"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

quinta-feira, 15 de junho de 2017

Ação de servidor que era celetista não compete à Justiça do Trabalho

NATUREZA ESTATUTÁRIA


Não compete à Justiça do Trabalho julgar casos que envolvam servidores públicos em litígio com o Estado, mesmo que estes tenham começado a carreira como celetistas. Com este entendimento, a 9ª Vara do Trabalho de Aracaju extinguiu processo no qual servidores do Ministério da Fazenda buscavam pagamento de FGTS.
A vara sergipana se baseou em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.395/DF, estabeleceu que a Justiça do Trabalho não tem competência para o processamento e julgamento das ações que envolvem o poder público e os servidores vinculados à relação jurídico-administrativa.
O processo foi extinto, sem resolução do mérito, e os autores ainda foram condenados a pagar as custas processuais no valor de R$ 1 mil.
Mudança de regime
Os servidores do Ministério da Saúde pretendiam obter decisão favorável a indenização referente a depósitos do FGTS, supostamente devidos e não pagos, desde dezembro de 1990, considerando as parcelas vencidas e a vencer, com a devida correção monetária prevista em lei. Estabeleceram o valor em R$ 50 mil.

Os autores alegavam possuir o direito a receber os valores, pois foram admitidos pelo serviço público por meio de regime celetista antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, no quadro da então Superintendência de Campanhas de Saúde Públicas (Sucam), sucedida pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa).
Eles afirmaram que os depósitos deixaram de ser pagos em virtude de mudança legal, que estabeleceu o regime jurídico único dos servidores civis da União. Alegaram que a conversão do regime de trabalho era inconstitucional, visto que não ingressaram na administração pública federal por meio de concurso público.
Preliminar de incompetência
A Procuradoria da União em Sergipe, unidade da Advocacia-Geral da União, contestou o pedido, apontando a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar o caso. A unidade da AGU assinalou que a ação deveria ser extinta, pois a relação entre as partes era de natureza jurídico-estatutária, e não empregatícia. Com informações da Assessoria de Imprensa da AGU. 

Processo 0000094-45.2017.5.20.0009 - 9ª Vara do Trabalho de Aracaju
Revista Consultor Jurídico, 13 de junho de 2017, 7h10

Pagamento de aposentadoria é despesa com educação?

CONTAS À VISTA


Não tenho dúvidas sobre a necessidade de analisar o Direito de forma interdisciplinar e que, a depender do enfoque, se aproximará mais de outras áreas do conhecimento. Por exemplo, o Direito Financeiro e o Tributário parecem-me ser, dentre todos, os mais próximos da Contabilidade; o Financeiro, da Contabilidade Pública; e o Tributário, da Contabilidade Empresarial. Isso tem pertinência com o texto de estreia desta coluna sobre o jardim e a praça e essas duas disciplinas jurídicas, a partir do qual sugeri o nome de José Maurício Conti para compartilhar este espaço comigo na ConJur.

O tema de hoje diz respeito ao financiamento da educação e os tribunais de Contas, que vêm considerando os gastos com aposentadorias e pensões como despesas educacionais. Pode parecer complicado, mas verão que é de facílima compreensão.
A Constituição do Estado de São Paulo (artigo 255) determina a aplicação anual, na manutenção e no desenvolvimento do ensino público, do mínimo de 30% da receita resultante de impostos, incluindo recursos provenientes de transferências.
Trata-se de um percentual extremamente meritório, pois extrapola o mínimo estabelecido na Constituição Federal, que obriga os estados a aplicar 25% da mesma base de cálculo (artigo 212). Ou seja, os constituintes paulistas estão de parabéns. Não conheço outro estado com tal percentual de vinculação aos gastos educacionais. E como se trata de uma norma em que a Constituição estadual concedeu maior proteção a um direito social, ela vincula o estado, o qual não poderá se limitar ao estabelecido na Constituição Federal. Logo, em São Paulo o governo tem que aplicar 30%, e não os 25% previstos no âmbito nacional.
Ocorre que a Constituição paulista ainda estabeleceu, no parágrafo único do artigo 255, que “a lei definirá as despesas que se caracterizem como manutenção e desenvolvimento do ensino”, indicando uma espécie de competência estadual para a definição do que seria inserido no cômputo dos 30% destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino público.
Aqui se coloca o problema entre o Direito Financeiro, a Contabilidade Pública e o financiamento do direito à educação pública, pois quem tem competência para determinar o que deve ser considerado como gasto com educação? O estado ou a União?
A Lei Complementar paulista 1.010/07, que criou o São Paulo Previdência (SPPrev), entidade gestora do Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos (RPPS) e do Regime Próprio de Previdência dos Militares do Estado de São Paulo (RPPM), estabeleceu que os valores dos benefícios pagos serão computados para efeito de cumprimento de vinculações legais e constitucionais de gastos em áreas específicas (artigo 26, I).
Traduzindo em miúdos: a lei paulista determinou que os gastos com o pagamento de benefícios previdenciários (leia-se, dentre outros, as aposentadorias e pensões) dos professores e servidores da área de educação possa ser considerado naquele montante de 30% dos gastos com educação determinados na Constituição paulista. O que foi efetuado pelo constituinte estadual paulista de forma meritória acabou esvaziado pelos sucessivos governos estaduais, tornando letra morta o objetivo de aumentar investimentos educacionais.
Ocorre que a Constituição Federal determina que compete à União legislar privativamente sobre diretrizes e bases da educação nacional (artigo 22, XXIV). E a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) determina no artigo 70 o que deveria ser considerado como despesa educacional; e no artigo 71 o que não se poderia considerar como tal. Em nenhum dos diversos incisos consta o pagamento de aposentadorias e pensões, seja como permitido, seja como proibido.
O Conselho Nacional de Educação exarou um parecer a respeito (Parecer CP 26/97), mencionando que: “É evidente que os inativos não contribuem nem para a manutenção nem para o desenvolvimento do ensino. Afastados que estão da atividade, não poderiam contribuir para manutenção das ações que dizem respeito ao ensino. Se não podem sequer contribuir para tanto, menos ainda para o desenvolvimento — democratização, expansão e melhoria da qualidade — do ensino”.
Tal assertiva, pelo menos para mim, possui clareza solar. Os proventos de aposentarias e pensões não podem ser considerados como gastos relativos à manutenção e ao desenvolvimento do ensino. Logo, ao inserir como tal, descumpre não o espírito da lei (o que não existe), mas descumpre a letra clara a explícita da norma constitucional, que determina a vinculação de recursos para essas atividades educacionais. Inserir algo que não visa a essa função é descumprir a Constituição Federal e a Constituição estadual.
É adequado construir, para analisar esse caso, uma Regra Matriz de Incidência Financeira (RMIF)[1], observada a questão federativa superposta, no âmbito da vinculação de recursos. Vejamos inicialmente o artigo 212 da Constituição Federal[2]:
Aspecto material: Aplicar recursos na manutenção e desenvolvimento do ensino.
Aspecto temporal: Período anual para a arrecadação (não para o gasto), vinculado ao exercício financeiro.
Aspecto pessoal:
Sujeito ativo: A sociedade.
Sujeito passivo: O Poder Público, federativamente considerado.
Aspecto quantitativo:
Base imponível: A receita de impostos, incluindo as transferências.
Alíquota: 18% para a União; 25% para os Estados e Municípios.
Aspecto espacial: Território nacional.
Observando o artigo 255 da Constituição estadual paulista[3]:
Aspecto material: Aplicar recursos na manutenção e desenvolvimento do ensino.
Aspecto temporal: Período anual para a arrecadação (não para o gasto), vinculado ao exercício financeiro.
Aspecto pessoal:
Sujeito ativo: A sociedade.
Sujeito passivo: O Estado de São Paulo.
Aspecto quantitativo:
Base imponível: A receita de impostos, incluindo as transferências.
Alíquota: 30%.
Aspecto espacial: Território paulista.
A análise dessa Regra Matriz de Incidência Financeira (RMIF) nos permite afirmar que a população do estado de São Paulo conta com uma alíquota maior do que a das demais unidades federadas para os gastos na manutenção e desenvolvimento do ensino.
Porém, não é só. As duas normas constitucionais, federal e estadual, possuem como “aspecto material” a “aplicação de recursos na manutenção e desenvolvimento do ensino”. Ora, aqui reside o núcleo central da estrutura normativa, pois o que se entende nessa expressão, obviamente, não engloba o pagamento de aposentadoria e pensões. Trata-se dos limites semânticos da norma.
Sendo assim, a alíquota de 30% é uma garantia da Constituição estadual; e o aspecto material é uma proteção das duas Constituições, vinculando a arrecadação à sua efetiva finalidade: manutenção e desenvolvimento do ensino. E a definição desse conceito foi estabelecida pelos artigos 70 e 71 da LDBE (Lei 9.394/96), pois é de competência federal fazê-lo (artigo 22, XXIV da CF), o que comprova a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 255 da Constituição paulista[4].
Basta usar o sentido consagrado da Regra Matriz de Incidência Tributária (RMIT) e ler a doutrina acerca do “aspecto material”. Por exemplo, não se pode ampliar a exigência de um tributo sobre a circulação de mercadorias, usando-o para incidir sobre a compra e venda de propriedades imobiliárias — o núcleo central do conceito de ICMS não admite tal expansão.
Inserir gastos com benefícios previdenciários no cômputo de gastos com educação é de uma primariedade ultrajante. Fazer isso é o mesmo que permitir que as despesas com o programa espacial brasileiro pudessem ser consideradas no cômputo dos gastos com educação; afinal, as pessoas vão aprender muito com as viagens espaciais, logo... Pensando bem, talvez esse exemplo seja até melhor do que a realidade exposta, pois, de alguma forma remota, poderia ter alguma correlação.
O fato é que essa esdrúxula forma de contabilização adotada pelo governo estadual paulista acarretou o desvio de mais de R$ 25 bilhões de verba destinada à educação, computados desde 2010, conforme aponta parecer do Ministério Público de Contas paulista (MPC-SP). A despeito desse registro, foi veiculada reportagem informando que “em reunião do secretariado, as contas do governo do Estado foram aprovadas”, o que é, para dizer o mínimo, uma informação imprecisa, pois: 1) quem aprova as contas é o Tribunal de Contas do estado, e não o secretariado; e 2) será adequada a participação do Ministério Público de Contas, órgão encarregado de fiscalizar as contas do governo, em uma reunião com o secretariado? Não haveria aí uma indesejável confraternização entre fiscalizados e fiscalizadores? Na verdade, o parecer do Ministério Público de Contas foi pela aprovação com ressalvas. Aguarda-se a posição do TCE-SP.
Entrementes, a Procuradoria-Geral da República propôs a ADI 5.719 para discutir a constitucionalidade da referida norma paulista, com pedido de liminar, ainda não analisado.
Registre-se que existem pelo menos duas outras ADI propostas pela PGR contra normas estaduais que adotaram semelhante procedimento. A ADI 5.546, que contesta normas do estado da Paraíba, sob a relatoria do ministro Roberto Barroso, e a ADI 5.691, contra normas do estado do Espírito Santo, de relatoria da ministra Rosa Weber. Todas ainda pendem de julgamento.
O que surpreende não é apenas o comportamento desses governos estaduais, mas a posição dos tribunais de Contas desses estados, pois se verifica que a norma paulista é de 2007, a paraibana é de 1998, e a capixaba — pasme, caro leitor — foi veiculada em 2012 por meio de uma resolução do próprio Tribunal de Contas do Espírito Santo. São essas as normas atacadas pelas ADIs acima indicadas, propostas pela Procuradoria-Geral da República.
A fórmula aventada pelo TCE-SP, em conjunto com o MPC-SP, é, mais uma vez, aprovar as contas com ressalvas. Curioso como a Constituição pode ser flexibilizada a esse ponto. Será que passados tantos anos dessa forma heterodoxa de contabilização — para usar uma expressão da moda, de “contabilidade criativa” — nenhum desses tribunais constatou a irregularidade acima apontada? Será adequado decidir, a cada ano, sucessivamente, “aprovar com ressalvas”? Existe um debate acerbo sobre a modificação da composição política dos tribunais de Contas, com textos de Júlio Marcelo e Heleno Torres, dentre outros.
Outra alternativa, apontada pelo presidente do Tribunal de Contas de São Paulo, é a de utilizar o percentual federal, de 25%, e não o estadual, de 30%. Mas a Constituição estadual precisa ser cumprida tanto quanto a federal. Ou não? Ainda mais pelo Tribunal de Contas do estado.
O fato é que muito dinheiro que deveria ter sido aplicado em educação vem sendo utilizado para pagar benefícios previdenciários, que possuem fonte própria de custeio, não devendo ser considerado como inserido na verba vinculada aos gastos educacionais. Pelo menos uma geração de jovens foi perdida nessa queda de qualificação educacional. Uma pena. Irreversível.
Usa-se verba destinada ao futuro da sociedade (educação) para pagar gastos com o passado (previdência). Ambos são importantes e possuem fontes próprias de custeio. Misturar as duas fontes de financiamento é permanecer sempre no tempo verbal do futuro do pretérito, onde um fato só poderá acontecer no futuro, caso outro tivesse ocorrido no passado, como se vê na seguinte frase: “Se eu tivesse estudado, viveria melhor o amanhã”. Ocorre que, se não organizarmos o pretérito, jamais teremos futuro. É necessário fazê-lo para chegarmos a ser um país do presente do indicativo — “Eu estudo” ou “Nós temos saúde pública”. Sem nos organizarmos já, permaneceremos como o país do amanhã, deitados em berço esplêndido, sempre no futuro do pretérito.
É preciso estar alerta para essas condutas financeiras, que podem até não se constituir em corrupção, mas desviam as normas de sua finalidade constitucional.

[1] A literatura, capitaneada por Geraldo Ataliba e Paulo de Barros Carvalho, usa para definir a obrigação tributária a fórmula da Regra Matriz de Incidência Tributária (RMIT), na qual o Estado sempre ocupa o polo ativo. Ocorre que, nesse sentido, ela seria inaplicável para repetição de indébito ou compensações, conforme analisei no texto Recuperação de créditos acumulados de ICMS na exportação. (In: ROCHA, Valdir de Oliveira – coord.). Grandes questões atuais de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2012. v. 16, p. 52-74), em que o Estado se torna devedor, e o sujeito ativo do crédito é o contribuinte. Vê-se, contudo, que a fórmula da RMIT pode ser expandida para inúmeras relações financeiras (RMIF). Voltarei ao tema posteriormente.
[2] Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.
[3] Art. 255: O Estado aplicará, anualmente, na manutenção e no desenvolvimento do ensino público, no mínimo, 30% da receita resultante de impostos, incluindo recursos provenientes de transferências.
[4] Art. 255, parágrafo único: A lei definirá as despesas que se caracterizem como manutenção e desenvolvimento do ensino.
 é advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Melo, Guimarães, Pinheiro & Scaff – Advogados; professor da USP e livre docente em Direito pela mesma universidade.

Revista Consultor Jurídico, 13 de junho de 2017, 8h00

STJ anula julgamento de réu que não tinha advogado constituído

DEFESA PREJUDICADA


O Tribunal de Justiça de São Paulo terá de analisar novamente a apelação de um réu que foi julgado na corte sem ter advogado constituído. A decisão é da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que, em decisão unânime, reconheceu que houve violação ao princípio da ampla defesa e concedeu Habeas Corpus ao réu, anulando o julgamento.
No pedido de Habeas Corpus, a defesa invocou a Súmula 708 do Supremo Tribunal Federal, que prevê a invalidade do julgamento quando o defensor do réu renuncia e ele não é previamente intimado para constituir outro.
Em 2010, o advogado que defendia o réu interpôs a apelação. No ano seguinte, ele renunciou ao mandato, mas o réu não foi intimado para constituir outro advogado. Mesmo sem um defensor, a apelação foi julgada em 2012 e provida parcialmente pelo TJ-SP para reduzir a pena.
Só depois do julgamento é que o TJ-SP recebeu a petição protocolada na vara de origem, na qual o primeiro advogado renunciava e pedia a desconsideração das razões de apelação, ao mesmo tempo em que uma nova advogada constituída solicitou a devolução de prazo.
Segundo o relator do Habeas Corpus no STJ, ministro Ribeiro Dantas, para reconhecer nulidades no curso do processo penal, é preciso uma efetiva demonstração de prejuízo para a acusação ou para a defesa.
“Nesse contexto, portanto, evidenciada a intimação da sessão de julgamento do apelo defensivo em nome do patrono que já havia renunciado a seus poderes, claro está o prejuízo suportado pelo paciente que teve o seu recurso julgado sem defesa técnica”, explicou.
Para Ribeiro Dantas, levando em consideração que ao paciente foi concedido o direito de apelar em liberdade, deve assim permanecer até o esgotamento das vias ordinárias.
A 5ª Turma decidiu também anular o julgamento da apelação e os demais atos processuais posteriores para que outra decisão seja proferida pelo TJ-SP, com a prévia e regular intimação do defensor constituído. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
HC 382.357
Revista Consultor Jurídico, 13 de junho de 2017, 15h40