repudiar a conduta do MPF, reconhecendo a ilicitude da prova, bem como de todas as provas dela eventualmente derivadas, devendo ser desentranhadas dos autos, conforme prevê expressamente o artigo 157 do Código de Processo Penal”.
O Ministério Público Federal, em nota, afirma que o ataque “absolutamente infundado” ao procedimento adotado pelos órgãos de cooperação “faz parte da estratégia de comunicação adotada por alguns dos réus e empresas sob investigação, com o intuito de criar, artificialmente, atmosfera favorável ao reconhecimento de irregularidades imaginárias e teses estapafúrdias”.
Clique aqui para ler o ofício entregue do MPF.
Clique aqui para ler a resposta do MPF à ConJur.

 é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 13 de novembro de 2015, 21h30

Recurso em HCs é ato privativo de advogado e exige procuração nos autos


SÚMULA 115

Recurso em HCs é ato privativo de advogado e exige procuração nos autos

Embora seja possível que qualquer indivíduo impetre Habeas Corpus em seu próprio favor ou no de outra pessoa, a regra não se estende à interposição do respectivo recurso ordinário. O entendimento é da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que seguiu o voto do relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, no julgamento de um recurso em habeas corpus.
No recurso julgado, era pedido o reconhecimento de nulidade de um decreto de prisão por crime sexual. O recurso foi interposto por advogado, porém, sem mandato. Ele classificou de “contrassenso” a exigência de procuração para impetração de recurso, uma vez que o documento é dispensado para Habeas Corpus.
Para a turma, o recurso em Habeas Corpus deve ser interposto por advogado com procuração nos autos. Caso contrário, deve ser aplicada por analogia a Súmula 115 do STJ, que diz que na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos. Assim o ministro Reynaldo reforçou que a procuração é um requisito formal, que deve acompanhar a petição do recurso. Seguindo o voto do relator, a turma considerou o recurso inadmissível. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
Revista Consultor Jurídico, 16 de novembro de 2015, 21h00

Defensoria pode propor ACP em defesa de necessitados jurídicos, decide STJ


CONCEITO AMPLO

Defensoria pode propor ACP em defesa de necessitados jurídicos, decide STJ

O Superior Tribunal de Justiça autorizou a Defensoria Pública a ajuizar ação civil pública em nome de interesses difusos e individuais homogêneos. Isso significa que o conceito de necessitados, que orienta sua atuação, pode ir além do critério financeiro e incluir quem precisa de representação jurídica. A decisão é da Corte Especial do STJ em ação da Defensoria que discute o aumento abusivo de plano de saúde de idosos. O acórdão da decisão, proferida no dia 21 de outubro, foi publicado nesta sexta-feira (13/11).
O caso chegou à Corte Especial depois de a Defensoria apontar uma divergência na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Enquanto para a 4ª Turma do STJ a expressão "necessitados" que possibilitaria a atuação da Defensoria deve ser interpretada do ponto de vista econômico, para a 1ª Seção do STJ o sentido de necessitados deve ser entendido de uma maneira mais ampla, abrangendo não somente os necessitados economicamente.
Ao unificar o entendimento, a corte seguiu o entendimento da ministra relatora Laurita Vaz. Em seu voto, a ministra explicou que a legitimidade da Defensoria para propor ações coletivas em defesa de interesses difusos é inquestionável, e que a discussão está ligada à interpretação do que vem a ser "necessitados" por "insuficiência de recursos".
Ao analisar o caso, a ministra entendeu que deve prevalecer o entendimento fixado pela 2ª Turma, ao julgar o REsp 1.264.116, em 2011. Naquele julgamento, o ministro Herman Benjamin afirmou que, no campo da ação civil pública, o conceito deve incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos financeiros (miseráveis e pobres).
"A expressão 'necessitados' (art. 134, caput, da Constituição), que qualifica, orienta e enobrece a atuação da Defensoria Pública, deve ser entendida, no campo da Ação Civil Pública, em sentido amplo, de modo a incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos financeiros – os miseráveis e pobres –, os hipervulneráveis (isto é, os socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gerações futuras), enfim todos aqueles que, como indivíduo ou classe, por conta de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores de poder econômico ou político, 'necessitem' da mão benevolente e solidarista do Estado para sua proteção, mesmo que contra o próprio Estado", registrou o ministro em seu voto.
Capacidade econômica
Durante o julgamento na Corte Especial, o ministro Luís Felipe Salomão reviu seu entendimento. Ele que havia sido o relator do acórdão questionado na 4ª Turma, afirmou que mudou seu posicionamento para alinhá-lo à decisão do Supremo Tribunal Federal, que ao julgar a ADI 3.943 em maio deste ano transferiu a limitação da legitimidade adequada das pessoas "necessitadas" para momento da liquidação ou execução da sentença.

De acordo com Salomão, "o juízo realizado a priori da coletividade de pessoas necessitadas deve ser feito de forma abstrata, em tese, bastando que possa haver, para a extensão subjetiva da legitimidade, o favorecimento de grupo de indivíduos pertencentes à classe dos hipossuficientes, mesmo que, de forma indireta e eventual, venha a alcançar outros economicamente mais bem favorecidos".
Clique aqui para ler o acórdão.
EREsp 1.192.577
 é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 16 de novembro de 2015, 7h51