"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

sábado, 29 de julho de 2017

Entenda uma "receita" para condenação criminal fácil

LIMITE PENAL




Sem sombra de dúvidas, mostra-se arriscado analisar, sob o prisma jurídico, determinado evento destacado pela imprensa, ainda mais quando se reconhece — e, principalmente, se repudia — a existência de um processo penal do espetáculo[1].
Cientes desse perigo, propomos examinar a noticiada operação calabar, que culminou com o cumprimento de 96 mandados de prisão contra policiais militares acusados de receber propina do tráfico de drogas em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio[2], em razão dos mais diversos atos de corrupção.
E por qual razão nos atrevemos a escrever sobre esse fato que sequer recebeu o selo de definitividade judicial? Não seria um contrassenso dos autores que tanto primam pela defesa do estado de inocência? Não. Independentemente do desfecho da citada operação, é possível afirmar que ela representa tão-somente a epiderme/sintoma de um problema maior que necessita ser enfrentado: a forma como as agências criminais atuam no Brasil.
Examinar honestamente o sistema penal brasileiro implica em reconhecer o cotidiano horror por ele produzido[3], sendo certo que todos os atores jurídicos são responsáveis — alguns conscientes, outros não — pela produção do sofrimento. Aliás, é chegado o momento de abandonar confortantes ficções que consolam os produtores do mal. Uma breve ida a qualquer complexo prisional desnudaria o embuste que constitui o princípio da intranscendência da pena. Mães, mulheres, companheiras, filhas e amigas — os exemplos femininos não foram escolhidos aleatoriamente, pois se sabe que o preso possui, como via de regra, um amparo muito maior do que aquele aferido para a mulher encarcerada — levam mantimentos aos aprisionados, são submetidas aos mais diversos procedimentos humilhantes por agentes públicos — não se deve restringir a questão às revistas vexatórias — e, ainda, se veem obrigadas a esconder de seus empregadores a razão de uma falta de trabalho, caso a visita seja em um dia de semana, já que o estigma de ser parente de um preso pode lhe custar o emprego. Ora, como não reconhecer assim que a pena é cumprida por outras pessoas além do condenado?
Não basta, no entanto, reconhecer a capacidade de produzir sofrimento pelo sistema penal brasileiro, é premente constatar que o produto é marcado pelo signo da seletividade. Se os manuais de Direito Penal apontam para a existência do princípio da seletividade[4], as agências criminais se valem duma outra — e perversa — leitura, qual seja, escolhem deliberadamente sobre a forma como incidirá com maior intensidade a criminalização secundária.
A seletiva criminalização secundária pode se efetivar de diversas maneiras. Quando do início da persecução penal, é possível destacar a utilização de presunções que não observam o modelo constitucional[5]. No decorrer da ação penal, o “princípio” da eficiência se apresenta como um verdadeiro canibal do devido processo legal, já que para a célere prestação da tutela jurisdicional não se admite perder tempo com a observância das garantias processuais. Não por outra razão que se aposta tanto na medieval lógica de predomínio da prova testemunhal, o que, em tese, poderia abrir caminho para o emprego da teoria da perda da chance probatória[6]. Todavia, o jogo processual é uma pantomina, e apelar para referida teoria quase sempre não se mostra uma tática exitosa, pois o julgador antes mesmo de se iniciar a peleja já se decidiu pelo vencedor. Na derradeira ponta da persecução, a desigual atuação da criminalização secundária se desenvolve por meio da Hermenêutica do Conforto, isto é, adoto “precedentes” e súmulas sem qualquer reflexão sobre o tema. A postura decisória, muita das vezes, é acompanhada da postura do juiz-filho, que somente quer agradar o tribunal-pai[7].
No que se refere especificamente a um posicionamento crítico à Hermenêutica do Conforto, é de suma relevância frisar que de nada adiantará a simples revogação, cancelamento ou anulação dos verbetes sumulados. Persistirá o desenfreado consumo de ementas enquanto não se romper com uma equivocada compreensão sobre o que é um precedente e a importância da facticidade.
O rock brasileiro teve na Legião Urbana um ícone, sendo certo que inspirado nos versos de Os Anjos:
"Pegue duas medidas de estupidez
Junte trinta e quatro partes de mentira
Coloque tudo numa forma
Untada previamente
Com promessas não cumpridas
Adicione a seguir o ódio e a inveja
As dez colheres cheias de burrice
Mexa tudo e misture bem
E não se esqueça: antes de levar ao forno
Temperar com essência de espirito de porco,
Duas xícaras de indiferença
E um tablete e meio de preguiça".
Apresentamos um receituário condenatório adequado para o sistema penal brasileiro:
1. use farda;
2. na guerra contra as drogas, estabeleça metas mensais para combater a criminalidade, isto é, de prisões, pois assim será reconhecido como um ótimo combatente;
3. foque a sua atuação nas comunidades e lá identifique supostos locais destinados à venda de drogas;
4. realize abordagem e prenda os usuários;
5. caso os apreendidos possuam celular e dinheiro trocado, prepare o discurso para a comprovação cabal da traficância e associação para o tráfico;
6. azeite o discurso no sentido de que outras pessoas fugiram com o ingresso da viatura na comunidade;
7. ao ser indagado pela defesa sobre testemunhas presenciais, afirme que ninguém na comunidade quer falar sobre o tráfico;
8. se negue a identificar o X-9 que justificou a identificação do preso como o traficante da região; e
9. aposte na aplicação da heurística, que, no estado do Rio de Janeiro, é materializada na Súmula 70 do TJ-RJ ("O fato de restringir-se a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não desautoriza a condenação".)
Em condições normais de temperatura e pressão, sequer será necessário apelar para o místico, tenha certeza de que o caminho da condenação já está trilhado, e o sistema prisional já espera por manter ou permitir mais um encarcerado.

[1] “No processo espetacular desaparece o diálogo, a construção dialética da solução do caso penal a partir da atividade das partes, substituído pelo discurso dirigido pelo juiz : um discurso construído para agradar às maiorias de ocasião, forjadas pelos meios de comunicação de massa, em detrimento da função contramajoritária de concretizar direitos fundamentais (o Poder Judiciário, para concretizar direitos fundamentais, deveria julgar contra a vontade da maioria” (CASARA, Rubens R. R. Processo Penal do Espetáculo. In: PRADO, Geraldo; CHOUKR, Ana Cláudia Ferigato & JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. Processo Penal e Garantias. Estudos em homenagem ao professor Fauzi Hassan Choukr. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 438).
[3] “O sistema penal não alivia sofrimentos, senão, quando muito, o substitui por ressentimentos, recalque ou outro mecanismo que não tardará a ser canalizado na produção de maior dor. Ele manipula dores, viabilizando a legitimação do exercício ainda mais violento, incentivando os mais perversos sentimentos de vingança. Eis o escândalo, o qual nunca cessa de encarnar” (AMARAL, Augusto Jobim & ROSA, Alexandre Morais. Cultura da Punição. A Ostentação do Horror. 3. ed. Florianópolis: Empório do direito, 2017. p. 62)
[4] “Por isso, dentre o imenso número de bens existentes, seleciona o direito aqueles que reputa ‘dignos de proteção’ e os erige em ‘bens jurídicos’. Para Welzel, o ‘bem jurídico’ é um bem vital ou individual que, devido ao seu significado social, é juridicamente protegido” (ASSIS TOLEDO, Francisco. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 16).
[5] No Rio de Janeiro, por exemplo, é estabelecido o fenômeno da “promoção acusatória”, que consiste na presunção de que o tráfico realizado na comunidade implica necessariamente no cometimento da associação, pois não se pode traficar sem estar associado. Esse tema, inclusive, gerou o seguinte texto: http://emporiododireito.com.br/a-promocao-acusatoria-nao-e-para-todos-por-eduardo-januario-newton/.
[6] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. Florianópolis; Empório do Direito, 2017, p. 733-737.
[7] “Sobre a relação entre o Juiz e o Tribunal, Amilton Bueno de Carvalho traça alguns modelos de juiz. O juiz-filho pode se encontrar na fase infantil e recebeu as seguintes considerações: “Aquele que tem o pai por ídolo, que tem apenas um sonho: agradar o pai. Mais: seu desejo quando ‘crescer’ é ser igual a ele (...) E qual a forma mais comum de agradar o pai? Aderir sua sapiência, reconhecer a inteligência dele. Seu saber é o que interessa. E como saber do pai é expresso em acórdãos, seu continente é um: transcrever, sempre e sempre, a vontade-jurisprudência do seu superior” (CARVALHO, Amilton Bueno. O juiz e a jurisprudência: um desabafo crítico.IN: BONATO, Gilson (org.). Garantias constitucionais e processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 10-11)
 é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor de Processo Penal na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e na Univali (Universidade do Vale do Itajaí).
 é defensor público do estado do Rio de Janeiro, mestre em Direitos Fundamentais e Novos Direitos pela Unesa.

Revista Consultor Jurídico, 21 de julho de 2017, 8h00

Incidência de Tust/Tusd na base de cálculo do ICMS é impossível

OPINIÃO


Primeiramente, cumpre salientar que o fornecimento de energia elétrica se sujeita à incidência de um imposto estadual, denominado imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação (ICMS).
Porém, o que os entes estatais têm feito é uma cobrança de ICMS sobre a Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e a Tarifa do Uso do Sistema de Distribuição (TUSD), que se referem ao uso da rede básica de energia elétrica. O presente trabalho pretende analisar a possibilidade ou não da incidência TUST e TUSD sobre a base de cálculo do ICMS, através de um estudo técnico e jurídico.
Do ICMS
Conforme preleciona o artigo 155 da Constituição da República, a instituição do ICMS é de competência dos Estados e do Distrito Federal. A base nuclear do fato gerador é a circulação de mercadoria ou prestação de serviços interestadual ou intermunicipal de transporte e de comunicação. O conceito de circulação é entendido como uma alteração da titularidade jurídica do bem. Conforme define (Minardi, 2015, p.770):

... o STJ sedimentou seu entendimento de modo que a circulação de mercadorias de um estabelecimento para outro do mesmo titular não se sujeita à incidência do ICMS.
Ainda sobre o ICMS, dispõe (Machado, 2015, p. 344), “é fonte de receita bastante expressiva para os Estados e para o Distrito Federal”. Em estudo encomendado pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP) ao Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) no ano de 2016, constatou-se que ICMS é responsável por 18,3% do total de tributos pagos pelos brasileiros.
Desse modo, qualquer decisão que vise à redução no recolhimento do supracitado imposto afeta o ente estatal, que tende a demonstrar sua irresignação através de peças processuais cabíveis.
Definição jurídica de energia
Nota-se que, conforme a interpretação do texto constitucional e da LC 87/96 (Lei Kandir) refletida expressamente na legislação tributária do ICMS em cada Estado, a energia elétrica é considerada uma mercadoria. Nesse sentido, in verbis:

Art. 2° O imposto incide sobre:
§ 1º O imposto incide também: 
(...)
III - sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica (...)
Insta salientar que o direito considera a energia elétrica como bem móvel, conforme previsto no artigo 82, II, do Código Civil.
Desse modo, a partir da conclusão de que energia elétrica é considerada, para fins jurídicos uma mercadoria, passa-se a uma análise do procedimento realizado até que a mesma chegue à residência dos consumidores.
Entendendo um pouco mais sobre energia elétrica
Fulcrado no entendimento da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a rede básica de energia elétrica, é constituída por subestações e linhas de transmissão, sendo o sistema integrado por torres, cabos, isoladores, subestações de transmissão e outros equipamentos que operam em tensões médias, altas e extra altas.

Após a produção de energia elétrica (maior parte têm procedência de usinas hidroelétricas, seguida pelas termoelétricas, e em menor quantidade por fontes renováveis de energia, por meio de parques eólicos e painéis fotovoltaicos), essa se direciona para os municípios por meio das linhas e torres de transmissão de alta tensão. Essas supracitadas linhas e torres são visíveis nas estradas, objetivando a condução de energia por longas distâncias.
No momento em que a energia elétrica chega às cidades,ocorre sua passagem por transformadores nas subestações, a fim de se reduzir a tensão, sendo este um procedimento técnico importante para sua posterior utilização pela rede de distribuição. Esta, por sua vez, por meio dos fios instalados nos postes, é responsável pelo transporte de energia até as ruas ou avenidas.
Previamente ao ingresso nas casas, a energia elétrica ainda se deslocapelos transformadores de distribuição (também instalados nos postes) que rebaixam a tensão para 127 ou 220 volts, adequando-a a sua utilização pelos consumidores.
Desse modo, inconteste a possibilidade e a efetiva separação entre as fases do procedimento de fornecimento de energia elétrica. É o que se verifica (Brasil.gov, 2014):
Antes da privatização do setor, no início dos anos 2000, as empresas eram verticalizadas e não havia separação dos negócios da cadeia produtiva (geração, transmissão e distribuição). Hoje independentes, as distribuidoras são o elo entre o setor elétrico e a sociedade: essas instalações recebem das companhias de transmissão a maior parte do suprimento de energia elétrica destinado ao abastecimento do País.
Da impossibilidade de tributação
Resta consolidado, então, o entendimento de que o fato gerador do ICMS só pode ocorrer pela efetiva entrega da energia ao consumidor, de modo que exigir o ICMS sobre as tarifas que remuneram a transmissão e a distribuição da energia elétrica, é fazer incidir o tributo sobre o fato gerador não previsto na legislação regente (notadamente Constituição Federal e Lei Complementar n° 87/96), o que viola frontalmente o princípio constitucional da reserva legal prevista no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, segundo o qual é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça. Acrescente-se que o ponto foi objeto, ainda, das Súmulas 391 e 166 do STJ, in verbis:

Súmula 391 – STJ: “O ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente á demanda de potência efetivamente utilizada”.
Súmula 166 – STJ: “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.”
Conclui-se que a base de cálculo do ICMS deverá constar apenas o preço da operação final, excluído o custo de eventuais operações anteriores com a transmissão e distribuição da energia elétrica.
Por fim, torna-se indispensável salientar que há houve Proposta de Emenda à Constituição e Projeto de Lei Complementar, PEC 285/2004 e PLC 352/2002, com textos não aprovados — não instituindo, portanto, a incidência do ICMS nas etapas intermediárias do fornecimento de energia elétrica.
Portanto, não se desconhece que o custo da energia elétrica fornecida ao consumidor final aumenta em cada etapa, porém isso não deve ser repassado ao consumidor, quando não decorrente da operação final, sendo que a tributação só se torna juridicamente possível quando a energia elétrica, por força de relação contratual, saido estabelecimento do fornecedor, sendo efetivamente consumida.
Similaridade à cobrança de ICMS sobre o provimento de acesso à internet
Em decisão acerca da possibilidade de incidência de ICMS sobre a atividade de provimento de acesso à Internet, entendeu-se o Superior Tribunal de Justiça pela negativa, na medida em que restou entendida a inexistência de comunicação, sendo uma infraestrutura fornecida pelas operadoras de telecomunicações, cujas operações eram devidamente tributadas. Ora, não havendo comunicação, não nascia o fato gerador e, portanto, não haveria incidência tributária.

A questão cerne do presente estudo apresenta respaldo similar, uma vez que não havendo operação de circulação jurídica de energia, a parcela que remunera o mero serviço de entrega física do bem não deveria sofrer tributação, conforme bem salientado pela Ilustre Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Regina Helena Costa.   Nesse sentido, colaciono julgado em que prevê esse entendimento do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
TRIBUTÁRIO. ICMS. CONVÊNIO 69/98. ASSINATURA MENSAL. ATIVIDADE-MEIO.SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO. CONCEITO. INCIDÊNCIA APENAS SOBRE A ATIVIDADE-FIM. COMUNICAÇÃO EM SENTIDO ESTRITO. PRECEDENTES.
I - "Este Superior Tribunal de Justiça teve a oportunidade deanalisar o conteúdo desse convênio, concluindo, em síntese, que: (a a interpretação conjunta dos arts. 2º, III, e 12, VI, da LeiComplementar 87/96 (Lei Kandir) leva ao entendimento de que o ICMSsomente pode incidir sobre os serviços de comunicação propriamenteditos, no momento em que são prestados, ou seja, apenas pode incidirsobre a atividade-fim, que é o serviço de comunicação, e não sobre aatividade-meio ou intermediária, que é, por exemplo, a habilitação, a instalação, a disponibilidade, a assinatura, o cadastro de usuário e de equipamento, entre outros serviços. Isso porque, nesse caso, o serviço é considerado preparatório para a consumação do ato de comunicação; (b) o serviço de comunicação propriamente dito,consoante previsto no art. 60 da Lei 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações), para fins de incidência de ICMS, é aquele que transmite mensagens, idéias, de modo oneroso; (c) o Direito Tributário consagra o princípio da tipicidade fechada, de maneira que, sem lei expressa, não se pode ampliar os elementos que formam ofato gerador, sob pena de violar o disposto no art. 108, § 1º, do CTN. Assim, não pode o Convênio 69/98 aumentar o campo de incidência do ICMS, porquanto isso somente poderia ser realizado por meio de lei complementar." (REsp nº 601.056/BA, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJde 03/04/2006). No mesmo sentido: REsp nº 418.594/PR, Rel. Min.TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 21/03/2005 e REsp nº 402.047/MG, Rel.Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 09/12/2003. (...) (Processo REsp 754393 / DF. RECURSO ESPECIAL2005/0087855-1. Data do Julgamento 02/12/2008. Data da Publicação/Fonte DJe 16/02/2009).
Decisões dos tribunais
Apesar de uma decisão isolada, em que o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela legalidade da incidência do ICMS sobre TUST/TUSD, o supracitado Tribunal selecionou acórdãos sustentando a impossibilidade da incidência, tendo em vista que o fato gerador só se verifica quando a energia sai do estabelecimento fornecedor e é efetivamente consumida (precedentes), in verbis:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. OMISSÃO. ICMS. INCIDÊNCIA DA TUST E DA TUSD. DESCABIMENTO.
1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
2. O STJ possui jurisprudência no sentido de que a Taxa de Uso doSistema de Transmissão de Energia Elétrica - TUST e a Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica - TUSD não fazem parte da base de cálculo do ICMS 3. Agravo Interno não provido. (AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL 2016/0157592-8. Data do Julgamento 10/11/2016. Data da Publicação/Fonte: DJe 30/11/2016).
Conclusão
Nota-se que é possível fazer a divisão de etapas do fornecimento de energia para fins de incidência do ICMS, uma vez que, conforme demonstrado cabalmente, as etapas são bem delineadas, de modo que cada uma possui uma atribuição diversa.

Não se nega, tecnicamente, que tais procedimentos se realizam com certa instantaneidade, entretanto, tal celeridade entre as fases não consolida o entendimento de impossibilidade de fracionamento.
Salienta-se, ainda, que o fornecimento de energia elétrica inclui os custos de geração, transmissão e distribuição, porém quando ocorrem as fases de transmissão e distribuição ainda não fora efetuada a transferência de titularidade, indispensável para a incidência do ICMS, constituindo-se como atividade meio, que não poderá ensejar que o ônus pelo pagamento recaia sobre o consumidor, em virtude de estar o mesmo adimplido além da energia efetivamente consumida, ensejando um pagamento em excesso.
Portanto, embora a transmissão e a distribuição formem o conjunto dos elementos essenciais, é possível o fracionamento das etapas que percorre a energia elétrica até chegar ao consumidor e, o fato gerador - a situação de fato, prevista na lei de forma prévia, genérica e abstrata, que, ao ocorrer na vida real, faz com que, pela materialização do direito ocorra o nascimento da obrigação tributária — do ICMS, apenas ocorre no momento da transmissão de propriedade de mercadoria, que não se verifica nas etapas de distribuição e transmissão, ratificando a ilegalidade da incidência TUST/TUSD na base de cálculo do ICMS.
Bibliografia
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acesso em: www.stj.com.br. Acesso em 08.Jul.2017.

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 9 ed. São Paulo: Método, 2015.
BRASIL. Câmara dos Deputados. PEC 285/2004. Proposta de Emenda à Constituição. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=256022. Acesso em: 08.Jul.2017.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=101666. Acesso em: 08.Jul.2017.
BRASIL. Código Civil, Processo Civil, Penal e Processo Penal. In VadeMecum
compacto. 3. ed. atual. eampl. São Paulo: Saraiva, 2010.
BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei Nº 5.172, de 25 de Outubro de 1966.Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172Compilado.htm. Acesso em 08.Jul.2017.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado, 1988.
Lei Complementar nº 87, de 13 de Setembro de 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp87.htm. Acesso em: 08.Jul.2017.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 391: O ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente á demanda de potência efetivamente utilizada. In Súmulas.Disponível em: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Jurisprud%C3%AAncia/S%C3%BAmulas. Acesso em 08.Jul.2017.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 166 – STJ: “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.”In Súmulas.Disponível em: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Jurisprud%C3%AAncia/S%C3%BAmulas. Acesso em 08.Jul.2017.
CPFL Energia. Como a energia elétrica chega até sua casa. Disponível em:https://www.cpfl.com.br/energias-sustentaveis/eficiencia-energetica/uso-consciente/caminho-eletrico/Paginas/default.aspx. Acesso em: 08. Jul. 2017.
JOTA. A ilegal inclusão da TUST e TUSD na base do ICMS. Disponível em: https://jota.info/artigos/a-ilegal-inclusao-da-tust-e-tusd-na-base-do-icms-30032017. Acesso em 08.jul.2017.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
IMPOSTÔMETRO. ICMS é 18,3% do total dos impostos arrecadados. Disponível em: https://impostometro.com.br/Noticias/Interna?idNoticia=16. Acesso em 07. Jul. 2017.
MINARDI, Josiane. Manual de Direito Tributário. 2 ed. Salvador: JusPodivm, 2015.
PORTAL BRASIL. Entenda como a energia elétrica chega à sua casa. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/infraestrutura/2014/08/entenda-como-a-energia-eletrica-chega-a-sua-casa. Acesso em 08.Jul.2017.
SABBAG, Eduardo de Moraes. Direito Tributário Essencial. 3 ed. São Paulo: Método, 2015.
 é engenheiro de controle e automação.

Revista Consultor Jurídico, 21 de julho de 2017, 8h24

Justiça de São Paulo proíbe imobiliária de oferecer assistência jurídica

PROPAGANDA ILEGAL


É ilegal uma empresa que atua no ramo imobiliário oferecer serviços de assistência jurídica. O entendimento é da 1ª Vara Federal de Araraquara, que acolheu os argumentos da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil de que uma companhia de outro ramo estava fazendo publicidade de serviços jurídicos em seu site.
A Justiça deferiu parcialmente o pedido de antecipação de efeitos da tutela a fim de que a empresa ré retire imediatamente de seu site e de qualquer outra mídia — televisiva, falada, impressa — menção ao oferecimento de assessoria jurídica ou patrocínio de ações judiciais, sob pena de multa diária.
“A Secional paulista da Ordem combate de forma intransigente o exercício ilegal da advocacia diante dos graves prejuízos que isso traz não apenas à classe mas, também, fundamentalmente à cidadania”, diz Marcos da Costa, presidente da instituição.
A decisão reitera que o artigo 1º da Lei 8.906/94 estabelece as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas como privativas da advocacia, assim como a postulação a órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais. O Código de Ética e Disciplina da OAB, por sua vez, veda a mercantilização da profissão, conforme expresso no artigo 5º, e a indevida captação de clientela (artigo 7º).
“Considerando que se trata de empresas atuantes nos ramos imobiliário e da administração de condomínios, se permitida a continuação da publicidade, o exercício irregular da advocacia só se aprofundará, causando assim prejuízos, principalmente à comunidade dos advogados”, afirmou a corte de Araraquara. Com informações da Assessoria de Imprensa da OAB-SP. 
Revista Consultor Jurídico, 21 de julho de 2017, 18h28

Estado não pode cassar segunda aposentadoria após 15 anos de concessão

DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA


O Estado não pode conceder duas aposentadorias para um servidor e 15 anos depois cassar uma delas, pois o período de decadência administrativa, de cinco anos, já venceu. Com esse entendimento, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Ceará acolheu liminar de uma servidora aposentada e a permitiu ficar com as duas pensões.
A servidora primeiro se aposentou em 1985 no cargo de técnico em Programação Educacional X, nível ANS-10, lotada na Seduc. Em 1998, aposentou-se também na posição de técnico em Assuntos Educacionais, classe III, lotada na Fundação da Ação Social. No ano de 2000, o Tribunal de Contas do Estado julgou que a segunda aposentadoria da servidora era legal.
Porém, em julho de 2016, a autora da ação recebeu um comunicado informando que deveria optar por um das aposentadorias e que, se não o fizesse, o estado anularia a de menor valor.
Poder esbarra na realidade 
“Vê-se que a administração pública estadual entende que pode determinar a qualquer momento a anulação do ato de concessão de aposentadoria de seus ex-servidores”, criticou o relator, desembargador Antônio Abelardo Benevides Moraes.

O julgador explicou que a jurisprudência do TJ-CE e das cortes superiores é de que, em casos assim, já houve decadência administrativa, e o estado não pode mais interferir.
“Vale salientar que o poder da administração pública de rever seus atos administrativos acoimados de erro esbarra no instituto da decadência administrativa que garante a segurança da coisa julgada no âmbito da própria administração”, disse Moraes.
A defesa da servidora aposentada foi feita pelo advogado Rogério Feitosa Carvalho Mota
Clique aqui para ler a decisão. 
 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 23 de julho de 2017, 6h14

Para juiz, ajuizar ação com tema já julgado causa dano moral à parte contrária

INSISTÊNCIA PUNIDA


Quem repete ação com o mesmo objeto e pedido causa evidente abalo à pessoa que responde a processo mais de uma vez e deve indenizá-la. Assim entendeu o juiz Paulo Eduardo Marsiglia, da 1ª Vara de Ferraz de Vasconcelos (SP), ao determinar que dois advogados paguem R$ 20 mil a um soldador que já teve sentença favorável em ação de reintegração de posse, mas virou réu em outra ação sobre o mesmo imóvel.
As partes disputam a propriedade de um terreno no interior de São Paulo — a antiga garagem de uma casa, demolida para dar lugar a salas de um escritório de advocacia. Em 2014, decisão de primeiro grau concluiu que o ato foi irregular, pois a área integrava um espólio e foi vendida sem autorização de todos os herdeiros.
Dois anos depois, os advogados apresentaram ação rescisória alegando que a sentença só havia declarado a irregularidade de 25% do escritório, onde existia a garagem, mas perderam 100% do imóvel, incluindo a área vizinha. O Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou pedido de liminar, e o processo acabou arquivado por desistência dos próprios autores.
Em 2016, os donos da banca de advocacia ajuizaram novo processo de reintegração de posse, alegando ameaça de esbulho. Eles reconheceram ter pedido a primeira ação, porém insistiram ser proprietários do terreno vizinho, onde ficou 75% do escritório. Em resposta, o soldador pediu indenização por dano moral, diante do “enorme número” de processos.
O juiz concluiu que os argumento apenas repetiam o que já foi julgado. “A impugnação de uma decisão proferida em processo em que os autores foram parte é por meio de recurso próprio à superior instância, não por ação autônoma”, afirmou. “Conclui-se assim, que os autores deduziram pretensão contra fato incontroverso, ou seja, a devida posse do réu no imóvel objeto desta lide, conforme coisa julgada de duas ações judiciais anteriores.”
Para Marsiglia, “os requerentes causaram ao requerido dano moral ao repetirem ação com mesmo objeto e pedido”. Ele considerou evidente o “grave abalo” sofrido pela outra parte, que passou três vezes discutindo judicialmente o mesmo caso.
O juiz ainda viu litigância de má-fé, condenando os autores a pagar multa de R$ 7,5 mil à Fazenda Pública de São Paulo, equivalente a 10% do valor atualizado da causa. Eles ainda deverão pagar custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% do valor da condenação.
1003307-95.2016.8.26.0191
 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 23 de julho de 2017, 13h04

Juíza suspende execução antecipada de prisão de condenada por fato atípico

ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA


O Supremo Tribunal Federal, quando julgou a Ação Penal 470, o processo do mensalão, estabeleceu que o conceito de "organização criminosa" foi criado pelas leis 12.683/2012 e 12.850/2013, que não podem retroagir para prejudicar réus. Foi esse o entendimento  usado pela juíza Maria Izabel Gomes Sant’Anna, da 12ª Vara Federal do Ceará, para suspender a execução provisória da pena de uma condenada por crime de lavagem de dinheiro, com crime antecedente de organização criminosa, por ausência de tipificação na época dos fatos.
Ela foi acusada de participar, em 2005, do furto ao Banco Central em Fortaleza. “A suspensão evita o cumprimento antecipado de pena por fato considerado atípico, situação esta odiosa e que deve ser evitada a qualquer custo diante do enorme prejuízo que causaria a parte atingida”, disse a juíza.
A ré foi condenada em primeira instância a 13 anos e quatro meses de prisão. O juiz autor da sentença disse que, embora ainda não houvesse lei que criminalizasse a organização criminosa, crime considerado por ele antecedente ao da lavagem, a Convenção de Palermo, da ONU, ratificada pelo Brasil, supriria essa lacuna.
O Tribunal Regional Federal da 5ª Região manteve a condenação ao analisar a apelação, mas reduziu a pena. Inadmitidos recursos especial e extraordinário, a defesa protocolou agravo no Superior Tribunal de Justiça que ainda está pendente de julgamento. Nesse meio tempo foi expedido mandado de prisão citando decisão do STF que permitiu a execução antecipada da pena de prisão depois da decisão de segunda instância. Ela chegou a passar oito dias na prisão, mas teve a liberdade restituída pela juíza até que o recurso seja julgado em definitivo pelo STJ.
O advogado Rogério Feitosa Mota defendeu a condenada. Ele lembrou que corréus no caso foram beneficiados por trancamento de ação penal pelo TRF-5 por atipicidade da conduta. Citando esse fato, defendeu que sua cliente poderia ser prejudicada caso continuasse presa e que era preciso esperar o STJ se posicionar sobre o caso.
Clique aqui para ler a decisão.
0805959-28.2016.4.05.8100
 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 22 de julho de 2017, 7h15

Se PJ é responsável por crimes ambientais, também o é por outros delitos

OPINIÃO


Acompanha-se o desenvolvimento da responsabilidade penal da pessoa jurídica na doutrina e na jurisprudência há muito tempo; particularmente, a partir de 1988, quando o artigo 225, parágrafo 3º, da Constituição Federal, dispôs: “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Embora de leitura e interpretação cristalina, autorizadora da responsabilidade penal da pessoa jurídica, houve (e há) os penalistas contrários à letra da Constituição Federal. Invocando preceitos doutrinários, negam efeito ao referido parágrafo.
Chega a ser interessante, pois hoje os tribunais (incluindo o Supremo Tribunal Federal) acolhem, em maioria, a referida responsabilidade penal. E mais interessante é o disposto no artigo 173, parágrafo 5º: “a lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”. Ora, está mais que aberta a porta para a pessoa jurídica ser penalmente responsável por crimes econômicos, financeiros e contra a economia popular. Afinal, a pessoa jurídica já responde, com as punições compatíveis, pelos delitos ambientais.
E o legislador, embora aja de modo camuflado, após a edição da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), fixou a responsabilidade penal (chamada ingenuamente, no texto legal, de “responsabilidade judicial”) da pessoa jurídica nos crimes de corrupção.
Pensamos ser momento de reflexão autêntica no Direito Penal brasileiro, seguindo os passos desejados pela sociedade, representada pelo Parlamento. Se a pessoa jurídica já responde por crimes ambientais, por que não pode responder por outros? Crimes, aliás, perfeitamente compatíveis com a autoria de quem está atuando no mercado econômico-financeiro e lidando com consumidores, tomando por base o mencionado artigo 173, parágrafo 5º, da Constituição Federal.
Sob outro prisma, no campo dos delitos contra a honra, a pessoa jurídica passou a ser sujeito passivo do crime de calúnia, ao menos no tocante aos delitos ambientais. Muitos penalistas (e julgados) já consideram ser viável que a pessoa jurídica figure, também, como sujeito passivo do crime de difamação.
Agora, estende-se a questão: pode a pessoa jurídica ser sujeito ativo de crime contra a honra, particularmente calúnia e difamação, que atribuem fatos negativos a terceiros? Parece-nos que sim. Afinal, a pessoa jurídica pode cometer crimes ambientais, de modo que poderia caluniar outra pessoa jurídica, atribuindo-lhe a falsa prática de delito igualmente ambiental. O mesmo substrato para garantir a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos delitos contra o meio ambiente pode ser utilizado para demonstrar a viabilidade de uma pessoa jurídica cometer calúnia e difamação contra particulares ou outras empresas.
Ilustrando, pode publicar em veículo de comunicação um texto atribuindo uma lesão ambiental à sua concorrente, também pessoa jurídica, sabendo ser esta inocente. Ademais, quem age, pela pessoa jurídica, são as pessoas físicas que a compõem. A vontade desse conjunto de seres humanos termina por formar a vontade da pessoa jurídica, nada afastando a autenticidade dessa vontade consciente de praticar o tipo penal incriminador. Logo, é perfeitamente viável o dolo e até mesmo o elemento subjetivo específico.
Surge peculiar questão para se debater: se a pessoa jurídica tem condições ativas legítimas de figurar como autora de crimes ambientais, pode, sem dúvida, ter as mesmas condições para outros delitos, como os pertinentes à sua prática diuturna (crimes econômicos, financeiros e contra o consumidor).
Se a pessoa jurídica pode ser caluniada pela prática indevida de crimes ambientais, parece-nos viável que atue, igualmente, como sujeito ativo de calúnia contra outra pessoa, seja física ou jurídica.
Se parte da doutrina brasileira, a despeito de nítida previsão de responsabilidade penal da pessoa jurídica para crimes ambientais (artigo 225, parágrafo 3º, da Constituição Federal), nega essa responsabilidade, torna-se, a contrário senso, perfeitamente adequado sustentar que, autorizada pela Constituição Federal, a responsabilidade penal da pessoa jurídica para delitos ambientais, por interpretação extensiva, está também legitimada para outros crimes, dependendo apenas da análise do caso concreto.
Tudo isso merece o cômputo da previsão formulada pelo artigo 173, parágrafo 5º, da mesma Constituição Federal, que delegou à lei ordinária a possibilidade de chamar a pessoa jurídica para os crimes econômicos, financeiros e contra o consumidor. Para dizer o mínimo.
*O autor comenta a Lei 9.605/1998 (crimes ambientais) na obra Leis Penais e Processuais Penais Comentadas vol. 2 (Forense).
Guilherme Nucci é desembargador em São Paulo. Livre-docente em Direito Penal, doutor e mestre em Processo Penal.

Revista Consultor Jurídico, 24 de julho de 2017, 7h30

MP-SP adota novo plano de carreira para servidores e abre 546 vagas de analista


Com duas leis publicadas neste sábado (22/7), o Ministério Público de São Paulo mudará o plano de cargos e carreiras dos seus servidores a partir de 1º de agosto e vai contratar, até 2018, 546 assistentes jurídicos (novo nome para analistas de Promotoria), direcionados a profissionais de ensino superior.
A mudança no plano de carreira foi proposta em 2015, na gestão do então procurador-geral de Justiça Márcio Elias Rosa (hoje secretário estadual da Justiça), e sancionada na sexta-feira pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB). A Lei Complementar 1.302/2017 muda critérios de progressão, promoção e remoção de servidores; renomeia cargos e cria alguns adicionais, como a Gratificação de Qualificação e a Gratificação pelo Exercício da Função em Unidade de Difícil Lotação.
No primeiro caso, servidores ganharão mais quando comprovarem formação maior do que a exigida para o cargo. Quando só for necessário o ensino médio, por exemplo, o profissional que tiver graduação em ensino superior terá aumento de 4,5% na remuneração. Já um título de doutorado permitirá acréscimo de 12,5% no valor recebido.
O texto define ainda que, em unidades do MP-SP com dificuldade de preencher vagas, servidores receberão 15% a mais enquanto estiverem no local. A lista de unidades será definida periodicamente pela Procuradoria-Geral de Justiça.
Novas nomeações
A Lei 16.501/2017 define que serão abertas 273 vagas de analistas jurídicos já neste ano, enquanto a outra metade ficará para 2018. Isso não significa concurso público imediato: a instituição divulgou que, como ainda tem um processo seletivo com validade até dezembro de 2017, chamará por enquanto remanescentes da lista.

De acordo com a norma, as despesas dependem de dotações orçamentárias do atual orçamento. Não foram divulgadas estimativas sobre o custo das mudanças, mas o procurador-geral de Justiça, Gianpaolo Smanio, declarou que “cada centavo desse investimento voltará em benefícios para a sociedade”. Ainda segundo o MP-SP, a ideia é tornar mais atrativas as vagas da instituição.
O presidente da Associação dos Assistentes Jurídicos do Ministério Público de São Paulo, Vinicius Mendes, definiu as sanções como fundamentais para a valorização dos servidores da área. Com informações da Assessoria de Imprensa do MP-SP.
Revista Consultor Jurídico, 24 de julho de 2017, 14h02

Juros ilegais cobrados nas dívidas fiscais

JUSTIÇA TRIBUTÁRIA


Só uma luz nesta sombra, nesta treva, brilha intensa no seio dos autos. É a voz da defesa, a palavra candente do advogado, a sua lógica, a sua dedicação, o seu cabedal de estudo, de análise e de dialética! Bendita seja a defesa! (Min. Ribeiro da Costa, Presidente do STF, DJU/12/12/63, página 4.365).
A Lei 16.497/2017, sancionada pelo governador de São Paulo, alterou o cálculo de multas e juros sobre os débitos fiscais. Os limites máximos das penalidades foram reduzidos em alguns casos e os juros fixados pela taxa “Selic”.
Essas supostas bondades serviriam para reduzir os questionamentos judiciais de lançamentos onde estejam presentes multas com efeitos confiscatórios e juros extorsivos. Tais ajustes estimulariam a liquidação ou parcelamento de débitos. Para isso o Governador encaminhou à Assembléia em fevereiro o projeto de lei nº 57, em regime de urgência.
O parcelamento foi regulamentado. Os interessados possuem, incluída a última quinta-feira, cerca de 20 dias para resolver se parcelam ou não. Ao que tudo indica o Governador terá que adequar esse calendário à realidade dos contribuintes, sob pena não conseguir atingir as metas de sua equipe.
Afirmamos em nossa coluna de 8 de maio último que "parcelamentos podem ser armadilhas se incluirmos neles o que não devemos". Ainda que venhamos a confessar débito tributário que inclua valores indevidos, isso pode ser revisto judicialmente, como nos assegura a Constituição. O tributo prescrito não existe, posto que extinto pelo tempo. Caso o agente fazendário venha a exigi-lo, pratica o crime de excesso de exação. Jamais vi alguém ser por isso processado. Mas disse a ex-virgem: “Tudo tem a primeira vez!”
Vimos que o uso da taxa Selic no cálculo do débito de ICMS, agora adotado pela lei paulista, é anunciado como redução. Mas a ordem jurídica vigente fixa juros de 1% ao mês, não capitalizados.
Toda a legislação tributária brasileira obedece a norma complementar fundamental, que é o Código Tributário Nacional. Diz o artigo 161 do CTN:
Artigo 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária.
§ 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.
§ 2º O disposto neste artigo não se aplica na pendência de consulta formulada pelo devedor dentro do prazo legal para pagamento do crédito.
Quando o CTN admite que possa dispor a lei “de modo diverso”, isso não implica em adoção de juros que não representem, efetivamente, remuneração de capital. E a “taxa Selic”, representa uma composição de diversos índices, que incluem fatores alheios à citada remuneração.
O artigo 150, I, da CF limita o poder de tributar ao princípio da legalidade absoluta. Veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. Por força destes dispositivos constitucionais a lei tributária, assim como todo conjunto normativo, deve observar a hierarquia das leis. Não existe lei acima da Constituição.
A interpretação do parágrafo 1º, do artigo 161, do CTN à luz do artigo 146 da CF é de que juro diverso daquele de um por cento ao mês, só pode ser instituído por Lei Complementar, por tratar de Crédito Tributário. O parágrafo 5º do artigo 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias diz: "vigente o novo sistema tributário nacional, fica assegurada a aplicação da legislação anterior, no que não seja incompatível com ele...."
O uso da taxa Selic na tributação é ilegal. O Sistema Especial de Liquidação e Custódia é um mecanismo eletrônico centralizado de controle diário da custódia, liquidação e operação de títulos da dívida pública por computador.
Nos termos da Circular BACEN 2.727/96, o Selic "destina-se ao registro de títulos e depósitos interfinanceiros por meio de equipamento eletrônico de teleprocessamento, em contas gráficas abertas em nome de seus participantes, bem como ao processamento, utilizando-se o mesmo mecanismo de operações de movimentação, resgates, ofertas públicas e respectivas liquidações financeiras".
Outrossim, conforme a Resolução 1.124 do Conselho Monetário Nacional - CMN, a taxa Selic corresponde à média ajustada dos financiamentos apurados naquele sistema, calculado sobre o valor nominal pago no resgate dos títulos. O objetivo da Selic é remunerar o capital investido na compra de títulos da dívida pública federal, mais especificamente das Letras do Banco Central do Brasil. Financia a especulação financeira.
Por outro lado, a taxa Selic não foi instituída por Lei, nem tampouco o foi a sua metodologia de cálculo. Tudo isso se fez pela Circulares BACEN 2.868 de 04/03/1999 e 2.900, de 24/06/1999, dessa forma:
"Define-se a taxa Selic como a taxa média ajustada dos financiamentos diários apurados no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC) para títulos federais".
O STJ no Resp 215.811/PR (Rel. Min. Franciulli Neto) decidiu: "Mesmo sem definição legal da Taxa SELIC, os legisladores inseriram-na em diversos diplomas legais como taxa de juros, não mencionando explicitamente em todos os casos que espécie de juros seriam esses.
Abra-se um parênteses para se advertir, desde logo, que impende ressaltar que o busílis da questão não está propriamente na ausência de definição legal da taxa Selic, mas, isso sim, na falta de criação por lei da taxa Selic para fins tributários, consoante matéria a ser desenvolvida em seguida.
Despiciendo lembrar que não cabe à lei, de regra, definir ou conceituar institutos jurídicos, axioma que se aplica, é claro, para os institutos jurídicos consagrados, cuja definição e explicitação é mister atribuído aos juristas e doutrinadores. A taxa Selic, é curial, está longe, muito longe, de ser um instituto jurídico a dispensar melhor dilucidação."
"Nessa linha de raciocínio, houve indisfarçável intenção de remunerar o investidor em termos competitivos, quer dizer, estimulantes, levando em conta outras possíveis opções existentes no mercado.Se assim é, como assim parece ser, a primeira indagação que se faz é a seguinte: É legal e constitucional equiparar o contribuinte ao aplicador ou o investidor? A resposta só pode ser negativa, uma vez que se não pode olvidar que o Direito Tributário tem toda a sua organicidade estruturada na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional, que, como é sabido, está equiparado à lei complementar."
O STJ pela Súmula 176 afastou por diversas vezes a aplicação de taxa de juros, ainda que prevista em contrato, se sua fixação fica a critério exclusivo de uma das partes. Diz essa Súmula: "É nula a cláusula contratual que sujeita o devedor à taxa de juros divulgada pela ANBID/CETIP".
O Estado não pode exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. Se a fixação de juros fica relegada ao arbítrio do Estado, não é observado o princípio da legalidade.A fixação de juros para débitos tributários em atraso só pode ser feita através de Lei. O argumento de que a aplicação dos juros Selic foi feita por lei não corresponde à verdade, posto que essa taxa não teve os seus contornos definidos em Lei; o que de fato há, são leis que a ela se referem. A ilegalidade na instituição da taxa Selic a título de juros moratórios é material, por ser apenas remuneração de capital investido.Quando o contribuinte não recolhe tributos é obrigação do Fisco efetuar o lançamento e não agir como agente financeiro e cobrar juros.
Não é só na cobrança de juros que o governo erra. No caso das multas é bem pior. As pequenas reduções agora feitas viabilizam exageros e efeitos confiscatórios. Veja-se a respeito, nossa coluna de 13 de fevereiro de 2017 com o título “As dificuldades nas defesas tributárias e os abusos das multas nos autos de infração.”
O contribuinte que assine parcelamento injusto tem o direito de exigir sua retificação judicial, para que prevaleçam os limites da lei e sejam observadas as decisões das instancias superiores.
* Texto atualizado às 10h20 do dia 24/7/2017.
 é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

Revista Consultor Jurídico, 24 de julho de 2017, 8h00