Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a venda de patrimônio para um dos filhos, por meio de pessoa interposta, é ato jurídico anulável – salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente tiverem consentido com o negócio, conforme preceitua o artigo 496 do Código Civil.

Para
a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a venda de
patrimônio para um dos filhos, por meio de pessoa interposta, é ato
jurídico anulável – salvo se os outros descendentes e o cônjuge do
alienante expressamente tiverem consentido com o negócio, conforme
preceitua o artigo 496 do Código Civil.
Segundo
a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, o STJ adotou o
entendimento de que a alienação de bens de ascendente para descendente
sem o consentimento dos demais é ato jurídico anulável, cujo
reconhecimento demandaria: a iniciativa da parte interessada; a
ocorrência do fato jurídico, qual seja, a venda apontada como inválida; a
existência de relação de ascendência e descendência entre vendedor e
comprador; a falta de consentimento de outros descendentes; e a
comprovação do objetivo de dissimular doação, ou o pagamento de preço
inferior ao valor de mercado.
"Diversamente do que se constatava no Código Civil de 1916
– que era omisso quanto à natureza do vício da venda de ascendente a
descendente sem o consentimento dos demais descendentes –, o CC/2002
passou a definir, expressamente, que a hipótese seria de anulabilidade
do ato jurídico, e não de nulidade de pleno direito, encerrando
divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre sua específica
natureza", explicou a relatora.
Decadência
A
controvérsia analisada teve origem em ação ajuizada para desconstituir a
venda de 65,49 hectares de terra feita por uma mulher a terceiro, na
tentativa de mascarar a alienação do terreno para um de seus filhos, em
desfavor dos demais herdeiros. Na ação, os herdeiros pediram a
declaração de nulidade dos atos jurídicos e o cancelamento do registro
público da venda.
O
juízo de primeiro grau declarou nula a venda do imóvel, assim como a
respectiva escritura pública. O Tribunal de Justiça de Goiás manteve a
sentença, afastando o prazo decadencial sob o argumento de que, quando a
doação é inoficiosa, o herdeiro prejudicado tem legitimidade para
ajuizar ação de nulidade, não estando sujeito a decurso de prazo.
Ao
STJ, a mãe e seu filho alegaram ser anulável – e não nula – a venda de
ascendente para descendente por meio de pessoa interposta. Sustentaram
ainda que a legislação estabelece que quando determinado ato é anulável,
sem definir prazo para o pedido de anulação, o prazo será de dois anos,
a contar da data de conclusão do negócio. Com esse argumento, eles
pediram o reconhecimento da decadência na ação de desconstituição da
venda.
Natureza e prazo
A ministra Nancy Andrighi afirmou que, no caso de venda direta entre ascendente e descendente, o CC/2002 declara expressamente a natureza do vício da venda – qual seja, o de anulabilidade (artigo 496) –, bem como o prazo decadencial para providenciar a sua anulação – dois anos, a contar da data da conclusão do ato (artigo 179).
"Nas
hipóteses de venda direta de ascendente a descendente, a comprovação da
simulação é exigida, de forma que, acaso comprovado que a venda tenha
sido real, e não simulada para mascarar doação – isto é, evidenciado que
o preço foi realmente pago pelo descendente, consentâneo com o valor de
mercado do bem objeto da venda, ou que não tenha havido prejuízo à
legítima dos demais herdeiros –, a mesma poderá ser mantida", afirmou.
Tentativa de burla
Todavia,
a ministra observou que a venda de ascendente para descendente por meio
de um terceiro pode ser entendida como tentativa de burla.
"Considerando
que a venda por interposta pessoa não é outra coisa que não a tentativa
reprovável de contornar-se a exigência da concordância dos demais
descendentes e também do cônjuge, para que seja hígida a venda de
ascendente a descendente, deverá ela receber o mesmo tratamento
conferido à venda direta que se faça sem essa aquiescência", destacou.
Para a relatora, se a venda é anulável, será igualmente aplicável o artigo 179 do CC/2002, que prevê o prazo decadencial de dois anos para a anulação do negócio, não sendo aplicáveis os artigos 167, parágrafo 1º, I, e 169 do CC/2002.
Ao
dar provimento ao recurso especial, a ministra apontou que a venda foi
efetivada em 27 de fevereiro de 2003, ao passo que a ação de
desconstituição do negócio somente foi protocolizada em 9 de fevereiro
de 2006. Segundo ela, é imperioso reconhecer a decadência, uma vez que,
na data de ajuizamento da ação, já haviam decorrido mais de dois anos da
conclusão do negócio.