"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

No processo penal, Ministério Público não é fiscal, é acusador

OPINIÃO


Discute-se de longa data, na doutrina, se o Ministério Público, no processo penal, é parte ou fiscal da lei. A afirmação de que o MP é fiscal da lei é insustentável.
Quem é parte em processo judicial? É parte quem dele participa interessadamente, ou seja, com interesse, pouco importando se o interesse é próprio ou de terceiro. Sim, quem representa terceiro também é parte, pois age no processo interessadamente e, logo, com parcialidade. O interesse provoca a parcialidade, e essa é inerente ao conceito de parte. Incumbe, no processo penal, à acusação velar pelo interesse social de punição dos culpados, e à defesa, o encargo de proteger o interesse social de absolvição dos inocentes. Assim, o MP não é fiscal de lei nem age no processo como custos legis, já que, representando interesse, não é imparcial. Se fosse imparcial, não seria parte. Se fosse imparcial, não precisaria juiz. Imparcial é o juiz. A função de ser imparcial pertence ao juiz, não ao Ministério Público, e não pode esse órgão tentar usurpar a função jurisdicional.
O MP não é, nem pode nem deve, ser imparcial, do contrário não haveria o indispensável contraditório no processo penal. A ação penal, o processo penal, funda-se na dúvida quanto à relação jurídica que vincula o Estado ao acusado, se é aquela relação jurídica em que o Estado detém o direito de punir (se o acusado é culpado — sujeito passivo da relação), ou se é aquela outra em que o acusado detém o direito de liberdade (se o acusado é inocente — sujeito ativo da relação). Havendo essa dúvida, é pacífico, e é da sistemática da ordem processual, o MP deve acusar. Diante da prova duvidosa, deve denunciar. Na dúvida, deve fazer a persecução do delito.
O MP só seria imparcial se, diante da dúvida, estivesse obrigado a pedir a absolvição, ou a recorrer em favor do condenado, o que não ocorre. Excepcionalmente, quando as provas, com um bom grau de certeza, indicam a inocência do acusado, o MP pode pedir a absolvição. Pode até mesmo, nessa hipótese, recorrer em favor do acusado, buscando o reconhecimento de sua inocência. Mas essas faculdades não constituem razões suficientes para considerar o MP como fiscal da lei, já que não são propriamente consequência da lei processual, mas derivam do fato de que ninguém pode ser obrigado a fazer algo que viole a sua própria consciência.
A tudo isso poderia ser acrescentado o aspecto psíquico. O MP acusa com muita frequência (no seu dia a dia), e para acusar é preciso raciocinar de maneira investigativa (é preciso partir de hipóteses de comportamento criminoso), e, sabe-se, essa forma de pensar acaba condicionando o juízo, o que torna muito difícil ao acusador, mesmo que queira, formar convicções isentas de parcialidade (condicionamento semelhante vale para o defensor). É justamente por essas razões de ordem psíquica que o sistema acusatório demonstrou-se no curso da história muito superior ao sistema inquisitivo para chegar mais próximo da verdade do que o inquisitivo (no inquisitivo, para julgar, antes o inquisidor precisa elaborar hipóteses acusatórias e investigar as respectivas provas).
Por todos esses motivos é que não nos convence a ideia de que o MP, mesmo atuando perante o tribunal, figure como custos legis. Essa é uma ficção criada pela doutrina e pela jurisprudência. A prática confirma nosso entendimento, já que a imensa maioria dos pareceres do MP em 2ª instância são no sentido de confirmar e/ou reforçar a tese acusatória apresentada nas razões ou contrarrazões da acusação lançadas em 1ª instância.
Além do mais, o procurador de Justiça ou procurador regional da República que atua perante o tribunal continua sendo membro do Ministério Público, mesma instituição a que pertencem os colegas que firmam as razões recursais. Essa posição, a de pertencer ao MP, instituição encarregada da persecução de delitos, acrescida do fato de que quem oferece razões ou contrarrazões ao recurso ser um colega, retiram do procurador a possibilidade de ser isento.
São compreensíveis as razões de o MP defender a tese de que é fiscal da lei: concede mais credibilidade às suas manifestações. Mas, se formos considerar o MP fiscal da lei, ele o é tanto quanto o defensor. Um fiscaliza a lei que manda punir os culpados, e outro que manda absolver os inocentes. Ambos são xerifes da lei penal. Ambos possuem direito à estrela no peito. O MP é fiscal das tipicidades da lei penal, a defesa dos vácuos existentes entre as tipicidades, e também da efetividade das normas excludentes de tipicidade, de antijuridicidade, de culpabilidade e extintivas de punibilidade. Das tipicidades nasce o direito de punir. Nos buracos negros situados entre os tipos penais brota o direito de liberdade. A propósito, se for para estabelecer comparações, dá para sustentar que a defesa é mais fiscal da lei que o MP. Merece, portanto, uma estrela maior em seu peito.
O que é mais grave? O que viola com maior intensidade a ordem jurídica? Um culpado inocentado ou um inocente condenado e cumprindo pena por algo que não fez? Da resposta dá para extrair a conclusão que o bem jurídico fiscalizado pela defesa (a liberdade do inocente) constitui bem maior do que o fiscalizado pela acusação (a punição do culpado). É conclusão que pode provocar estranheza em alguns, o que é explicável tendo em consideração que se vive ultimamente um período de excepcionalidade, repressivo e punitivo, em que as leis não mais governam os homens, mas alguns poucos homens governam as leis.
 é procurador do Banco Central do Brasil.

Revista Consultor Jurídico, 6 de dezembro de 2017, 6h06

Delegado não comete improbidade só por ter opinião diferente do Ministério Público

INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL


Os delegados de polícia não cometem atos de improbidades administrativa só por apresentarem opinião diferente do Ministério Público ao registrarem crimes. Isso porque os delegados têm competência para analisar e interpretar o caso que lhes é apresentado.
Com esse entendimento, a 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo anulou sentença que condenou um delegado à perda de cargo por ter registrado como auxílio ao consumo de drogas um crime que o Ministério Público entendeu como tráfico.
Em primeiro grau, o juiz Bruno Machado Miano, da Vara da Fazenda Pública de Mogi das Cruzes (SP), afirmou ao aplicar a pena que agentes públicos também respondem por improbidade administrativa quando praticam atos baseados em opinião que transborda o lógico e as teses já pacíficas na jurisprudência e nas práticas da carreira.
O crime que motivou a divergência foi cometido por uma mulher flagrada com 40 gramas de maconha ao visitar seu companheiro no Centro de Detenção Provisória da cidade. Ao registrar o crime, o delegado justificou que a acusada apenas tentou levar a droga para o namorado, para que consumissem juntos.
O Ministério Público denunciou o delegado na esfera criminal, sob acusação de prevaricação, e na esfera cível, por improbidade. O réu foi absolvido no primeiro caso, em primeiro e segundo graus, e no outro processo negou dolo ou má-fé.
Para o relator da ação de improbidade na 1ª Câmara, desembargador Marcos Pimentel, destacou que a liberdade funcional de delegados é assegurada por previsão legal e também pela exigência de que sejam bacharéis em Direito. “Isto é, dotados de suficiente e adequado conhecimento jurídico”, afirmou.
“Não se está diante de um autômato, mas, antes, de legítimo operador do Direito, a autorizar a formulação de juízos de valor, sem prejuízo à aplicação das normas jurídicas de regência”, complementou. Mencionou também que as particularidades do caso concreto, ainda mais no Direito Penal, permitem diversas interpretações, “cumprindo ao Delgado de Polícia proceder àquela que, em concreto, reputar adequada”.
Sem improbidade
Segundo o relator, não há improbidade no caso por falta de dolo na atuação do delegado. “À luz dos fatos apresentados, não existe qualquer ilegalidade ou má conduta na sua capitulação pelo crime de ‘auxílio ao consumo de drogas’”, resumiu.

Disse ainda que não há adequação material ao ato de improbidade no caso, pois a norma que rege as punições a esse tipo de delito “tem caráter marcadamente repressivo”, ou seja, focada em punir agentes públicos que enriquecem ilicitamente, causam prejuízo ao erário ou atentem contra os princípios da administração pública.
Explicou por fim que esse ilícito enquadra as condutas que não seguem o bom trato da coisa pública, não diferenças de entendimento. “Não é possível se cogitar da omissão do demandado, já que lavrou o registro que julgara cabível na espécie.”
O delegado da Polícia Civil do Paraná e colunista da ConJur, Henrique Hoffmann, elogiou a decisão. Disse também que “o Delegado é autoridade dotada de independência funcional, possuindo liberdade para realizar sua análise técnico-jurídica sem receio de pressões de qualquer sorte, prerrogativa que protege o próprio cidadão".
"Todo integrante do Ministério Público e do Judiciário deveria saber que inexiste hierarquia entre as diversas carreiras jurídicas, devendo ser rechaçada a tentativa de criação de ilícito de hermenêutica”, complementou ao criticar a atitude do MP.
Processo 1008253-56.2014.8.26.0361
Clique aqui para ler o acórdão.
Revista Consultor Jurídico, 7 de dezembro de 2017, 18h11

Benefício previdenciário não prescreve, mas prestações, sim

A QUALQUER TEMPO


O benefício previdenciário é imprescritível. No entanto, prescrevem as prestações não reclamadas pelo beneficiário no período de cinco anos, em razão de sua inércia. A decisão é da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que negou recurso no qual o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) alegava estar prescrito o direito de uma trabalhadora rural requerer salário-maternidade.
Segundo o INSS, deveria ser aplicado ao caso o prazo decadencial de 90 dias, conforme o previsto no parágrafo único do artigo 71 da Lei 8.213/91, vigente à época do nascimento dos filhos da autora.
O ministro Napoleão Nunes Maia Filho esclareceu que a Lei 8.861/94 alterou o artigo 71 da Lei 8.213/91, fixando um prazo decadencial de 90 dias após o parto para requerimento do benefício pelas seguradas rurais e domésticas. Entretanto, esse prazo decadencial foi revogado pela Lei 9.528/97.
De acordo com o ministro, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 626.489, com repercussão geral, firmou entendimento de que “o direito fundamental ao benefício previdenciário pode ser exercido a qualquer tempo, sem que se atribua qualquer consequência negativa à inércia do beneficiário, reconhecendo que inexiste prazo decadencial para a concessão inicial de benefício previdenciário”.
Napoleão explicou que os benefícios previdenciários envolvem relações de trato sucessivo e atendem necessidades de caráter alimentar. “As prestações previdenciárias têm características de direitos indisponíveis, daí porque o benefício previdenciário em si não prescreve, somente as prestações não reclamadas no lapso de cinco anos é que prescreverão, uma a uma, em razão da inércia do beneficiário”, disse.
Para o ministro, é necessário reconhecer a inaplicabilidade do prazo decadencial, já revogado, ao caso, ainda que o nascimento do filho da segurada tenho ocorrido durante sua vigência.
“Não se pode desconsiderar que, nas ações em que se discute o direito de trabalhadora rural ou doméstica ao salário maternidade, não está em discussão apenas o direito da segurada, mas, igualmente, o direito do infante nascituro, o que reforça a necessidade de afastamento de qualquer prazo decadencial ou prescricional que lhe retire a proteção social devida”, afirmou.
Napoleão Nunes Maia Filho afirmou ainda que, se a Constituição Federal estabelece a “uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, não seria razoável admitir-se um prazo decadencial para a concessão de benefício dirigido tão somente às trabalhadoras rurais e domésticas”. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
REsp 1.420.744
REsp 1.418.109
Revista Consultor Jurídico, 7 de dezembro de 2017, 10h46

É temeroso usar princípios para justificar decisões, diz Carlos Velloso

POSIÇÕES PERSONALÍSSIMAS


O Direito tem passado, nos últimos tempos, por uma constitucionalização. Não porque a Constituição de 1988 seja muito abrangente, mas porque muitos princípios citados como constitucionais têm sido usados para justificar decisões judiciais, o que, na visão do ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso, é muito perigoso.
“Princípio não tem conteúdo, porque sua formulação dependerá muito das posições pessoais", explicou, em entrevista à ConJur concedida após sua palestra no IV Colóquio sobre o Supremo Tribunal Federal, organizado pela Associação dos Advogados de São Paulo esta semana, na capital paulista.
STF tem que ter uma atuação “menos política e mais jurisdicional", disse Velloso.
STF
O problema desse uso de princípios no Direito, segundo Velloso, é que “se for feito sem prudência, a prática pode sujeitar a todos aos bons e maus humores dos juízes”. Como exemplo dessa prática ele citou a permissão para o aborto de fetos anencéfalos, que não é prevista na lei, mas foi concedida em Habeas Corpus pelo STF.
"Isso é uma questão do parlamento, não do Judiciário", afirmou. Ele ponderou que, se não há lei, o princípio pode ser aplicado, como foi feito no caso do nepotismo. “O Supremo aplicou diretamente o princípio da moralidade administrativa e da impessoalidade", detalhou.
Sobre o uso dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, Velloso afirmou que isso não passa de um “espalhafato”. “Fico pensando: como inventam modas", disse, complementando que o STF tem que ter uma atuação menos política e mais jurisdicional.
Confira a entrevista:
ConJur — As decisões monocráticas são o principal problema do STF atualmente?
Carlos Velloso — Há um poder exacerbado do ministro decidir monocraticamente. Assim, são praticamente 11 entendimentos, mas nenhum da corte, do Plenário do Supremo Tribunal Federal. E isso não é bom.

ConJur — O crescimento das decisões monocráticas é reflexo do aumento processual ou das diferenças de entendimento entre os ministros?
Carlos Velloso — Cada um está querendo dar andamento ao seu caso com mais rapidez. Até que são boas as intenções, mas tem sido prejudicial esse tipo de técnica de julgamento.

ConJur — O que o senhor achou da decisão do Supremo que declarou, no caso do amianto, a inconstitucionalidade incidental em uma ação de controle abstrato?
Carlos Velloso — Isso foi um nó jurídico, um ativismo judicial exacerbado, uma coisa que nunca se viu no Supremo Tribunal Federal. Penso que foi uma decisão assim: “nós podemos tudo”.

ConJur — Algumas interpretações da Constituição pelo Supremo são prejudiciais?
Carlos Velloso — Temos uma hermenêutica constitucional contemporânea. Mas, muitas vezes, se cometem excessos inusitados que são prejudiciais ao prestígio da corte.
 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 10 de dezembro de 2017, 9h03

Questões políticas no STF não justificam punitivismo irracional, diz Pertence

VOZ DA EXPERIÊNCIA


O Judiciário está sob os olhos de todos nos últimos tempos, e o Supremo Tribunal Federal não escapou dessa vigilância constante pela mídia e pela sociedade. Porém, essas pressões externas em nada justificam algumas decisões do tribunal. A opinião é do ministro aposentado da corte Sepúlveda Pertence.
Para Sepúlveda Pertence, Supremo vive um "momento extremamente delicado de sua história".
Fábio Rodrigues Pozzebom/ABR
"Questões políticas levadas ao Supremo não justificam esse punitivismo irracional", disse em entrevista à ConJur após palestra no IV Colóquio sobre o Supremo Tribunal Federal, organizado pela Associação dos Advogados de São Paulo no dia 4, na capital paulista.
O ministro mencionou também que o Supremo vive um "momento extremamente delicado de sua história" por causa da crise institucional atual, mas ponderou que isso não serve de desculpa para a corte que fuja de suas responsabilidades.
“O Supremo resistiu, quase sempre à unanimidade de votos, às investiduras do regime militar contra os direitos fundamentais, por exemplo, a ideia de criminalizar como atividades da competência da Justiça Militar quaisquer atos contra a ditadura”, exemplificou.
Ele também comparou a atual composição do STF com as que ele integrou ao longo dos inúmeros anos que permaneceu na corte. Contou que, ao encontrar com Moreira Alves, seu ex-colega de Supremo, lembrou das críticas que recebiam por suposto isolamento dos ministros dentro do tribunal, as conhecidas 11 ilhas.
Sepúlveda Pertence afirmou que, apesar das críticas, os ministros sempre se mantiveram tranquilos e respeitosos entre eles. "Moreira, que coisa, diziam que brigávamos constantemente enquanto dançávamos um minueto francês. Agora entendem o que é briga", comparou, ao lembrar do encontro que teve com o também ministro aposentado na garagem do prédio onde ficam os ministros do STF em Brasília.
Leia a a entrevista:
ConJur — As decisões monocráticas são um reflexo do número de processos?
Sepúlveda Pertence — Quando já era ministro do Supremo, participei de um congresso de cortes europeias e foram chamadas algumas não europeias, inclusive a brasileira e a americana. Na pré-disposição que nos permitiram dar sobre o sistema de cada país, me referi a que naquele semestre — a reunião se dava em julho, em Roma — tínhamos julgado 18 mil processos.

ConJur — Como foi a reação dos juízes estrangeiros?
Sepúlveda Pertence — Veio o coffee break e o juiz Christopher, que está na Suprema Corte americana até hoje, aproxima-se de mim e falou: 'Cuidado com a tradutora, claramente o senhor disse 1,8 mil, e ela traduziu 18 mil'. Imagine, 1,8 mil já é um absurdo, 18 mil é impossível. Mas era verdade. E no ano seguinte chegava a 100 mil.

ConJur — O excesso de decisões monocráticas tira o caráter colegiado da corte?
Sepúlveda Pertence — Sim, é evidente, mas como lidar? Em alguns casos não tira.

ConJur — Mas não restringe a argumentação do defensor?
Sepúlveda Pertence — As decisões monocráticas são apenas reafirmação de decisões plenárias sobre casos. Essas mais de 100 mil ações que me refiro foi à época do FGTS. Agora, atualmente, há um exagero de decisões monocráticas em casos singulares. Nesses casos, o colegiado fica comprometido frequentemente.
 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 10 de dezembro de 2017, 15h36

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Prazo para punir abandono de cargo inicia com retorno de servidor, diz AGU

PROCESSO ADMINISTRATIVO


O prazo para administração punir o servidor por abandono de cargo começa a contar a partir do retorno dele ao serviço, e não após 30 dias de ausência injustificada, quando se configura o afastamento voluntário. Essa é a conclusão de um parecer da advogada-geral da União, Grace Mendonça, acolhido pelo presidente da República, Michel Temer.
Agora, a manifestação deverá ser adotada por todos os órgãos públicos em processos administrativos disciplinares abertos em razão de abandono de cargo. Ela foi elaborada com base em jurisprudência consolidada pelo Judiciário em ações de servidores que alegam prescrição das sanções passados cinco anos do dia em que se registra o afastamento. De acordo com o parecer, o prazo prescricional, contudo, deve ser contado somente depois de eventual retorno ao cargo.
A tese defendida pela AGU nos processos é de que o abandono de cargo é comparado a ilícitos criminais por ser uma infração de natureza permanente. A tese se ampara na norma que configura o abandono (ausência voluntária por 30 dias consecutivos) e a prescrição aplicada a crimes como cárcere privado, sequestro e trabalho análogo à escravidão, cujo prazo começa a contar quando se encerra o delito.
“Seguindo essa mesma lógica jurídica, na infração disciplinar do abandono de cargo, tanto a base pré-consumativa (trinta dias consecutivos de faltas ao serviço) quanto a pós-consumativa (do trigésimo primeiro dia em diante) estão no domínio de volição do agente público e acarretam, em ambas as situações, consequências jurídicas”, avalia o parecer da AGU.
Citando julgados do Superior Tribunal de Justiça, a manifestação se respalda em decisões quanto a casos de abandono nas quais ficou pacificado de que se tratam de um delito permanente, que se encerra somente quando o servidor retorna ao cargo ou se conclui o devido processo administrativo disciplinar.
O parecer também esclarece que o Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei 8.112/90) prevê a contagem de prazos prescricionais no caso de ilícitos funcionais, mas não os especifica, abrindo caminho para “a aplicação subsidiária de institutos do direito criminal no âmbito do direito disciplinar, notadamente em razão de omissão legislativa na esfera administrativa”. Com informações da Assessoria de Imprensa da AGU.
Clique aqui para ler o parecer publicado no Diário Oficial da União.
Revista Consultor Jurídico, 6 de novembro de 2017, 14h41

Ação criminal em segredo de Justiça só será digitalizada a pedido do relator

PROCESSO ELETRÔNICO


A partir de agora, as ações criminais em segredo de Justiça que tramitam na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça só serão digitalizadas a pedido do relator do caso. Essa é uma das mudanças promovidas com a alteração da Resolução 10/2015 pelo dispositivo 10/2017.
Ações criminais que tramitam na Corte Especial do STJ só serão digitalizadas a pedido do relator.
STJ
Outra alteração é a obrigação de ações penais recebidas em formato físico serem digitalizadas automaticamente. A medida só não deverá ocorrer caso o relator diga o contrário.
Houve mudança no regime de visualização das ações. Agora, a livre consulta pública aos processos eletrônicos pela internet ou presencialmente tem ressalva sobre o acesso a ações penais em tramitação na corte. Já era prevista a restrição a feitos relacionados a investigação com publicidade restrita e ações que tramitam sob segredo de Justiça.
O novo texto traz ainda modificações sobre o uso do peticionamento eletrônico na corte: “As petições iniciais e as incidentais serão recebidas e processadas no STJ exclusivamente de forma eletrônica, mediante utilização do sistema de peticionamento disponibilizado pelo Tribunal.”
As exceções a essa nova regra são processos e investigações criminais sob publicidade restrita e ações “que, por qualquer motivo, tramitem na forma física”. Também estão fora dessa regra:
  • Habeas Corpus (HC);
  • Recurso em Habeas Corpus (RHC);
  • Ação Penal (APn);
  • Inquérito (Inq);
  • Sindicância (Sd);
  • Comunicação (Com);
  • Revisão Criminal (RvCr);
  • Petição (Pet);
  • Representação (Rp);
  • Ação de Improbidade Administrativa (AIA);
  • Conflito de Atribuições (CAt);
  • Recurso Ordinário (RO) (art. 105, inciso II, alínea “c”, da Constituição Federal);
  • Medidas Protetivas de Urgência - Lei Maria da Penha (MPUMP);
  • Medidas Protetivas - Estatuto do Idoso (MPEI);
  • Pedido de Busca e Apreensão Criminal (PBAC);
  • Pedido de Prisão Preventiva (PePrPr);
  • Pedido de Prisão Temporária (PePrTe);
  • Pedido de Quebra de Sigilo de Dados e/ou Telefônico (QuebSig);
  • Medidas Investigativas sobre Organizações Criminosas (MISOC);
  • Cautelar Inominada Criminal (CauInomCrim);
  • Alienação de Bens do Acusado (AlienBac);
  • Embargos de Terceiro (ET);
  • Embargos do Acusado (EmbAc);
  • Insanidade Mental do Acusado (InsanAc);
  • Restituição de Coisas Apreendidas (ReCoAp);
  • Carta Rogatória (CR).
Revista Consultor Jurídico, 6 de novembro de 2017, 18h13

STJ estabelece em súmula que sexo com menor de 14 anos é estupro

INDEPENDENTE DE CONSENTIMENTO


Sexo ou ato libidinoso com menor de 14 anos é estupro de vulnerável, independente de ter havido consentimento. Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que solidificou sua jurisprudência em uma súmula.
Além desta, o STJ aprovou mais duas súmulas: uma afirma que o Ministério Público pode para ajuizar ação de alimentos em proveito de criança ou adolescente; outra trata da responsabilidade objetiva das instituições de ensino por cursos não reconhecidos pelo Ministério da Educação.
Os enunciados são o resumo de entendimentos consolidados nos julgamentos e servem de orientação a toda a comunidade jurídica sobre a jurisprudência do tribunal. As súmulas serão publicadas no Diário da Justiça Eletrônico.
Leia abaixo as novas súmulas:
Súmula 593
O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.

Súmula 594
O Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação de alimentos em proveito de criança ou adolescente independentemente do exercício do poder familiar dos pais, ou do fato de o menor se encontrar nas situações de risco descritas no artigo 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ou de quaisquer outros questionamentos acerca da existência ou eficiência da Defensoria Pública na comarca.

Súmula 595
As instituições de ensino superior respondem objetivamente pelos danos suportados pelo aluno/consumidor pela realização de curso não reconhecido pelo Ministério da Educação, sobre o qual não lhe tenha sido dada prévia e adequada informação.
Revista Consultor Jurídico, 6 de novembro de 2017, 15h33

COMENTÁRIOS DE LEITORES

4 comentários

JOGANDO PARA A PLATEIA.

wilhmann (Advogado Assalariado - Criminal)
É ferrenho o estado inercial que obnubila os membros do stj, frente aos avanços da modernidade, após o inicio da adolescência, onde a "jeunesse" já é conhecedora de todas as tecnologias ( sem a innocentia consili ) dos macetes da sexualidade. Ora, querem tornar vulneráveis, menores já adultos, em eternos peter pan. Hodiernamente há menores que são professores em assuntos da sexualidade, por isso a vulnerabilidade deve ser relativizada ( posição de F. Mirabete ...) ; cada cada caso é um caso. Nossos ancestrais contraíram nupcias com menos de 14 anos... E então...? Caso semelhante ocorre com a menoridade penal ( - 18), onde verdadeiros assassinos que recebem o cetro de rei, de vitimas. O fato é que sumulas têm coercitividade radicais não oferecendo flexibilidade comum a todo ato, pois nem todo menor de 14 se enquadra na vulnerabilidade. Com a depravação midiática pode-se anuir na lisura da proteção desses de muitos inocentes que às vezes são os autores intelectuais de crimes hediondos , inclusive este de que se comenta. Enfim, não se trata de corpo frágil ou musculoso, trata-se de aparato psicológico agigantado de certos protegidos ex lege.

Modulação substitui com vantagens a Súmula 343 do Supremo

OPINIÃO


Segundo a Súmula 343 do STF, já por nós ampla e insistentemente criticada, não é cabível ação rescisória com base no artigo 966, V, do CPC, quando, à época da prolação da decisão que se pretende rescindir, a jurisprudência era controvertida.
As súmulas 343 e 400, a nosso ver, são aparentadas, e ambas ofendem de modo inadmissível os princípios da igualdade e da legalidade.
Vejamos o porquê: estabelece o artigo 5º, II, da CF: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Trata-se, como se sabe, da formulação, adotada pelo legislador constituinte brasileiro, para o princípio da legalidade.
O princípio da isonomia se encontra no caput do mesmo artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...)”.
Os princípios acima mencionados foram transcritos em ordem diferente daquela em que se encontram tratados no texto constitucionalpropositadamente, porque é esta a ordem em que se compuseram os argumentos que a seguir se exporão.
Observe-se que na Constituição vigente se demonstrou extrema preocupação com a igualdade. Basta dizer que no caput do artigo 5º o constituinte ainda inclui, entre os direitos invioláveis, o próprio direito à igualdade[1].
O princípio da legalidade se consubstancia na regra segundo a qual ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer a não ser em função de previsão legal.
O princípio da isonomia se constitui na ideia de que todos são iguais perante a lei, o que significa que a lei deve tratar a todos de modo uniforme e que correlatamente as decisões dos tribunais não podem aplicar a mesma lei de forma diferente a casos absolutamente idênticos, num mesmo momento histórico. Por que todos são iguais, na verdade, perante o Direito.
Diz-se que se realizar concretamente o princípio da igualdade significa se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.
Na verdade, a principal função do princípio da igualdade é a de evitar “previsões discriminatórias injustificadas”. Assim, discriminar o consumidor ou o trabalhador, para protegê-lo, não é desrespeitar regra que diz que ambos devem receber tratamento isonômico, já que estão sendo “favorecidos” porque são, presumivelmente, a parte “mais fraca”.
É digna de nota a preocupação do legislador de 2015, expressa no novo CPC, com a disciplina dos regimes de julgamento de ações idênticas: criou-se, por exemplo, o IRDR e se aprimorou o regime, já existente, de julgamento de recursos repetitivos (especial e extraordinário).
Na verdade, o princípio da isonomia é aquele segundo o qual a lei (= o direito) deve atingir a todos, e, quando isso não ocorrer, a discriminação não pode ser feita arbitrariamente, sendo vantajosa ou desvantajosa para os atingidos.
Deve haver, portanto, possibilidade de se justificar racionalmente o porquê da discriminação. Deve existir uma correlação racional entre os discriminados, tipo de discriminação e a razão de esta ter sido feita.
Aqui cabe formular novamente a questão: que sentido tratar diferentemente alguém com a regra da inatacabilidade da decisão, pela via rescisória, que foi atingido por um entendimento a respeito de certa norma jurídica, que restou alterado, única e exclusivamente porque à época em que foi prolatada a decisão haveria, a respeito do entendimento da norma, “jurisprudência conflitante? A nosso ver, esse critério não justifica a distinção feita pela súmula.
A vinculação da constatação da existência da correlação racional entre o fator escolhido pela norma como discriminante e a própria discriminação deve ser feita segundo valores, notadamente aqueles sob forma de princípios constitucionais. Por isso é que é constitucional a reserva de vagas para negros em universidades, mas é inconstitucional a existência de um clube recreativo só para negros.
Assim, admitir que sobreviva decisão que consagrou interpretação hoje considerada, pacificamente, incorreta pelo Judiciário é prestigiar o acaso. Explicamos: isso significa dizer que serão beneficiados com a decisão que lhes favorece, ainda que posteriormente seja considerada incorreta, aqueles que tiveram a “sorte” de participar de determinada ação, no polo passivo ou ativo, num momento em que havia, ainda, divergência nos tribunais quanto a qual seria a interpretação acertada da lei, a solução correta a ser dada àquele caso.
Dizer que: a lei é uma só (necessariamente vocacionada para comportar um só e único entendimento, no mesmo momento histórico e nunca mais de um entendimento simultaneamente válido), mas as decisões podem ser diferentes, porque os tribunais podem decidir diferentemente, não tem sentido. Seria essa circunstância imune ao controle da parte pela via da ação rescisória?! Pode haver duas ou mais decisões, completamente diferentes, a respeito do mesmo (mesmíssimo!!) texto, aplicáveis a casos concretos idênticos, ambas consideradas aceitáveis pelo sistema, e ainda que já se tenha estabelecido qual seria a decisão correta?
A Súmula 343 do STF é parente da Súmula 400 do mesmo tribunal. A Súmula 400 diz que não cabe ao STF corrigir interpretações dadas ao direito objetivo pelos tribunais inferiores, se essas forem razoáveis. Trata-se de súmula que, pura e simplesmente, autorizava o STF a abrir mão da sua função: dizer a última palavra a respeito da Constituição Federal e do Direito (antes da Constituição Federal de 1988).
A Súmula 343 deve ter o mesmo destino que acabou por ter a Súmula 400, hoje muito mais raramente invocada pelos membros dos tribunais superiores.
Em conformidade com a linha de argumentação até agora desenvolvida, é evidente que, para nós, a regra do não cabimento da rescisória em função do critério trazido pela Súmula 343 não tem sentido.
Diferentemente pode ocorrer se se decidir pela preservação da decisão que se pretende rescindir em função de outras razões, de outros critérios, que afastem a necessidade de respeito à isonomia, mas por outros fundamentos diferentes da mera circunstância de a jurisprudência ser desencontrada na época da prolação da decisão que se pretende rescindir. Esses outros valores ligam-se ao princípio da confiança e à necessidade de que o direito proporcione previsibilidade.
Compreende-se a utilização dos resultados gerados pela aplicação da Súmula 343 em certas hipóteses, como a retratada no RExtr. 590.809/RS – 2014[2]. Trata-se de extenso acórdão em que se pretendeu rescindir acórdão que acompanhou jurisprudência do próprio STF (portanto, pauta de conduta confiável, à época).
Nesse acórdão, abordam-se valores que apontariam para o não cabimento da ação rescisória, mencionando-se, para isso, a Súmula 343. Não foram, entretanto, os pressupostos de incidência da Súmula 343 que levaram à sua aplicação! Ao contrário, já que aqui se trata de decisão proferida com base em entendimento pacificado do STF, que, depois, se quis rescindir. Ou seja, a jurisprudência não era controvertida à época em que foi proferida a decisão.
Assim, caso não se quisesse realmente admitir a rescisória (como se fez no acórdão ora citado), mais acertado teria sido fazer-se a modulação dos efeitos da mudança e não o recurso à vetusta e infeliz Súmula 343, mesmo antes de haver previsão expressa desse instituto no CPC de 2015.
2. Alteração da jurisprudência
O que significa a mudança da jurisprudência? O que significa a alteração do entendimento a respeito do direito posto?

Não nos parece, como já afirmamos, que a essa situação se deva dar, exatamente, o mesmo tratamento que se dá à alteração da lei, afirmando-se que a alteração da jurisprudência, pura e simplesmente, nenhum efeito tem sobre as situações que foram decididas anteriormente.
A razão de ser de o sistema permitir a oscilação da jurisprudência, ou seja, permitir que haja decisões diferentes, de tribunais diferentes, e que os próprios tribunais alterem posição que já haviam firmado, só pode ser dar chance para o aprimoramento do sistema. A mudança da jurisprudência só se pode justificar se for entendida como um avanço, como uma “melhora”. Afinal, uma das duas (ou das três) posições deve ser tida como correta, e, para que se justifique a possibilidade existente no sistema no sentido de os tribunais alterarem suas posições, só tem sentido considerar-se correta a última posição. Pois o tribunal muda seu entendimento “até acertar”.
Portanto, sempre pensamos que aqueles que foram atingidos por decisão judicial proferida em certo período de tempo em que o entendimento jurisprudencial era X podem ter sua situação alterada, pela via da ação rescisória, quando esse entendimento (a respeito da mesma regra posta) tenha-se alterado para Y. Por que se pressupõe que X é o entendimento correto.
Quando a lei muda, quer-se que certas situações, às quais a lei diz respeito, sejam resolvidas diferentemente. Mas quando se altera a interpretação que se deva a certo texto de lei, como, por exemplo, o que se pode dizer é que se terá, finalmente, “acertado”.
Lei mal interpretada é lei ofendida, não cumprida, desrespeitada. Por isso é que sustentamos, em casos como esse, ser possível o manejo da ação rescisória, com base no artigo 966, V do CPC.
Admitir, como regra geral, a não rescindibilidade das decisões tidas por equivocadas pela nova posição firmada por um tribunal superior, porque há excessivas oscilações, seria cometer um erro para corrigir outro.
Nossa posição não significa, em absoluto, que as decisões transitadas em julgado que se tenham baseado em orientação diferente da atual percam automaticamente sua validade. Como dissemos antes, nascem casos que, a nosso ver, são de rescindibilidade.
Nem sempre, todavia. Como se verá subsequentemente, casos pode haver em que outros valores, tais como os protegidos pelo princípio da confiança e a necessidade de que o direito não surpreenda as partes, proporcionando previsibilidade, recomendem seja mantida a decisão proferida à luz do entendimento jurisprudencial superado. É o de que trataremos abaixo.
3. Preservação de outros valores
Em alguns casos, todavia, pode parecer aos tribunais mais correto preservar a decisão rescindenda, em nome de outros valores.

Para preservar a situação daqueles que foram afetados por decisão com base em posição jurisprudencial já superada, hoje a lei traz a solução da modulação.
Trata-se de instituto que se traduz, como se verá com mais vagar no subtítulo 4, na possibilidade de os tribunais decidirem expressamente, quando alteram a orientação antes seguida, a respeito de aspectos temporais, territoriais etc. ligados à “eficácia” da decisão. Com isso quer-se dizer que os tribunais podem, por exemplo, dizer que só vão decidir com base no novo entendimento a partir do ano seguinte, ou a partir daquele momento etc.
Se se quer, realmente, prestigiar o princípio da confiança e da segurança jurídica, a modulação é instrumento que se presta a fazê-lo de forma extremamente satisfativa.
Explicamos: se os tribunais entendem que há razões para preservar as decisões, transitadas em julgado, que foram tomadas à luz da posição que anteriormente era considerada a correta, podem, com base na modulação, não admitir a ação rescisória.
Mas não é só: podem (devem) passar a decidir com base no novo entendimento, agora considerado acertado, apenas os processos derivados de fatos que ocorreram já à luz do novo entendimento.
Assim, se evita o indesejável efeito retroativo da mudança da jurisprudência, nos casos em que haja valores que recomendem que a situação anterior seja mantida.
Explicamos: se A deixa de recolher certo tributo, porque o STF entende que o tal tributo não incide na atividade que A realiza, e, de repente, esse mesmo tribunal passa a entender que o tal tributo incide, à luz do mesmo texto de lei, deve usar este novo entendimento apenas para decidir processos oriundos de casos fáticos posteriores à alteração de posição. Caso contrário, A será julgado com base num padrão normativo que não existia quando praticou sua conduta: praticou sua conduta em conformidade com o Direito.
Hoje se reconhece, abertamente, que o Judiciário exerce função normativa. Portanto, deve haver regras de Direito intertemporal para alterações de posição dos tribunais, principalmente, superiores. Essas regras podem e devem ser construídas a partir do instituto da modulação.
A modulação não pode servir única e exclusivamente para evitar ações rescisórias. É instituto muito mais eficiente do que a Súmula 343 e deve preservar a situação não só daquele que já foi afetado por decisão judicial transitada em julgado, com base em orientação jurisprudencial superada, mas também aquele que agiu com base naquilo que, à época, era o direito: a lei, interpretada pelos tribunais superiores, à luz da doutrina.
Voltando ao exemplo: se A não recolheu certo tributo à luz da orientação pacificada à época, e, repentinamente, a jurisprudência se altera, muito provavelmente o Fisco começará a cobrar A pelos tributos não pagos. Quando o conflito entre A e o Fisco chegar ao Judiciário, não deve ser decidido à luz da nova posição, mas daquela que havia na época da conduta de A, por causa do princípio da confiança. Para isso, deve ser usada a modulação.
Deu-se, propositadamente, um exemplo de Direito Tributário, porque este é um ramo do Direito em que muito frequentemente a modulação deve ser feita, quando da alteração de posicionamento dos tribunais superiores.
Já nos manifestamos no sentido de que os princípios que criam segurança jurídica no Direito Tributário devem ser respeitados pela jurisprudência, que, de rigor, não deve se alterar. Se isso acontecer, a modulação, no formato proposto, é imperiosa.
Nossa posição, é, portanto, pelo cabimento de rescisória, desde que não haja modulação.
Se modulação houver, essa não pode ter o condão, apenas, de evitar a rescisória. Entendemos que essa deve ser feita de molde a evitar que a nova posição adotada afete não só situações em que tenha havido processos e trânsito em julgado, mas também aqueles em que o indivíduo agiu de boa-fé, em absoluta conformidade com o Direito “em vigor”, com a pauta de conduta tida por correta.
A modulação não pode desempenhar única e exclusivamente papel de jurisprudência defensiva.
4. Sobre a modulação
Admitir-se a ação rescisória quando há mudança da jurisprudência é medida que se impõe, a nosso ver, como regra geral, para que se respeite a isonomia.

No entanto, como vimos, o princípio da isonomia deve ser compreendido e aplicado também no contexto de outros valores e princípios.
Então, não se deve negar que, muitas e muitas vezes, outros valores devem ser preservados, a ponto de poder afastar a necessidade de se respeitar a isonomia.
Muito se tem escrito sobre a função normativa do Poder Judiciário. Hoje, é comum que se tenha consciência no sentido de que o juiz, em diversas medidas, cria Direito. Portanto, é ator coadjuvante na formação das normas jurídicas: nas pautas de conduta.
Sob essa ótica, não se podem fazer vistas grossas à imperiosidade de que, por vezes, aquele que agiu de acordo com certa pauta de conduta (norma jurídica) seja poupado: por isso é que o legislador de 2015, sensível a essa realidade, criou o artigo 927, parágrafo 3º, in verbis: “§ 3o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica”.
Vê-se, pois, a necessidade, sentida pelo legislador de, em face de (i) alteração de jurisprudência dominante do STF e de tribunais superiores, (ii) mudança de entendimento firmado em julgamento de IRDR e de recursos (especial ou extraordinário) repetitivos modular os efeitos da nova decisão, à luz do interesse social e da segurança jurídica.
Que efeitos são esses?
São tanto os efeitos que da decisão emanam em relação às próprias partes, quanto os efeitos irradiados para fora do processo, para além do universo das partes. São os efeitos que se reconhecem a uma decisão quando nela se vê um precedente.
Então, a modulação significa a possibilidade de se situarem esses efeitos da decisão no tempo e no espaço, de acordo com ambos os valores acima referidos: interesse social e segurança jurídica.
Vê-se, pois, que a modulação substitui com vantagens a Súmula 343. Primeiro, seus fundamentos são razoáveis: preservação de segurança jurídica, resposta adequada ao princípio da confiança. Não é, como se quer com a Súmula 343, querer-se fazer crer que a decisão estaria “correta” só porque teria sido proferida num momento histórico em que ainda se discutia qual deveria ser a tese jurídica adotada, a partir do sentido da norma se viesse a adotar. A Súmula 343 elege critério não jurídico e tampouco razoável para sujeitar a decisão à rescindibilidade: o “acaso” de a discussão existir, ou não, quando da prolação da decisão.
Aliás, de rigor, o contrário é que deve gerar a não rescindibilidade: a decisão rescindenda estar em absoluta consonância com a jurisprudência pacificada de um Tribunal Superior.
modulação é instituto concebido expressamente para concretizar, nos casos em que se entende adequado prevalecer o princípio da confiança (= segurança jurídica), pode obstar o cabimento da rescisória.
Entretanto, a modulação permite, como se viu, que se faça muito mais que isso. Pode-se até julgar certo caso X de acordo com entendimento jurisprudencial que havia à época em que ocorreu o caso X, mesmo que esse entendimento já esteja superado no STJ ou no STF.
Assim, pois, que a modulação é instituto versátil, flexível, que se presta, de modo muito mais completo a realizar concretamente a segurança jurídica.

[1] Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Comentários à Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1990, v. 1, p. 26.
[2] Rel. min. Marco Aurélio, j. em 22.out.2014.
 é advogada, professora livre-docente da PUC-SP e doutora e mestre em Direito pela mesma instituição.

Revista Consultor Jurídico, 18 de novembro de 2017, 6h43