O sistema de segurança pública adotado no Brasil é
seccionado entre várias polícias com atribuições especificadas no artigo 144
da Constituição Federal. No entanto na prática as ações desenvolvidas pelas
instituições e corporações policiais, mormente no âmbito estadual, se
confundem. O policiamento ostensivo está definido como atribuição da Polícia
Militar, enquanto as ações investigativas para apuração de crime são de
atribuição da Polícia Civil. O chamado ciclo incompleto de polícia tem
gerado atritos entre as polícias estaduais, uma vez que ambas acabam por
desenvolver formas de policiamento com invasão na área de atuação uma das
outras. Assim a polícia militar mantém pelotões de investigação para depois
efetuar o patrulhamento direcionado para as áreas investigadas para a
produção de flagrantes, enquanto a polícia civil mantém equipes
uniformizadas também com ações direcionadas a impedir a ocorrência de
determinados crimes, como as equipes de combate ao roubo a bancos e os grupos
especializados (GOE) para o enfrentamento com o crime organizado, onde o
armamento utilizado geralmente é de uso restritivo das forças armadas com alto
poder de fogo. Aliás quando a polícia civil realiza o policiamento ostensivo o
faz de maneira muito mais dinâmica e efetiva do que a Polícia Militar, onde a
cadeia hierárquica truncada faz com que, além dos policiais militares
empregados no ostensivo, tenha necessariamente uma supervisão por sargentos,
que por sua vez são supervisionados por um oficial. As equipes especializadas
da Polícia Civil realizam o policiamento ostensivo especializado com menos
homens, menos despesas e a mesma efetividade da PM. Diante desse quadro de
atrito, competitividade e falta de identidade das polícias estaduais, surgiu a
tese do ciclo completo de polícia. No entanto, de maneira equivocada, alguns
pseudo especialistas em polícia têm pregado a implantação do ciclo completo
de polícia com o direcionamento para aumento de atribuições da Polícia
Militar, conforme a incidência penal. Na linha doutrinária desses
"especialistas", dependendo da incidência penal, a Polícia Militar
atenderia e implementaria as providências até o final da ocorrência,
inclusive as providências de natureza judiciária, portanto usurpando as
funções da polícia civil, para a qual não tem preparo, sem se reportar a
Autoridade Policial. Ora a divisão de atribuições já está prevista na Carta
Magna, no entanto, o que temos visto é que na prática isso não funciona. A
desorganização do aparelho policial do Estado Brasileiro é patente, enquanto
o crime organizado se expande em escalada assustadora, não só pela força do
material bélico empregado, logística, ações cada vez mais ousadas, da
corrupção diante de polícias mal pagas, mas também pela preparação,
inclusive com custeio de curso superior, para a infiltração de agentes dessas
organizações criminosas nos três Poderes da República.
O ciclo completo de polícia pressupõe uma única polícia
com a atribuição da execução do policiamento urbano e combate às diversas
formas de criminalidade com a repressão adequada, quer nos crimes comuns como
também no crime organizado. Para o sucesso nessa empreitada, a polícia tem que
desenvolver ações organizadas no policiamento ostensivo perfeitamente
integradas com ações de inteligência, não somente para minimizar a
incidência criminal, como também para a efetiva investigação com a colheita
de provas para a persecução penal a ser desenvolvida pelo Ministério
Público. O crescimento e o aperfeiçoamento do crime organizado não permitem
mais ao Estado Brasileiro o amadorismo em ações de Segurança Pública.
Efetivamente a solução para a crise de Segurança Pública no Brasil passa pelo Ciclo Completo de Polícia Judiciária com o desenvolvimento de ações minimizadoras da incidência criminal, uma vez que supressão total do crime é utopia. Ações de inteligência para o direcionamento do policiamento ostensivo, bem como a efetiva investigação dos crimes perpetrados com a identificação do agente criminoso e colheita de prova para a instrumentalização da persecução penal por parte do Ministério Público fecham o ciclo completo de polícia. Esse mister somente pode ser realizado por uma polícia judiciária atuando com atribuição unificada e integrada no combate ao crime. As polícias civis estaduais têm plenas condições de realizar esse papel, até porque sua formação profissional é exclusivamente para o combate ao crime, sem qualquer doutrina estranha ao ideal de defesa da sociedade civil com respeito ao estado de direito vigente.
A Polícia Militar tem formação e doutrina militar cujo
objetivo é por excelência a neutralização e, quando necessário o abate do
inimigo, com ações táticas de enfrentamento e destruição da força
opositora. Esse tipo de ação é incompatível com o policiamento civil para a
proteção de uma sociedade democrática com o respeito aos direitos humanos. Os
fatos são incontestáveis, pois que todos os dias eclodem pelo país inteiro
denúncias de abuso de força, tortura e por vezes de morte de civis,
perpetradas por policiais militares no serviço de policiamento civil.
Na grande maioria dos países desenvolvidos o policiamento
diuturno da sociedade é realizado por polícias de natureza civil e com as
atribuições do ciclo completo de polícia, reservando-se para os confrontos
com criminosos violentos e com armamento pesado a atuação de equipes treinadas
com táticas militares e com resposta armada adequada a agressão criminosa,
como realiza a S.W.A.T. americana. Para esse tipo de ação a atuação da
Polícia Militar é de fundamental importância, pois que se requer nesse tipo
de repressão criminosa uma ação policial com tática militar, treinamento,
equipamento e armamento de uso restritivo. O policiamento de choque para
controle de distúrbios civis e de praças desportivas com grande aglomeração
de pessoas, bem como os batalhões especializados em ações de selva e
salvamento são, por sua natureza e exigência de treinamento especializado, uma
atribuição natural e específica para a Polícia Militar que nessa área
realiza uma excelente prestação de serviço para a sociedade.
Nesse diapasão a evolução natural do aparelho policial
brasileiro passa pela atribuição do ciclo completo de polícia judiciária com
a competência legal para as polícias civis estaduais para o desenvolvimento de
ações para a prevenção, com o policiamento ostensivo, a investigação e
repressão ao crime de forma unificada, reservando-se para a Polícia
Militar o controle de distúrbios civis e as operações especiais táticas.
Nesse campo de atuação, com tropa treinada para o policiamento de choque,
batalhões de operações especiais para enfrentamento de confronto armado
pesado, ações na área de defesa civil, além do salvamento em terra e água,
a Polícia Militar está perfeitamente qualificada. Essa tropa com treinamento
militar caberá a reserva do Estado Brasileiro para a defesa interna e
territorial funcionando como força reserva do Exército e Força Nacional de
Segurança Pública com atuação específica em situações que ofereçam risco
à segurança nacional.
O modelo proposto é de fácil implantação, pois que as
polícias estão relativamente organizadas com paridade salarial de cargos nos
estados, bastando-se para tanto a redistribuição de efetivo, equipamento e
instalações para a implementação de uma polícia judiciária com atuação
no Ciclo Completo de Polícia Judiciária e a estruturação de uma Força
Pública para utilização em situações de risco de segurança tanto a nível
estadual como nacional.
A implementação legal desse novo sistema de segurança
pública poderá ser implantado através de uma PEC que promova a alteração do
artigo 144 da C.F., modificando-se as atribuições das polícias estaduais, com
previsão nas disposições transitórias para a redistribuição dos efetivos e
das instalações das polícias militares utilizados no policiamento ostensivo.
Dessa forma caberia a Polícia militar a exclusividade no controle de
distúrbios civis, a polícia de operações táticas especiais e as ações de
defesa civil e salvatagem na terra e água. À Polícia Civil caberia a
prevenção, policiamento ostensivo e a investigação e elucidação de crimes
com a competência exclusiva para a formalização dos atos de polícia
judiciária nas infrações de natureza civil. Lei Complementar deverá criar e
redistribuir os cargos necessários para a polícia judiciária com atuação no
ciclo completo.
A proposta é factível e não ensejaria em aumento de gastos
pelos Estados, uma vez que se propõe readequar as polícias já existentes, com
a redistribuição de funções, efetivos e material, implantando-se um novo
modelo de aparelho policial do Estado. A Polícia Estadual com atuação no
ciclo completo de polícia judiciária deverá ter uma estrutura moderna para
atuar nas diversas áreas de ações de inteligência, prevenção uniformizada
ostensiva, investigação e formalização dos atos de polícia judiciária.
Para tanto as antigas delegacias agora denominadas Departamentos de Polícia
terão nos seus efetivos policiais treinados e equipados para atuar no
policiamento uniformizado, além de agentes policiais para atuação específica
na área de inteligência e investigação e o corpo de escrivães para a
formalização cartorária dos atos de policia judiciária. As ações de
inteligência não se confundem com investigação. As primeiras dizem respeito
ao levantamento de informações para fundamentar as decisões estratégicas e
direcionamento do policiamento a ser desenvolvido, enquanto o efetivo de
investigação atua no caso concreto com a identificação do agente criminoso e
colheita de elementos de provas para a instrumentalização do Ministério
Público. A profissionalização e especialização de uma única polícia na
atuação no ciclo completo de polícia judiciária importarão inevitavelmente
numa substancial melhoria do sistema de segurança pública em benefício de
toda a sociedade civil.
A direção desses Departamentos de Polícia caberá ao
Delegado de Polícia Titular da unidade, a quem incumbirá supervisionar a
atuação dos Delegados de Polícia encarregados de cada uma das áreas de
atuação do Departamento, a saber, o Delegado de Polícia do Setor de
Policiamento Ostensivo; Delegado de Polícia do Setor de Inteligência e
Investigação; Delegado de Polícia do Setor de Polícia Judiciária e o
Delegado de Polícia do Setor de Plantão Policial. Os Departamentos de Polícia
manterão uma equipe diuturna, sob a presidência de um Delegado de Plantão
para a lavratura de autos de prisão em flagrante e termos circunstanciados. O
registro de boletins de ocorrências com a mera notícia de crime será efetuado
por funcionários distribuídos nos Postos de Atendimento e Registro de
Ocorrência Policial (PROPOL) localizados em setores estratégicos a serem
determinados pela densidade populacional e incidência criminal na cidade.
Tendo em vista a complexidade das atribuições dos
Departamentos de Polícia haverá a necessidade de realocação destes nos
prédios públicos remanejados da Polícia Militar (batalhões), uma vez que o
efetivo de policiais e equipamentos necessitará instalações de maior porte.
No entanto, com a realocação dos edifícios ocupados pelos batalhões de
área, o Estado não terá aumento de despesas, pelo contrário, as despesas
devem diminuir uma vez que as características do efetivo policial civil, sem
rancho e barbearia, por exemplo, demandará menos gastos.
O remanejamento do efetivo empregado pela PM no policiamento
ostensivo também não oferece dificuldade. Os soldados viriam como guardas
civis, nível I – estágio probatório e nível II – efetivados com até 15
anos; os praças graduados cabos, sargentos e subtenentes teriam por
designação o cargo de Inspetor de Polícia nível I, II, III e Especial para o
final da carreira. A promoção dos Guardas civis de nível II será automática
para Inspetor de Polícia nível I, decorridos 15 anos de carreira no bom
comportamento. As promoções dos Inspetores de Polícia, de acordo com o
número de vagas abertas, serão baseadas na proporção de 50% pelo critério
de antiguidade, e, 50% por concurso interno, sendo automática a cada 10 anos de
efetivo serviço no cargo sem punição.
Os oficiais da PM empregados no policiamento ostensivo e que
optem pela transposição para a Polícia Judiciária assumirão os cargos de
Delegados de Polícia, com os níveis correspondentes às suas patentes
anteriores, com a atuação específica na supervisão do setor de policiamento
ostensivo, com as prerrogativas e atribuições do Delegado de Polícia
Judiciária.
Isto posto, evidencia-se que com uma reengenharia do atual
modelo policial brasileiro há condições de se prestar um serviço de
segurança pública com inegável melhoria para a população, sem os atritos e
os desvios de função que oneram as polícias estaduais no sistema atual. Para
tanto não se faz necessário aumento de efetivo ou de despesas, mas tão
somente uma mudança do sistema atual, já ultrapassado e não condizente com o
Estado de direito vigente, onde não há mais espaço para o cerceamento de
liberdades por instituição militar. A restrição de liberdades civis só é
possível dentro da lei e por órgãos civis do Estado. Aos militares cabe tão
somente a defesa do Estado brasileiro contra agressão externa, e,
excepcionalmente contra ação por agentes internos na forma da lei.
A necessária modernização das polícias brasileiras no
combate ao crime comum e organizado, deve se pautar pelos ditamos da lei, com
respeito aos direitos humanos, como o fazem a grande maioria das instituições
policiais de países desenvolvidos, onde não existe a figura militar.
O Ciclo Completo de Polícia Judiciária representa a única
saída possível, do atual estado de incompetência das polícias estaduais para
enfrentamento do crime e oferecimento de uma segurança pública efetiva. A
exposição de motivos esplanada demonstra a viabilidade operacional e
financeira na reengenharia do atual modelo do aparelho policial estatal. Basta
vontade política e compromisso com a sociedade brasileira para a implantação
das mudanças necessárias.
ANEXO II
EMENDA CONSTITUCIONAL
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
CONGRESSO NACIONAL
EMENDA CONSTITUCIONAL Nº __
Modifica o Sistema de Segurança Pública nos Estados,
estabelece normas e dá outras providências.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos
termos do § 3º do art.60 da Constituição Federal, promulgam esta Emenda ao
texto constitucional:
Art. 1º - O artigo 144 e seus §§ 4º e 5º da
Constituição Federal passam a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 144 - A segurança pública, dever do Estado,
direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem
pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes
órgãos que integram o Sistema Nacional de Segurança Pública:
I - ...........................................
IV - polícias judiciárias estaduais;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
§ 4º - às polícias judiciárias estaduais, dirigidas
por delegados de polícia de carreira, exercem com exclusividade, ressalvada a
competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de
infrações penais, exceto as militares, bem como o policiamento ostensivo e as
ações necessárias para a prevenção e repressão ao crime.
§ 5º - às polícias militares cabem a preservação da
ordem pública no controle de distúrbios civis, policiamento em praças
desportivas e as ações de operações especiais em situações de alto risco,
além da manutenção dos corpos de bombeiros militares e a execução de
atividades de defesa civil, sendo a base da Força Nacional de Segurança com as
atribuições definidas em lei.
Art.2º - Insere o § 3º no artigo 89 nas Disposições
Transitórias da Constituição Federal com a seguinte redação:
§ 3º - Os Estados disciplinarão em lei complementar as
redistribuições dos equipamentos, materiais e imóveis da Polícia Militar
para a Polícia Judiciária Estadual, bem como os efetivos policiais
necessários para o policiamento ostensivo, garantido o direito de opção para
os policiais militares para remanejamento para quadro em extinção, para a
reestruturação dos órgãos policiais para o cumprimento do disposto nos
parágrafos 4º e 5º do artigo 144.
Art. 3º - Esta Emenda Constitucional entra em vigor 45
(quarenta e cinco) dias após sua promulgação.
Brasília, x de x de 2010
Mesa da Câmara dos Deputados
Mesa do Senado Federal
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