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terça-feira, 5 de abril de 2016

Tutelas de urgência no projeto do novo Código de Processo Civil


Processual Civil

 

Tutelas de urgência no projeto do novo Código de Processo Civil: reflexos da supressão do processo cautelar sobre o princípio do devido processo legal

Paula Simão Normanha
 
 
Resumo: Este trabalho tem como finalidade abordar, de maneira geral, as principais propostas do Projeto do Novo Código de Processo Civil e, em especial, analisar os reflexos da extinção do processo cautelar sobre o Princípio do Devido Processo Legal. Nesse sentido, busca-se demonstrar os impactos negativos decorrentes de tal previsão, principalmente no que concerne ao cerceamento do contraditório e, em contrapartida, apresentar uma alternativa que compatibilize a celeridade processual e o respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos.[1]
Palavras-chave: Projeto do Novo Código de Processo Civil, processo cautelar, tutelas de urgência, Princípio do Devido Processo Legal, contraditório, celeridade.
Abstract: This paper aims to address, in general, the main proposals of the Project of the New Code of Civil Procedure and in particular to analyze the effects of the precautionary process extinction on the principle of Due Process of Law. Accordingly, we seek to demonstrate the negative impact resulting from such forecast, especially with regard to the restriction of the contradictory and, in return, provide an alternative that reconciles speed of the procedure and respect for fundamental rights of citizens.
Keywords: Design of the New Code of Civil Procedure, process precautionary emergency guardianships, Principle of Due Process of Law, contradictory, celerity.
Sumário: Introdução. 1. Tutelas de Urgência no Código de Processo Civil Brasileiro de 1973 e a Reforma do Judiciário. 2. Propostas do Projeto do Novo Código de Processo Civil: simplificação procedimental e ampliação de poderes do juiz como garantias à celeridade da prestação jurisdicional. 3. Reflexos da Supressão do Processo Cautelar frente ao Princípio do Devido Processo Legal. 3.1 Considerações gerais sobre o Princípio do Devido Processo Legal. 3.2 Supressão do processo cautelar e o cerceamento do Princípio do Contraditório. Conclusão. Referências.
Introdução
Em 30 de setembro de 2009 foi instituída, pelo Ato nº 379 do Presidente do Senado, uma Comissão de Juristas com o objetivo de elaborar o Anteprojeto do novo Código de Processo Civil, posteriormente aprovado e transformado em Projeto de Lei nº 8.046/2010, atualmente em trâmite perante a Câmara dos Deputados.
Uma das principais missões do aludido Projeto seria a de conferir efetividade à garantia constitucional da razoável duração do processo, introduzida no ordenamento jurídico pela Emenda Constitucional nº 45. Para tanto, baseou-se na premissa de que necessária se faz a simplificação do sistema processual, através da criação, aperfeiçoamento e supressão de diversos institutos, dentre os quais o processo cautelar, eis que o Livro III – dedicado exclusivamente à regulamentação de tal modalidade processual - foi substituído pela inclusão da matéria relativa às tutelas de urgência e da evidência na Parte Geral do novo Código de Processo Civil.
No entanto, embora as referidas mudanças possam, de fato, contribuir para a celeridade na prestação jurisdicional, não se pode deixar de levar em consideração as consequências negativas que poderão acarretar.
Nesse sentido, o objetivo do presente artigo é demonstrar a impropriedade da alternativa da supressão do processo cautelar adotada pelo legislador, na medida em que incompatível com o Princípio constitucional do Devido Processo Legal.
1. Tutelas de Urgência no Código de Processo Civil Brasileiro de 1973 e a Reforma do Judiciário
A preocupação do legislador com a demora na prestação jurisdicional e consequente frustração da efetividade do processo ante a morosidade excessiva de sua tramitação, não é atual. Muito antes do advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, já se vislumbrava a preocupação em se assegurar direitos contra os males causados pelo tempo.
Assim, o Código de Processo Civil de 1939 já continha disposição genérica acerca das tutelas de urgência, assegurando o poder geral de cautela ao juiz. No entanto, tal disposição era bastante restrita, de modo que foi apenas com o advento do Código de Processo Civil de 1973 que se conferiu maior amplitude a essa espécie de tutela, tendo sido, de acordo com Câmara (2009), o primeiro Código de Processo Civil do mundo a dedicar um livro inteiro especificamente ao processo cautelar.
Tal inovação decorreu da percepção de que o processo de conhecimento e o de execução eram insuficientes para tutelar todas as situações merecedoras de resguardo, haja vista a inviabilidade da utilização de tais modalidades de processo em determinadas situações, ante a urgência da situação posta em juízo.
Assim, seria impossível, em casos como estes, aguardar todo o trâmite de um processo, seja de conhecimento ou de execução, já que esses processos exigem determinado lapso temporal necessário ao seu regular desenvolvimento.
Daí a necessidade de regulamentação específica dessa terceira modalidade de processo, denominado cautelar, cujo objetivo primordial é assegurar a efetividade de um processo principal que corre o risco de tornar-se infrutífero ante a situação de perigo decorrente da demora do julgamento do processo principal.
Caracteriza-se, portanto, como espécie de tutela preventiva, objetivando evitar situações em que após todo o desgaste sofrido pela parte com o trâmite de um processo, o mesmo se revele inútil, na medida em que incapaz de tutelar o direito objeto de litígio.
No entanto, as modificações até então levadas a efeito se revelaram insuficientes, principalmente com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, marcada pela transição do regime autoritário para o democrático e de cunho eminentemente humanista, consagradora de diversos direitos e garantias fundamentais. Assim, tornou-se necessária a modificação do sistema processual para fins de adequação aos princípios e normas constitucionalmente previstos.
Aliado a esse fator, tem-se o surpreendente desenvolvimento tecnológico, em uma era marcada pela globalização e aceleração das relações humanas, bem como o fortalecimento dos direitos difusos e coletivos, tornando-se imprescindível a evolução do Direito no sentido de acompanhar as modificações sociais, haja vista a inutilidade de um sistema estático, arcaico e consequentemente inapto a tutelar as relações complexas características da sociedade atual.
Assim, na medida em que se afasta a possibilidade de autotutela, conferindo ao Estado o poder-dever de solucionar os conflitos inerentes à vida em sociedade através do exercício da jurisdição, necessária se faz uma composição justa da lide, capaz de conferir ao titular do direito, em tempo hábil, o bem da vida por ele pleiteado, sempre com vistas à pacificação social e nos moldes previstos pela CRFB/88.
Tais resultados vinculam-se diretamente a Princípios Constitucionais como o da Inafastabilidade da Jurisdição, entendido, de acordo com Didier Junior (2009, p. 39) “como garantia de acesso à ordem jurídica justa, consubstanciada em uma prestação jurisdicional célere, adequada e eficaz.”
Desta feita, cada vez mais os ideais de celeridade e efetividade da prestação jurisdicional passaram a nortear as transformações no âmbito do Direito Processual Civil, que, segundo Theodoro Junior (2008), pautam-se, precipuamente, nos resultados a serem concretamente alcançados pela prestação jurisdicional.
Nesse sentido, com vistas à conciliação de celeridade e justiça na prestação jurisdicional, diversas alterações ocorreram no ordenamento jurídico brasileiro, dentre elas, as decorrentes da denominada Reforma do Judiciário, consubstanciada na Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004[2], que incluiu o inciso LXXVIII no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, assegurando a razoável duração do processo bem como os meios que garantam a celeridade de sua tramitação[3].
Seu principal objetivo é, portanto, assegurar ao titular do direito que o bem da vida pretendido lhe seja entregue de maneira tempestiva, de modo a “gerar resultados nos momentos em que seriam úteis ou melhor aproveitados”, nas palavras de Marinoni apud Amendoeira Junior (2006, p. 30).
No intuito de conferir efetividade a tal garantia, e tendo em vista a inevitabilidade da ocorrência de situações em que restaria comprometida a finalidade precípua do processo ante o decurso excessivo do tempo, optou o legislador, no Projeto do Novo Código de Processo Civil, por regulamentar de maneira uniforme as tutelas de urgência e da evidência, destinadas a evitar a inutilidade do processo decorrente da morosidade na prestação jurisdicional.
2. Propostas do Projeto do Novo Código de Processo Civil: simplificação procedimental e ampliação de poderes do juiz como garantias à celeridade da prestação jurisdicional
O Projeto do novo Código de Processo Civil, atrelado à noção de instrumentalidade processual e, conforme já mencionado, guiado pela tentativa de conciliação dos ideais de celeridade e justiça na prestação jurisdicional, buscou adaptar o sistema processual à realidade fática, a partir da supressão, criação e aperfeiçoamento de diversos institutos.
De acordo com Bodart (2010, p. 79), “se no Código Buzaid essa adaptação era realizada primordialmente na lei, com a previsão de inúmeros procedimentos especiais, o Anteprojeto optou pelo método dos ‘módulos procedimentais’, ou seja, microprocedimentos a serem adicionados ao comum (ou, eventualmente, a algum especial) no caso concreto, de acordo com as necessidades da causa.”
Nesse sentido, ressalta-se a extinção do processo cautelar em livro próprio, que foi substituído pela previsão das denominadas tutelas de urgência e da evidência, que se submetem às mesmas disposições gerais e estão previstas nos arts. 277 a 296 do Título IX, Capítulo I do Projeto do Novo CPC, tal qual aprovado no Senado Federal.[4]
No que tange às tutelas de urgência, destaca-se que não se faz mais qualquer distinção entre o procedimento concernente às medidas de natureza satisfativa ou cautelar, tendo sido estabelecidos, inclusive, requisitos gerais para a concessão das medidas independentemente de sua natureza, embora seja distinto o procedimento das medidas requeridas em caráter antecedente, previsto na Seção I do Capítulo II, do procedimento das medidas requeridas em caráter incidental, previsto na Seção II do mesmo Capítulo, aplicando-se a estas as disposições relativas àquelas, no que couber.[5]
Fato é que restarão extintas todas as medidas cautelares nominadas. Todas as medidas serão inominadas, sejam tutelas de urgência cautelares ou satisfativas, bastando a existência dos requisitos supracitados para a concessão da medida que o juiz entender mais adequada, conferindo-se ao julgador ampla discricionariedade neste sentido.
Acerca dessa tendência à simplificação das modalidades de tutela até então analisadas, destaca Alvim (2010) que o objetivo do legislador foi o de sistematizá-las de maneira mais abrangente e correta, aprimorando as inovações já inseridas no Código de Processo Civil atualmente em vigor.
Resta evidente, portanto, a intenção primordial do Projeto do Novo CPC, qual seja, reduzir significativamente o número de processos que tramitam perante o Judiciário, adequando todo o procedimento às necessidades da sociedade contemporânea. De acordo com sua Exposição de Motivos, “a simplificação do sistema, além de proporcionar-lhe coesão mais visível, permite ao juiz centrar sua atenção, de modo mais intenso, no mérito da causa,” permitindo que cada processo tenha o maior rendimento possível.[6]
Em outras palavras, assevera Alvim (2010) que extrai-se da estrutura do projeto o objetivo de que na medida do possível o juiz deixe de considerar o processo como um fim em si mesmo, deslocando o foco de sua atenção para o direito material. Assim, torna-se possível evitar uma “processualidade excessiva”, que não guarda qualquer relação com o objetivo precípuo da solução do conflito pelo direito material.
O método adotado, no entanto, não restou livre de críticas, tendo sido questionado por diversos juristas, dentre eles, Machado (2010), segundo o qual dentre as piores propostas do Projeto ora analisado, figuram a eliminação dos procedimentos cautelares específicos - ante a insegurança jurídica que a imprevisibilidade dos procedimentos poderia causar – e a ampliação dos poderes conferidos ao juiz.[7]
No Projeto do Novo CPC, vislumbra-se tal ampliação principalmente no que tange à técnica de ponderação que será conferida ao juiz nos casos de conflitos entre princípios, bem como ao poder de adequação do procedimento e ao poder geral de cautela, na medida em que serão extintas todas as medidas cautelares nominadas, deixando ao arbítrio do juiz a definição das medidas a serem aplicadas ao caso concreto.
Percebe-se, destarte, uma concentração excessiva de poderes na pessoa do magistrado, a quem incumbirá a definição dos rumos do processo.
Justamente por isso, assim como a extinção do processo cautelar, a ampliação em demasia dos poderes inerentes à atividade judicial suscita certa divergência, principalmente no que concerne à relativização do Princípio do Devido Processo Legal.
3. Reflexos da Supressão do Processo Cautelar frente ao Princípio do Devido Processo Legal
3.1 Considerações gerais sobre o Princípio do Devido Processo Legal
Os princípios constitucionais, também chamados de mandamentos de otimização, vêm recebendo cada vez mais a atenção dos juristas, na medida em que “conferem coerência e justificação ao sistema jurídico e permitem ao juiz, diante dos hard cases[8]realizar a interpretação de maneira mais conforme à Constituição.” (NERY JUNIOR, 2009, p. 26).
Sua observância é imprescindível quando da resolução de determinada lide, independentemente da matéria analisada, já que pelo fato de a Constituição Federal se revelar como fundamento de validade de todas as outras normas jurídicas, fixando as bases sobre as quais se funda o atual Estado Democrático de Direito, todos os ramos do direito encontram-se estritamente vinculados a ela.
No que tange ao direito processual civil, destaca Nery Junior (2009) que além de ser um ramo regido também por normas infraconstitucionais, há determinados institutos cujo âmbito de incidência e procedimento para aplicação encontram previsão na própria Constituição Federal.
Tal premissa se aplica principalmente no que concerne aos princípios reitores do processo, eis que “vários, senão todos estão consagrados no texto constitucional ou, então, decorrem da necessidade de se efetivar ou materializar determinada garantia constitucional.” (DONIZETTI, 2011, p. 82).
Dentre tais princípios, ressalta-se o Princípio do Devido Processo Legal, por ser este a base de todo o sistema processual, já que em virtude de sua amplitude abarca diversos outros mandamentos de otimização aplicáveis à matéria.
Nesse sentido, Donizetti (2011, p. 82) aduz que:
“O devido processo legal é o postulado fundamental do processo, preceito do qual se originam e para o qual, ao mesmo tempo, convergem todos os demais princípios e garantias fundamentais processuais. O devido processo legal é, ao mesmo tempo, preceito originário e norma de encerramento do processo, portador, inclusive, de garantias não previstas em texto legal, mas igualmente associada à ideia democrática que deve prevalecer na ordem processual.”
Tal Princípio encontra guarida no art. 5º, LIV da CRFB/88, segundo o qual “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”[9]
De acordo com Bueno (2011), trata-se de adequar o modo de atuação do Estado-juiz a um padrão de valores definidos pela Constituição Federal, de modo que essa atuação tenha sempre em mira a realização das finalidades do próprio Estado Democrático de Direito.
A doutrina é assente no sentido de analisar o referido princípio sob duas dimensões, quais sejam, material e formal.
Segundo Donizetti (2011, p. 83), “em uma concepção formal, o devido processo legal nada mais é do que o direito de processar e ser processado de acordo com as normas preestabelecidas para tanto”.
Quanto ao aspecto substancial, “o devido processo legal é a exigência e garantia de que as normas sejam razoáveis, adequadas, proporcionais e equilibradas” (Donizetti, 2011, p. 83).
Nesse sentido, grande parte da doutrina entende o devido processo legal substancial como sendo o próprio princípio da razoabilidade, eis que destinado a assegurar “que a sociedade só seja submetida a leis razoáveis, as quais devem atender aos anseios da sociedade, demonstrando assim sua finalidade social.” (Câmara, 2008, p. 35).
Justamente por isso é considerado como uma espécie de limite à produção normativa, uma vez que as leis devem ser elaboradas mediante a observância dos ideais de justiça e razoabilidade que delas se espera.
Da mesma forma, inibe atos pautados na discricionariedade judicial ou administrativa, autorizando inclusive sua anulação quando ainda assim praticados.
Atualmente, tem-se como um dos mais importantes corolários desta cláusula geral o Princípio do Contraditório, que, mediante previsão expressa do art. 5º, LV da Constituição Federal, garante aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.[10]
Segundo Donizetti (2011), esse princípio também se desdobra no aspecto formal e no material. Aquele consiste, basicamente, no direito de participar do processo, enquanto este exige que tal participação se dê de maneira efetiva, ou seja, capaz de influenciar o convencimento do magistrado e, consequentemente, a formação de sua decisão.
Desta feita, não basta que seja conferida à parte a oportunidade de se manifestar nos autos, sendo imprescindível que os argumentos por ela apresentados sejam de fato levados em consideração pelo julgador quando da prolação da decisão.
O Projeto do Novo CPC ressalta o caráter absoluto do princípio ora em comento em diversos dispositivos, dos quais se destaca o seguinte:
Art. 10 O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual tenha que decidir de ofício.”[11]
Ressaltando a extrema relevância de tal princípio, destaca Câmara (2008, p. 147) que:
“O contraditório funciona, assim, como fator de legitimação do processo dentro do contexto democrático em que toda a atuação dos órgãos estatais deve se situar. Processo sem contraditório é processo ilegítimo. Não havendo contraditório o processo se mostra inadequado ao Estado Democrático de Direito que é estabelecido por nosso sistema constitucional.”
Entretanto, em que pese a preocupação do Projeto em consolidar um sistema processual participativo, priorizando, em estrita observância ao Princípio do Contraditório, a participação efetiva das partes no deslinde do processo, fato é que, em determinadas situações, e em razão de excessiva simplificação procedimental, tal participação restará inviabilizada, comprometendo sobremaneira a aplicação do referido princípio.
3.2 Supressão do processo cautelar e o cerceamento do Princípio do Contraditório
Conforme já explicitado, o Projeto do Novo CPC, em busca de celeridade e efetividade processual, optou por suprimir o processo cautelar, substituindo-o pela previsão genérica das tutelas de urgência e da evidência.
Desta feita, dispõe o art. 277 do referido Projeto que “a tutela de urgência e a tutela da evidência podem ser requeridas antes ou no curso do procedimento, sejam essas medidas de natureza cautelar ou satisfativa.”[12]
Logo, sendo impossível a existência de um processo cautelar autônomo, o requerimento das medidas de urgência somente poderá ser feito antes do ajuizamento da ação principal, ou seja, em caráter antecedente, ou incidentalmente, e, neste caso, nos próprios autos da ação principal e independentemente do pagamento de novas custas.
Em se tratando do procedimento relativo à concessão de medidas de urgência em caráter antecedente, regulamentado nos arts. 286 a 297 do Projeto[13], percebe-se que não se diferencia muito do procedimento atual, exceto pela possibilidade de estabilização dos efeitos da tutela, bem como da formalização do pedido principal nos mesmos autos em que foi requerida a medida.
Entretanto, não se pode fazer tal afirmação no que concerne às medidas de urgência concedidas no bojo da ação principal, eis que tal possibilidade inexiste como regra no atual Código de Processo Civil, só ocorrendo excepcionalmente, em razão da fungibilidade entre as medidas cautelares e antecipatórias dos efeitos da tutela.
Assim, com a supressão do processo cautelar, e consequente extinção dos procedimentos cautelares específicos, passa a inexistir previsão especial, relativamente à forma de processamento e efetivação das medidas de urgência concedidas nos próprios autos da ação principal.
Ocorre que o Projeto não contém previsão especial, relativamente à forma de processamento e efetivação das medidas de urgência concedidas nos próprios autos da ação principal.
Nesse sentido, quanto ao procedimento a ser observado, dispõe o art. 294, parágrafo único, do Projeto, que às medidas concedidas incidentalmente serão aplicadas as disposições relativas às requeridas em caráter antecedente, no que couber. Já quanto à forma de efetivação, preconiza o art. 281 que “a efetivação da medida observará, no que couber, o parâmetro operativo do cumprimento de sentença e da execução provisória”[14].
Fato é que embora o Projeto preveja uma alternativa em relação à ausência de previsão de um procedimento específico, tal alternativa pode se revelar extremamente danosa ao demandado em determinadas situações, atingindo, inclusive, alguns de seus direitos fundamentais, dos quais se destaca o contraditório.
Tais situações ocorrerão, inevitavelmente, quando houver concessão de uma medida de urgência, incidentalmente, em um processo de execução.
É que ao contrário do processo de conhecimento, cujo escopo principal se consubstancia na definição da existência ou inexistência de um direito, o processo de execução – bem como o cumprimento de sentença – visa a “satisfação concreta de um direito de crédito através da invasão do patrimônio do executado.” (CÂMARA, 2008, p. 140).
Logo, nesta modalidade processual, são tomadas todas as medidas necessárias à entrega ao autor/credor o que lhe é de direito, não havendo, via de regra, oportunidade e, principalmente, necessidade de discussão de matéria de mérito, haja vista a pretensa certeza de tal direito.
Por isso, assim como o Código de Processo Civil em vigor, o Projeto do Novo CPC prevê determinadas hipóteses que, extraordinariamente, dão azo à discussão de mérito quando em trâmite um processo de execução ou, ainda, na fase de cumprimento da sentença.
No caso do processo de execução, há somente uma hipótese que admite a possibilidade de discussão meritória, qual seja, a oposição de embargos do devedor, que somente poderão versar sobre matérias específicas, previstas no art. 838 do Projeto.[15]
Ressalte-se que os embargos não são opostos dentro do próprio processo, consistindo, segundo Câmara (2008), em processo cognitivo autônomo, externo ao processo executivo, sendo tal natureza aceita por praticamente toda a doutrina.
No que tange à fase de cumprimento de sentença, há que se salientar que o Projeto deixa de prever, tal qual prevista no atual CPC, a impugnação ao seu cumprimento. Por outro lado, permite que o devedor alegue, em sua defesa, as matérias constantes do art. 496, II, III e IV quais sejam, a incorreção do cálculo apresentado pelo credor, de maneira fundamentada e discriminada; a inexigibilidade da sentença ou a existência de causas a ela supervenientes que impeçam, modifiquem ou extingam a obrigação; e a ilegitimidade da parte ou ausência de citação no processo de conhecimento.[16]
Nota-se, portanto, que praticamente não houve alteração significativa em relação às matérias que poderão ser alegadas pelo devedor, cujo rol seria idêntico ao do art. 475-L do atual CPC[17], não fosse a ausência de previsão relativa à impugnação da penhora. Igualmente, terão a mesma natureza que a impugnação ao cumprimento de sentença, qual seja, a de “mero incidente cognitivo na execução” (Câmara, 2008, p. 136).
Na realidade, o que distingue a impugnação ao cumprimento de sentença das alegações a que se refere o art. 496 do Projeto, é o fato de que a estas não pode ser atribuído efeito suspensivo.
De qualquer maneira, mediante análise das formas de impugnação das quais dispõe o devedor, seja na execução, seja no cumprimento de sentença, percebe-se que são sobremaneira restritas, somente tendo cabimento quando a lei expressamente o determinar e relativamente às matérias por ela elencadas.
Ocorre que dentre tais matérias não figura a relativa às medidas cautelares concedidas no bojo do processo, o que inviabiliza a defesa do executado e, consequentemente, o exercício do contraditório.
Conforme já explicitado, em razão da própria natureza do processo de execução, as matérias de mérito passíveis de alegação são mínimas, e, ainda assim, dentro de um processo cognitivo autônomo, que seria, de acordo com o Projeto do Novo CPC, e em consonância com o atual Código de Processo Civil, o de embargos do devedor.
Nesse sentido é assente a jurisprudência, conforme se depreende do trecho de acórdão a seguir transcrito:
“O valor a ser depositado para a remição da execução, a fim de evitar a adjudicação do imóvel, deve ser o apresentado pelo credor na petição inicial da execução, devidamente atualizado, e não o pretendido pelo devedor, uma vez que não é juridicamente possível instaurar o contraditório no processo de execução, a não ser por meio de embargos [...] (Brasília, TRF4 - AG 138648 DF. Rel. Des. Maria Isabel Galotti, Sexta Turma. Publicado em 20/03/2006, DJ p.128).”[18]
Portanto, não se poderia falar em exercício do contraditório a menos que exercido em sede de embargos, que, por sua vez, não comportam qualquer discussão relativa ao mérito das medidas de urgência, ante a ausência de dispositivo legal que o permita.
Da mesma forma, não se vislumbra a possibilidade de discussão de matéria de mérito, à exceção das hipóteses expressamente previstas em lei, quando da fase de cumprimento de sentença, já que, assim como no processo executivo, admite-se apenas arguição de matérias relativas ao mérito da própria execução.
Desta feita, pode-se afirmar que em sendo deferida uma medida cautelar incidental em um processo de execução ou na própria fase de cumprimento de sentença, ao requerido não será conferida nem ao menos a oportunidade de ser ouvido e provar a eventual alegação da ausência de um ou ambos os requisitos autorizadores da concessão daquela medida, quais sejam, fumus boni iuris e periculum in mora, eis que o contraditório somente seria admitido de forma restrita, relativamente à própria validade do processo ou do título.[19]
Portanto, ainda que o Projeto do Novo CPC preveja a aplicação subsidiária das normas procedimentais relativas às medidas concedidas em caráter antecedente às medidas incidentais, bem como a observância de normas relativas ao cumprimento de sentença e execução provisória no que tange à forma de efetivação dessas medidas, fato é que tal previsão se revela inútil em se tratando de processos executivos ou fases de cumprimento de sentença, na medida em que com eles incompatível, dada a própria natureza dos institutos.
Resta patente, desta feita, que diante das situações supramencionadas e levando-se em consideração a impossibilidade de manifestação do requerido relativamente ao mérito da medida cautelar concedida, haverá inequívoco cerceamento do princípio do devido processo legal, seja em seu aspecto formal seja no material, bem como de um dos seus principais desdobramentos, qual seja, o já mencionado contraditório.
É que não haverá previsão legal específica que norteie um procedimento relativo às medidas cautelares incidentais, fato este que, aliado ao poder de adequação procedimental que será conferido ao juiz, resultará em uma série de decisões conflituosas, causadoras de uma insegurança jurídica que não pode ser tolerada pelo atual Estado Democrático de Direito, eis que consubstanciada em significativo retrocesso do sistema processual civil brasileiro, bem como em absoluta afronta ao direito fundamental à segurança jurídica.
Igualmente, não se poderia falar em razoabilidade ou proporcionalidade de uma norma garantidora de proteção exclusiva a um dos litigantes, retirando do outro seu fundamental direito de defesa, não só em relação aos argumentos apresentados pela parte contrária, mas à própria possibilidade de se insurgir contra as arbitrariedades perpetradas pelo julgador da causa.
E como uma das mais sérias consequências advindas da extinção do processo cautelar e, consequentemente, da ausência de regulamentação procedimental específica das tutelas de urgência concedidas incidentalmente em processos de execução ou em fases de cumprimento de sentença, figura a supressão do contraditório, na medida em que, como demonstrado anteriormente, se inviabiliza por completo a possibilidade de que a parte prejudicada apresente qualquer argumento capaz de influenciar a tomada de decisão por parte do magistrado.
Nesse sentido, o Projeto do Novo CPC acaba por contrariar o próprio modelo de processo justo que se dispôs a efetivar, qual seja, um processo participativo que, conforme ressalta Bodart (2012) não prescinde da colaboração de ambas as partes para o deslinde da causa.
Destarte, ainda que se entenda pela desnecessidade dos procedimentos cautelares específicos, da forma como previstos atualmente, fato é que não poderia o Projeto ter deixado de regulamentar um procedimento cautelar incidental, indispensável no que concerne a processos de execução e fases de cumprimento de sentença.
Este procedimento, em razão da própria natureza da atividade jurisdicional exercida, qual seja, cognitiva, deveria tramitar em autos apartados, conferindo ao requerido plena possibilidade de manifestação e produção de provas, inclusive testemunhal, o que, ressalte-se, não atrasaria em absoluto o deslinde do processo principal, já que não acarretaria a suspensão do mesmo.
Tal alternativa revelaria, portanto, uma forma de compatibilização entre a almejada celeridade e a efetiva aplicação do devido processo legal, a partir da garantia de um de seus principais desdobramentos, qual seja, o contraditório.
É importante lembrar que o ordenamento jurídico se caracteriza pela sistematicidade, da qual decorre a imprescindibilidade da convivência harmônica entre os princípios por ele abarcados, eis que inexistente qualquer hierarquia entre eles, mas tão somente prevalência de um sobre o outro, a depender das especificidades do caso concreto.
Portanto, o processo deve se pautar em todos os princípios constitucionais que garantem a adequada resolução da lide, levando-se em consideração não cada um de forma isolada, mas como partes do sistema que é o ordenamento jurídico brasileiro, pois só assim será possível alcançar a almejada justiça processual.
Conclusão
A constante busca pela celeridade e efetividade processual, como reflexo da transição do regime autoritário para o democrático de direito, bem como da surpreendente aceleração das relações humanas, foi a responsável por uma série de modificações do sistema processual civil, dentre as quais se destaca a denominada “Reforma do Judiciário”, eis que responsável pela elevação da celeridade processual ao status de direito fundamental.
No intuito de conferir efetividade a tal direito, o Projeto do Novo código de Processo Civil prevê uma série de alterações nos sistema processual civil, dentre as quais se destaca a extinção do processo cautelar, o que gerou uma série de críticas que foram abordadas no decorrer do presente trabalho.
Desta feita, restou evidenciado que a necessidade de modificações normativas é inerente à sociedade atual, sendo natural a busca pela celeridade processual e, consequentemente, por um processo efetivamente justo.
Entretanto, pecou o Projeto por conferir, em determinadas hipóteses, que foram objeto de estudo no presente trabalho, absoluta primazia a este princípio em detrimento de vários outros assegurados pela Constituição Federal, principalmente o devido processo legal e, como um de seus desdobramentos, o contraditório.
Como não poderia deixar de ser, o devido processo legal, considerado como o principal fundamento do sistema processual brasileiro, aplica-se a todas as espécies processuais, embora tal aplicação possa se dar de maneira mais ou menos restrita, a depender do próprio processo ou fase processual em que incidirá.
Em se tratando de processos de execução e fases de cumprimento de sentença, restou sobejamente demonstrado que, em razão de sua própria natureza, a incidência do contraditório, embora inconteste, é sobremaneira restrita, ante a pressuposição da prévia resolução da lide mediante o exercício da atividade judicial cognitiva permeada pela devida colaboração de ambas as partes, de forma igualitária, para o regular deslinde processual.
Entretanto, o Projeto do novo CPC, tal qual aprovado pelo Senado Federal, não prevê simplesmente a postergação ou relativização do contraditório nos casos de concessão das tutelas de urgência incidentalmente aos processos/fases de execução, mas sua completa eliminação, consubstanciada em um imenso retrocesso jurídico que se mostra de todo incompatível com o Estado Democrático de Direito em que se vive hoje.
Fato é que o ordenamento jurídico se caracteriza pela sistematicidade, da qual decorre a imprescindibilidade da convivência harmônica entre os princípios por ele abarcados, eis que inexistente qualquer hierarquia entre eles, mas tão somente prevalência de um sobre o outro, a depender das especificidades do caso concreto.
Logo, de nada adianta um processo que tramite surpreendentemente rápido, porém mediante o cerceamento do direito de manifestação do requerido, eis que a decisão será completamente injusta, característica de regimes autoritários, o que não se aplica ao Brasil. Igualmente, inútil um processo em que tenham sido respeitados todos os direitos fundamentais das partes, mas a decisão tenha sido demorada a ponto de ter-se tornado infrutífera quando da sua prolação, pois da mesma forma terá havido injustiça.
Portanto, um processo deve se pautar em todos os princípios constitucionais que garantem a adequada resolução da lide, levando-se em consideração não cada um de forma isolada, mas como partes do sistema que é o ordenamento jurídico brasileiro, pois só assim será possível alcançar a almejada justiça processual.

Referências
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Notas
[1] Trabalho orientado por Jean Racine Esteves. Advogado
[2]  Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc45.htm>. Acesso em: 01. Set. 2011.
[3]  Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 01 set. 2011.
[4] Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf>. Acesso em: 22 out. 2011
[5] Idem.
[6] Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf>. Acesso em: 22 out. 2011.
[7] Disponível em:< http://www.professorcostamachado.com>. Acesso em: 26 out. 2011.
[8] Hard Cases são casos considerados de difícil solução, tanto pela inexistência de normas a serem aplicadas na situação concreta, como pela existência de conflito entre elas.
[9] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 01 set. 2011.
[10] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 13 abr. 2012.
[11] Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf>. Acesso em: 13 abr. 2012.
[12] Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf>. Acesso em: 13 abr. 2012.
[13] Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf>. Acesso em: 13 abr. 2012.
[14] Idem.
[15] Idem.
[16] Idem.
[17] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm>. Acesso em: 16 abr. 2012.
[18] Disponível em: < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/2231165/agravo-de-instrumento-ag-138648-df-20000100138648-1-trf1>. Acesso em: 27 abr. 2012.
[19]   Idem.
 

Informações Sobre o Autor

Paula Simão Normanha
Acadêmica da Faculdade de Direito Santo Agostinho (FADISA)

Acessado e disponível na Internet em 05/04/2016 no endereço - 

Quanto vale o sossego? Minha paz não tem preço


DIREITO DE PERSONALIDADE


Quem me dera poder viver na “vila do sossego”, de Zé Ramalho, ou mesmo numa “sonífera ilha”, dos Titãs, para poder desfrutar da paz e tranquilidade sonora, porque desta “Cidade do Barulho”, dos Demônios da Garoa, o que eu mais quero, como dizia Tim Maia, é sossego...
A palavra “sossego” significa “ato ou efeito de sossegar; ausência de agitação; tranquilidade; calma, quietude, paz” (Ferreira, 611). É, pois, um estado de fato, que configura a tranquilidade e paz em um determinado tempo e local. Não quer dizer, pelo bom senso, ausência de barulho, mas sim, de ruído além daquele permitido, reiterado (no sentido de prolongado), prejudicial à saúde e à vida do cidadão.
Juridicamente falando, consiste em um direito da personalidade, decorrente do direito à vida e à saúde. Ou, de outra maneira, é “direito que tem cada indivíduo de gozar de tranquilidade, silêncio e repouso necessários, sem perturbações sonoras abusivas de qualquer natureza” (Guimarães, p. 514). O direito ao sossego, em um segundo plano, decorre também do direito de vizinhança e também da garantia de um meio ambiente equilibrado.
Desse conceito, então, é possível afirmar que toda pessoa tem direito ao sossego. É direito absoluto, extrapatrimonial e indisponível. Por conseguinte, a sua transgressão pode acarretar responsabilidade jurídica, em tese, tanto na esfera cível quanto em matéria criminal, passando pelas áreas ambiental e administrativa. Contudo, abordaremos aqui somente as responsabilidades penal e cível, ainda que sucintamente.
Em se tratando de matéria criminal, a responsabilidade daquele que produz barulho excessivo pode ser enquadrada em duas situações distintas: a) como contravenção penal, pelo artigo 42 (perturbação do trabalho ou do sossego alheios) ou pelo artigo 65 (perturbação da tranquilidade), ambos do Decreto-Lei 3.688/41; ou b) como crime ambiental, disposto no artigo 54 da Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais). A exposição, como dito, será breve, sem a intenção de esgotar a questão.
Abrindo-se um breve parêntesis, é importante ressaltar que é possível a caracterização de outros delitos, como, por exemplo, crime ambiental de “maus-tratos” (artigo 32, da Lei dos Crimes Ambientais), em relação aos ruídos emitidos por animais de estimação, quando derivados de abuso, mutilação, ferimento, maus-tratos dos animais. Porém, tal situação deverá ser verificada caso a caso.
Para caracterizar a contravenção penal de perturbação do sossego alheio (art. 42, LCP), é necessário que alguém perturbe o trabalho ou o sossego alheios a) com gritaria (berros, brados) ou algazarra (barulheira), b) exercendo profissão incômoda ou ruidosa em desacordo com as prescrições legais, c) abusando de instrumentos sonoros (equipamentos de som mecânico ou não) ou sinais acústicos, ou d) provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal que tem a guarda. A pena é de quinze dias a três meses de prisão simples ou multa. Sobre o assunto, eis o magistério de Silvio Maciel:
“A conduta é perturbar (incomodar, atrapalhar) o trabalho (qualquer atividade laboral) ou o sossego (repouso; descanso; tranquilidade; calma) alheios (de várias pessoas). Veja-se que a expressão ‘sossego’ não está tutelando apenas o descanso ou repouso, mas também o direito à tranquilidade das pessoas. Ninguém é obrigado a suportar barulho excessivo e ininterrupto provocado por vizinhos, bares, lanchonetes, locais de culto apenas porque o som é provocado antes do horário de repouso. Em outras palavras, a contravenção pode ocorrer também durante o dia.
A expressão alheios indica que a perturbação do trabalho ou do sossego de uma única pessoa não configura a contravenção. Somente se configura se atingir várias pessoas” (Maciel, p. 108).

Com relação à contravenção penal de perturbação da tranquilidade, incorrerá nela quem “molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável” (art. 65, LCP). Assim, aquele que incomodar a vítima (uma só pessoa, diferente do tipo penal acima), por acinte (intencionalmente, para contrariar a vítima), ou por outro motivo reprovável, pode ser responsabilizado penalmente por essa contravenção, à pena de prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa.
A propósito, interessante a lição de Sérgio de Oliveira Médici:
“Todo homem tem direito à tranquilidade, no ambiente social em que vive, livre de incômodos descabidos, de achincalhe e de tantas perturbações semelhantes. É bem verdade que no mundo conturbado de hoje tal direito está cada vez mais afastado do ponto considerado ideal. A mecanização do homem, as grandes concentrações populacionais e outros fatores provocados pelo progresso descontrolado, fazem com que o desrespeito, a falta de cortesia, a má educação se tornem uma constante. Mas nem por isso a prática de atos definidos no artigo 65 da Lei das Contravenções Penais deixa de configurar uma infração punível. Pelo contrário: o dispositivo legal visa garantir a tranquilidade pessoal, cada vez mais difícil de ser obtida” (Médici, p. 214).

Sobre o crime ambiental de poluição sonora, dispõe o artigo 54 da LCA, que aquele que causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos a saúde humana, ou que provoquem a mortalidade de animais ou a destruição significativa da flora, a pena é de reclusão de um a quatro anos, e multa. A poluição, no caso deste estudo, é a sonora, caracterizada pela degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população e/ou lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos (artigo 3º, inciso III, alíneas “a” e “e” da Lei 6.938/81).
Todavia, há entendimento diverso, abraçado pela corrente do direito penal mínimo, no sentido de que inexistem tais infrações penais (v.g. a conduta é atípica). Isto é, essas transgressões penais foram “revogadas” diante da aplicação do princípio da intervenção mínima (ultima ratio). Tanto as contravenções penais, quanto o crime ambiental de poluição sonora, para essa teoria, podem ser solucionados por outros ramos do direito, como o direito civil (cessação do barulho, indenização etc.), o direito administrativo (multas e demais sanções administrativas) e o direito ambiental (restauração do status quo ante), sendo desnecessária a intervenção do poder punitivo do Estado para apuração desse tipo de responsabilidade penal.
Passando à responsabilidade civil, o fato é que o barulho excessivo fere o direito à personalidade, gerando danos morais e/ou materiais, ante aos danos à saúde e à vida, do ofendido.
Verificado o barulho excessivo produzido pelo ofensor, a parte lesada pode ajuizar ação cível para cessar o ruído (cessado o barulho, a ação é meramente indenizatória). Cito dois exemplos de ações individuais, cumuladas ou não com indenização por danos morais e/ou materiais, que podem ser ajuizadas na esfera cível: a tutela inibitória (nos termos do artigo 461 e parágrafos do Código de Processo Civil) e a ação de dano infecto (baseada no artigo 1.277 do Código Civil). Há outras ações, como a ação coletiva (ação civil pública – artigo 1º, inciso I, da Lei 7.347/1985, vide, por exemplo, Ap. Cív. 626.953-8, TJPR, Rel. Rosene Arão de Cristo Pereira, julg 02.03.2010 e Ap. Cív. 724.917-6. TJPR, Rel. Leonel Cunha, julg. 15.02.2011, interpostos pelo Ministério Público) ou a ex delicto, mas nos restringiremos às duas hipóteses anteriormente citadas.
Primeiro, vamos falar sobre a ação de dano infecto. Decorrente do direito de vizinhança, a actio infectum damni consiste na demanda para interromper a interferência prejudicial, no caso do estudo, ao sossego e à saúde dos moradores, provocados pela utilização de propriedade vizinha.
Nesse sentido, observem-se as palavras de Silvio de Salvo Venosa:
“A ação de dano infecto encontra sua estrutura também nos artigos 554 e 555 do Código anterior. O artigo 1.277 é genérico e diz respeito a qualquer nocividade ocasionada ao vizinho. O artigo 1.280 é exclusivo da relação edilícia. Essas situações têm por pressuposto a futuridade de um dano. Dano iminente. Não o dano já ocorrido, mas a possibilidade e potencialidade de vir a ocorrer (Venosa, p, 288).”
Em outras palavras, essa ação de dano infecto é utilizada para cessar dano iminente, entre prédios (no sentido amplo) vizinhos.
Já a ação inibitória é tutela específica da obrigação de fazer ou não fazer, com a finalidade de assegurar, ao ofendido, no caso, resultado prático equivalente, sob pena de multa diária ao réu, a fim de fazer interromper o ilícito causado e proteger o direito do ofendido. Luiz Guilherme Marinoni ensina que essa tutela é “essencialmente preventiva, pois é sempre voltada para o futuro, destinando-se a impedir a prática de um ilícito, sua repetição ou continuação” (Marinoni, p. 442).
Sobre o tema, eis o ensinamento de Nelson Nery JR e Rosa Maria de Andrade Nery:
“Tutela inibitória. Destinada a impedir, de forma imediata e definitiva, a violação de um direito, a ação inibitória, positiva (obrigação de fazer) ou negativa (obrigação de não fazer), ou, ainda, para tutela das obrigações de entrega de coisa certa (...) é preventiva e tem eficácia mandamental (Nery, p. 671, item 3).”
No caso, o pleito inibitório pode ser utilizado independentemente do dano em si. Basta a ocorrência ou a iminência de lesão ao direito (ou seja, ato ilícito), acrescidas da verossimilhança da alegação para que a tutela seja concedida. Há quem diga que a tutela inibitória é somente espécie de antecipação dos efeitos da tutela. Contudo, há sustentação, por outro lado, de que a tutela inibitória, neste caso, é espécie autônoma de impugnação do ilícito, de obrigação de fazer ou não fazer, em que engloba não somente o direito de vizinhança, mas também o resguardo do direito da personalidade, admitindo-se sua interposição contra toda espécie de injusto, independentemente de dano.
As duas ações, como dito acima, podem ser cumuladas com danos morais e/ou materiais. Ou pode, também, ser interposta unicamente a ação de reparação/indenização. Como há transgressão ao direito de personalidade (direito ao sossego, à saúde, à paz e à vida), nasce ao ofendido o direito de reparação por danos morais. Haverá danos materiais, caso demonstrado prejuízo material (ou mesmo lucros cessantes) com o barulho excessivo.
Para as ações cíveis, entendo, embora haja posicionamento diverso, que é desnecessária a realização de perícia. A prova do barulho excessivo, em desconformidade à legislação local (há municípios que possuírem sua lei sobre os limites toleráveis de ruídos, como, por exemplo, em Curitiba/PR, insculpida pela Lei Municipal 10.625/02) ou aos usos e costumes ou à analogia (quando da ausência de Lei Municipal, como em Ponta Grossa/PR – demonstrado pela Apelação Cível 3.0127208-2, do TJPR, rel. Domingos Ramina, julg. 15.12.1998), pode ser feita por testemunhas, provas documentais (gravações de vídeos ou áudios, boletins de ocorrência), indícios (como, por exemplo, comparação de filmagem de barulho oriundo de uma britadeira e estudo existente sobre o volume do barulho produzido por este equipamento), e outros meios de prova (artigos 342 e seguintes do CPC), admitindo-se, inclusive, a inversão do ônus da prova, quando cabível.
Sobre o tema, eis a jurisprudência:
“Ação de reparação. Danos morais. Direito de vizinhança. Perturbação do sossego. Danos morais caracterizados. Dever de reparar configurado. (...) 3. Diversas ocorrências policiais foram registradas dando conta da perturbação em decorrência de cantorias, utilização de instrumentos musicais, equipamentos de som, gritarias, reiteradamente e nos mais diversos horários. As testemunhas ouvidas também confirmam a ocorrência de tais fatos e o CD juntado aos autos apenas corrobora o que já foi comprovado. 4. Assim tem-se que os danos morais restaram devidamente configurados, pois a situação a qual foram submetidos os autores, efetivamente, ultrapassa a seara do mero aborrecimento, configurando verdadeira lesão à personalidade, passível, pois de reparação. (TJRS. Rec. Inom. 71002781334. Rel. Eduardo Kraemer. 3a. T. Recursal. Julg. 14.07.2011).”

Indenização – Danos morais – Excesso de ruídos – (...) – Dano configurado – Quantum indenizatório (...) A perturbação ao sossego é fato suficiente para causar dano moral, prejudicando a paz e o descanso do cidadão e resultando em aborrecimentos e desconforto à vizinhança (...) (TJMG. Ap. Cív. 1.0145.07.378752-8/001. Rel. Des. Evangelina Castilho Duarte. 14a. Câm. Cível, julg. 10.07.2008).”
O barulho, no entanto, deve ser diverso da normalidade (deve ser verificado de acordo com as circunstâncias que se deram: por exemplo, se ocorreu em data festiva – carnaval, ano novo – ou dia útil, se foi em horário noturno ou na hora do rush, se ocorreu no interior do apartamento ou em via pública etc.). Caracterizado o barulho excessivo, é possível, portanto, requerer, na esfera cível, a sua cessação como também a indenização por eventuais danos sofridos.
Consigne-se que o barulho não pode ser qualquer um. Deve ultrapassar o mero aborrecimento, do homem médio, por isso, excessivo. Deve ser uma circunstância anormal que, diante da gravidade do ilícito, venha causar incômodo às pessoas próximas (vizinhos/moradores, visitantes, trabalhadores etc.) do local.
Urge ressaltar também que “o abuso sonoro reconhecido nas ações judiciais, independe do fato de, por acaso, ter sido autorizado pela autoridade competente” (Nunes). Ou seja, mesmo que haja autorização (rectius, “alvará”) para o funcionamento (como, por exemplo, para construção de um imóvel, funcionamento de heliporto, shows e comícios etc.), é possível o ajuizamento da ação, pois a violação ao direito ao sossego, acarreta também a violação aos direitos à saúde, à vida e à paz, direitos da personalidade, intransmissíveis e indisponíveis.
Assim, não se pretendeu aqui fazer uma análise exauriente do direito ao sossego e suas consequências jurídicas. Apenas, mostrou-se de forma singular a existência do direito ao sossego, decorrente do direito à saúde, à vida e à paz, portanto, parte do direito da personalidade e suas implicações no campo penal e civil.
Agora posso voltar tranquilo às minhas músicas e leituras cotidianas ou o que mais eu quiser fazer, sem barulho excessivo, sem qualquer transgressão ao meu direito ao silêncio, ao sossego, à minha saúde. Bem versou o cantor Chorão do Charlie Brown Jr., que já sabia desde antes deste estudo: Quanto vale a paz? Quanto vale o sossego? Valor inestimável, minha paz não tem preço.
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VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009, v. 5.
 é advogado criminalista e especialista em Direito Criminal.
Revista Consultor Jurídico, 22 de fevereiro de 2013, 8h40