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terça-feira, 1 de setembro de 2015

Nacionalidade portuguesa: dispensa de comprovação da ligação efetiva

Nacionalidade portuguesa: dispensa de comprovação da ligação efetiva

Publicado por Rui da Fonseca e Castro - 1 dia atrás
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O critério da “ligação efetiva”

O maior obstáculo com que determinadas pessoas se deparam quando está em causa a aquisição da nacionalidade portuguesa traduz-se no critério da “ligação efetiva”.

Situações abrangidas

Como se sabe, estão sujeitas ao crivo da “ligação efetiva”, nos termos do disposto no artigo 9.º da Lei da Nacionalidade, as situações de aquisição da nacionalidade por efeito da vontade e da adoção, o que significa que se encontram abrangidos os seguintes casos:
aquisição por filhos menores ou incapazes de mãe ou pai que adquira a nacionalidade portuguesa (artigo 2.º da Lei da Nacionalidade);
aquisição em caso de casamento ou união de fato (artigo 3.º da Lei da Nacionalidade);
aquisição após perda da nacionalidade portuguesa (artigo 4.º da Lei da Nacionalidade);
aquisição na sequência de adoção plena (artigo 5.º da Lei da Nacionalidade).
Mais recentemente, a Lei Orgânica n.º 9/2015, de 29 de julho, veio conferir aos netos de portugueses o direito à nacionalidade portuguesa originária, mediante a comprovação de uma “ligação efetiva” com Portugal, a qual, porém, ainda não se encontra em vigor (vigorando, por enquanto, relativamente aos netos, a aquisição por naturalização).

O que é a “ligação efetiva”?

ligação efetiva é uma cláusula geral, ou seja, um conceito indeterminado, que funciona como requisito do direito à nacionalidade portuguesa, consubstanciando-se na necessidade do interessado possuir laços de pertença à comunidade portuguesa.

Evolução legislativa

Na sua versão original, o artigo 9.º, alínea a), da Lei da Nacionalidade, dispunha que“constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa: a) A manifesta inexistência de qualquer ligação efectiva à comunidade nacional”.
No âmbito de tal regime, entendia a jurisprudência portuguesa que caberia ao Estado, através do Ministério Público, provar que o requerente manifestamente carecia de qualquer ligação efetiva à comunidade nacional. Noutras palavras, no âmbito de ação judicial de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, era do Ministério Público o ônus da prova do fato impeditivo do direito, cabendo apenas ao requerente do processo administrativo declarar que possuía tal ligação efetiva.
Uma importante alteração veio a ser introduzida pela Lei n.º 25/94, de 19/08, passando o artigo 9.º da Lei da Nacionalidade a dispor que constituía fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa “a não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional”. O artigo 22 do Regulamento da Lei da Nacionalidade Portuguesa foi também concomitantemente alterado no sentido de estabelecer a necessidade do interessado instruir o procedimento com meios de prova referentes à sua ligação efetiva com a comunidade portuguesa.
Finalmente, a Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, veio proceder a uma nova inversão da questão do ônus da prova do preenchimento do critério da ligação efetiva. Com efeito, o referido artigo 9.º da Lei da Nacionalidade voltou a ser alterado, desta vez no sentido de passar a constituir fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa “a inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional”. Paralelamente, o Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro, aprovou um novo Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, o qual, no respectivo artigo 57, n.º 1, estabelece que “quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional”, não estipulando qualquer necessidade de instrução do procedimento com elementos de prova referentes ao mencionado critério.
Portanto, de acordo com o atual regime, o interessado limita-se a pronunciar-se, por declaração, sobre a existência de ligação efetiva à comunidade Portuguesa, não se lhe exigindo que comprove essa ligação.
Caberá, assim, ao Ministério Público instaurar ação de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, cabendo-lhe alegar e provar fatos que demonstrem que o requerente (réu na ação) não possui ligação efetiva à comunidade portuguesa.
Este entendimento tem vindo a ser seguido pela jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Administrativo português, podendo exemplificar-se com os Acórdãos de 28/05/2014 e 18/06/2014 e 25/06/2015, proferidos no âmbito dos processos, respectivamente, 01548/14, 01053/14 e 0618/15, os quais podem ser consultados em www.dgsi.pt.

Efeito prático

O grande efeito prático deste cenário é a desnecessidade do interessado comprovar a sua ligação efetiva à comunidade portuguesa, cabendo ao Ministério Público, se assim entender, instaurar ação de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, devendo, para o efeito, alegar e provar fatos constitutivos da inexistência da ligação efetiva.
Tendo em conta que ainda não existe acórdão uniformizador de jurisprudência sobre esta questão, não são nulas as possibilidades de procedência da ação instaurada pelo Ministério Público, mas trata-se, cada vez mais, de um risco residual.
Desta forma, casos que anteriormente eram considerados inviáveis, pois o interessado não tinha maneira de comprovar uma ligação efetiva com Portugal, ganham agora uma nova esperança.
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Acessado e disponível na Internet em 01/09/2015 no endereço -
http://ruicastro.jusbrasil.com.br/artigos/225966785/nacionalidade-portuguesa-dispensa-de-comprovacao-da-ligacao-efetiva