"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Ponderação de normas no novo CPC? É o caos. Presidente Dilma, por favor, veta!

SENSO INCOMUM

Ponderação de normas no novo CPC? É o caos. Presidente Dilma, por favor, veta!



caricatura lenio luis streck 02 [Spacca]

Uma das colunas mais duras que já fiz

A coluna começa por pedir desculpas sinceras a todos os meus amigos e parceiros que professam fé — ou certa quantidade de fé  na ponderação. Aceito discutir a ponderação  e tenho feito isso amiúde  no plano da discussão da argumentação-fundamentação de decisões. Mas no plano da doutrina, é claro. E da jurisprudência também. Mas, imaginemos se o novo Código de Processo Civil (NCPC) dissesse que o “juiz buscará a resposta correta” ou “o juiz atuará como Hércules”... Ou, ainda, que, na decisão, o juiz usará o método x ou y... Ou falasse nos métodos de Savigny. Não seria adequado, pois não? Pois “ponderação” também não pode! Por isso, tenho de dar um salto sobre a origem (Ursprung) do problema. Não dá para ficar no periférico.

Dito isto, sigo. O texto do novo CPC tem muitos avanços, expressivos avanços, como venho dizendo.. Mas tem algumas coisas esquisitas. Bizarras. Nesse rol está o parágrafo 2º do artigo 487, vazado nos seguintes termos:
§ 2. No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.
Devo dizer, desde logo, que o direito se constitui em e com uma linguagem que adquire especificidade própria. Assim, se a lei diz que três pessoas disputarão uma cadeira no (para o) Senado, nenhum jurista pensará que a disputa se travará sobre o móvel de quatro pernas. Então a palavra normasnão pode ser lida como sinônimo de leis ou regras. Do mesmo modo, parece evidente que a palavra ponderação também não pode ser entendida como simplesmente alguém dizendo “ponderando melhor, vou fazer tal coisa...”.
Se estamos entendidos, quando o legislador fala em “ponderação”, podemos estar certos de que está se referindo a longa tradição representada pela recepção (embora absolutamente equivocada), em terrae brasilis, da ponderação (Abwägung) da Teoria da Argumentação proposta por R. Alexy.[1] Com certeza, nosso legislador, ao invocar uma “colisão entre (sic) normas” (sic), reportou-se a isso, o que acarreta gravíssimas consequências. Já falei muito e já critiquei sobremaneira o ab-uso disso que por aqui chamamos de “ponderar”. Posso afirmar, com dados empíricos, que seu (ab)uso  em terras brasileiras  tem sido problemático. Para termos uma ideia, Fausto de Moraes, Premio Capes 2014, sob minha orientação, mostra, em tese doutoral, que a nossa Suprema Corte, nas quase duzentas vezes que lançou mão da ponderação nos últimos dez anos, em nenhum dos casos o fez nos moldes propostos por seu criador alemão.
Surpreende, portanto, que o novo CPC incorpore algo que não deu certo. Pior: não satisfeito em falar da ponderação, foi mais longe na tropelia epistêmica: fala em colisão entre normas (seria um abalroamento hermenêutico?) o que vai trazer maiores problemas ainda, pela simples razão de que, na linguagem jurídica, regras e princípios são...normas. E são. Já ninguém duvida disso. Logo, o que vai haver de “ponderação de regras” não tem limite. Ou seja, sem exageros, penso que o legislador cometeu um equívoco. Ou as tais “normas-que-entram-em-colisão” seriam os tais “postulados”, “meta-normas” pelas quais se faz qualquer coisa com o direito? Isso tem nome: risco de estado de natureza hermenêutico, eis o espectro que ronda, no mau sentido, o direito brasileiro.
A complexidade da “tese da ponderação”
Vou demonstrar o que estou falando. Ou seja, vou contar como é a teoria criada por Alexy e então os leitores poderão tirar suas conclusões acerca do que vem por aí. Tomemos folego. Vamos lá. Peço que leiam até o final. Robert Alexy é um autor sofisticado. Originalmente, desenvolve uma teoria jurídica orientada ao reconhecimento de elementos axiológicos no texto constitucional alemão, uma vez que assume a tese professada no Tribunal Constitucional alemão de que a Constituição seria uma “ordem concreta de valores”.  Alexy não diz que a ponderação que o Tribunal Alemão faz seria irracional, mas que ela seria passível de racionalidade pela teoria que ele propôs. Assim, pode-se dizer que Alexy é um defensor da possibilidade de fundamentação racional argumentativa das decisões que ponderam (embora ele não critique as decisões do Tribunal). Para tanto, elabora o seu conceito e validade do Direito a partir da conjugação dos elementos da legalidade conforme o ordenamento jurídico, da eficácia social e, ao final, de uma correção material que chamará de pretensão de correção.

Assim, o ponto central sobre a relação entre Direito e Moral em Alexy se dá a partir da incorporação de direitos fundamentais ao sistema jurídico, uma vez que se trata de enunciados com uma vagueza semântica maior que a das meras regras jurídicas. Desenvolve, assim, uma teoria dos direitos fundamentais que tem como uma de suas características centrais a noção de que nos casos em que o litígio jurídico pode ser resolvido pela mera previsão de uma regra, aplica-se a técnica da subsunção (casos fáceis); no entanto, devido à abertura semântica das normas de direitos fundamentais, o autor acrescentará a noção de que estes se tratam de princípios com natureza de mandamentos de otimização, tendo em vista que podem entrar em colisão e, para resolver o conflito, deve o intérprete recorrer a uma ponderação (nos casos difíceis).
O sopesamento (ponderação), através do que Alexy chamará de máxima da proporcionalidade, será o modo que o autor encontrará para resolver os conflitos jurídicos em que há colisão de princípios [atenção, juristas de Pindorama: é colisão de princípios e não, genericamente, de NORMAS] sendo um procedimento composto por três etapas: a adequação, necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito [atenção juristas pindoramenses: há um PROCEDIMENTO composto por três etapas]. Enquanto as duas primeiras se encarregam de esclarecer as possibilidades fáticas, a última será responsável pela solução das possibilidades jurídicas do conflito, recebendo do autor o nome de lei do sopesamento (ou da ponderação) que tem a seguinte redação: “quanto maior for o grau de não-satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a importância da satisfação do outro”.
Recorrendo ao simbolismo lógico, o autor vai elaborar, então, a sua “fórmula do peso”, uma equação que representa a máxima da proporcionalidade em sentido estrito e através dela permitir ao intérprete atribuir graus de intervenção e importância (leve, moderado ou sério-forte) a cada um dos princípios a fim de estabelecer qual prevalecerá [atenção, Pindorama: entenderam como é “simples” isso?]. A resposta obtida pela ponderação  resultará numa norma de direito fundamental atribuída[2](zugeordnete  Grundrechtnorm) que, fruto da resolução dessa colisão, será uma regra aplicada subsuntivamente ao caso concreto (e que servirá para resolver também outros casos). Aliás, levada a ferro e fogo, em Alexy sempre haverá subsunção (tanto nos casos fáceis, resolvidos por regras, como nos casos difíceis, quando ao final é uma regra atribuída que será aplicada também por subsunção). Entretanto, Alexy reconhece que os direitos fundamentais não são passíveis de serem logicamente refinados a ponto de excluir impasses, admitindo, de fato, que há uma discricionariedade interpretativa, tanto do Judiciário como do Legislativo, para chegar ao resultado do impasse.
Refutando a objeção de que a tal ponderação seria um procedimento realizado de forma precipitada ou que consistiria em uma “fórmula vazia”, Alexy sustenta que mesmo que a ponderação não estabeleça um parâmetro pelo qual se termine com a discricionariedade, ela oferece um critério racional ao associar a lei de colisão que deverá ser conjugado com uma teoria da argumentação jurídica racional que inclui uma teoria da argumentação prática geral. Essas considerações fazem Alexy assumir uma teoria do discurso jurídico não apenas analítica, mas também normativa, uma vez que não se restringe à análise formal da estrutura lógica das proposições em questão, marchando em direção da busca por “critérios para a racionalidade do discurso”.
Dessa forma, tendo em vista que a argumentação jurídica depende de argumentos do discurso prático geral, a sua incerteza não pode nunca ser eliminada por completo, ainda que ocorra sob “condições que elevam consideravelmente seus resultados”. Alexy conclui que “a racionalidade da argumentação jurídica, na medida em que é determinada pela lei, é por isso sempre relativa à racionalidade da legislação”, encontrando seus limites no âmbito de um ordenamento jurídico que pressupõe como válido um conceito de Direito vinculado a uma Moral que atua como pretensão de correção de forma a impedir situações de notória injustiça. Peço desculpas, mas tinha que explicar isso, para mostrar a complexidade da TAJ, da qual a ponderação é um dos componentes fulcrais.
Pronto. Entenderam? Pois então, me digam: É disso que trata o novo CPC? Ou é de uma ponderação tupiniquim de que fala o legislador? Uma ponderação fake? Uma gambiarra hermenêutica? Uma ponderação “tipo-o-juiz-escolhe-um-dos-princípios-ou-regras-em-colisão” e...fiat lux, eis-aí-o-resultado-ponderativo? Parece, assim, que a ponderação do novo CPC está a quilômetros-luz do que propõe Alexy (e também à mesma distância da ponderação inventada originalmente no inicio do século XX por Philipe Heck, na sua Jurisprudência dos Interesses).
Precisamos resolver esse problema
Vamos falar a sério e admitir que o legislador não se houve bem? É melhor falarmos disso antes que os juízes levem a sério esse dispositivo e comecem a fazer aquilo que foi um dos ingredientes do caos em que se encontra a operacionalidade do direito, a ponto de, no julgamento do famoso caso Elwanger, dois ministros do STF terem dito que lançaram mão da ponderação (sim, essa mesma “ponderação” de que trata o novo CPC) e...chegaram a resultados absolutamente discrepantes: em nome da ponderação um concedia a ordem de Habeas Corpus e o outro não.

Ainda há tempo de a presidente Dilma vetar o parágrafo do dispositivo (por óbvio, mantendo a excelência do restante, que constitui um avanço). Se o aludido parágrafo 2º for sancionado, preparemo-nos para o risco da institucionalização do amplo poder discricionário, que vai na contramão do artigo 93, X, da CF e do dispositivo que determina que a jurisprudência seja estável, coerente e íntegra e daquele que diz que as partes não podem ser surpreendidas (artigo 10), e que só poderá ser corrigido pelo respeito ao processo constitucional.
O malsinado dispositivo servirá para que o juiz ou tribunal escolha, de antemão, quem tem razão, ideológica-subjetivamente. Por exemplo, em caso de a amante buscar metade da herança, poderá dizer (lembremos do TJ-MA): há um conflito entre normas (entre o Código Civil e o principio da afetividade) e poderá decidir, ponderando, contra a lei e a Constituição; ou, como denuncia Sergio Barroso de Mello (ver aqui), em ações de seguro, “juízes ignoram códigos”, porque escolhem “a questão social” (ou seja, basta ao juiz dizer que há um conflito entre normas e, bingo!, estará ponderando e decidindo conforme o novo CPC). Será que isso que queremos?
Ou seja: de um lado, ganhamos excluindo o livre convencimento do novo CPC; de outro, poderemos perder, dando poderes ao juiz de dizer: aqui há uma colisão entre normas (quando todos sabemos que regras e princípios são normas); logo, se o juiz alegar que “há uma colisão entre normas” (sic), escolhe a regra X ou o princípio Y. Bingo: e ali estará a decisão. E tudo começará de novo. Teremos perdido 20 anos de teoria do direito.
Por isso, o meu brado: — Presidente Dilma: esse parágrafo segundo é um desastre. Jamais poderia ter sido aprovado. Ele pode ser vetado (portanto, expungido) sem prejudicar o resto do excelente artigo 487. Ao contrário. Aprimora-o. Observe-se que, por si só, já é de duvidosa cientificidade a expressão “colisão de (ou “entre” – sic) normas”. O sopesamento de que fala Alexy nem de longe é o balancing de que fala Dworkin. Ele e Alexy não tem nada a ver. Logo, há, aqui, um grave equívoco teórico. Quem disse que a ponderação (seja lá o que o legislador quis dizer com essa expressão) é necessária? Por exemplo, é possível demonstrar que essa história de colisão não passa de um álibi retórico para exercer a escolha arbitrária. Posso demonstrar que onde se diz existir uma “tal” colisão, na verdade o que existe é apenas um artifício para exercitar uma “livre escolha”. Jusfilósofos como Juan Garcia Amado ironizam essa “manobra pseudo-argumentativa” que é lançar mão da ponderação. O caso Elwanger é um bom exemplo, em que nada havia a “ponderar” (o melhor texto sobre isso é de Marcelo Cattoni): bastava aplicar a lei que dizia que racismo é crime hediondo. Na verdade, posso demonstrar que o argumento da “colisão” sempre chega atrasado.[3] Sempre.
E que história é essa de premissas fáticas que fundamentam a conclusão? Quer dizer que o juiz primeiro decide e depois busca a fundamentação? É assim, é? E colocamos isso na lei? Ora, isso não se sustenta por trinta segundos de discussão filosófica. Acreditar que o juiz primeiro conclui e depois busca as “premissas fáticas” é recuar no tempo em duzentos anos. É confessar que ele é livre para decidir e que a fundamentação é apenas um ornamento. Mais ainda — para explicar isso de forma mais sofisticada — é cair na armadilha do dilema da ponte trabalhado por mim em Verdade e Consenso: como é possível que eu atravesse o “abismo gnosiologico do conhecimento” para, ao chegar do outro lado (conclusão), voltar-para-construir-a-ponte-pela-qual-acabei-de-cruzar. Ou seja, é uma aporia. Um dilema sem saída. Sem solução.
Insistindo: dizer que primeiro busca a conclusão e depois vai à procura do fundamento é confessar que nesta parte (parágrafo 2º do artigo 487) o NCPC continua refém de um paradigma filosófico ultrapassado (desculpem-me insistir nisso, mas direito é um fenômeno complexo): a filosofia da consciência e/ou a suas vulgatas voluntaristas. Não se interpreta para compreender, mas, sim, se compreende para interpretar (por mais que isso irrite uma legião de néscios e protonéscios aqui da ConJur e fora dele, em que, a cada texto mais sofisticado meu, alguns dizem até que vão se mudar do Brasil ou que não leem até o final  boa viagem e boa sorte; ou os que dizem que eu critico e não apresento solução; ora, a sugestão de veto do aludido parágrafo é uma solução; a emenda da retirada do livre convencimento é uma solução; a teoria da decisão que está em Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica é uma solução; as seis hipóteses em que um juiz pode deixar de aplicar uma lei é uma solução, para dizer o menos). Quero dizer, em síntese, que não gostaria que o Brasil fosse motivo de comentários jocosos no mundo, ao ser o único país que colocou uma tese ou teoria (pela metade, na verdade, uma vulgata do original) no texto de seu CPC. 
Portanto, presidente Dilma, salve o CPC. Vete esse parágrafo do dispositivo. Eu ajudo a fazer a justificativa. De forma republicana. Em síntese, além de tudo o que foi dito acima, o dispositivo é contrário ao interesse público, por dez razões:
I - Há lesão à segurança jurídica uma vez que favorece um relativismo interpretativo  lembremos, aqui, da Katchanga Real  que tenderia a produzir decisões díspares sobre a mesma matéria, algo que é rechaçado por outros dispositivos do próprio projeto do novo CPC.
II - Colisão (de  ou entre  normas) não é um conceito despido de intenções teóricas prévias. É diferente de alguns consensos que já temos, como a garantia da não surpresa, o respeito à igualdade e a coerência que devem ter as decisões, etc. A ponderação ainda depende do esgotamento de um debate teórico, circunstância que prejudica sua colocação em um texto de lei nestes moldes.
III – Portanto, não é aconselhável ao legislador conferir status legislativo a questões polêmicas como essa (novamente, há risco de lesão à segurança jurídica). Para termos uma ideia de que “ponderação” é um conceito absolutamente ambíguo e despido de clareza, consultado o Google  o amansa-nescio pós-moderno que dá uma boa amostra do que os juristas estão pensando e escrevendo  lê-se, por exemplo, tudo colocado entre aspas (quando a pesquisa é mais exata): ponderação tem 593 mil resultados; princípio da ponderação tem 42.880; regra da ponderação, 11.770; ponderação de valores, 67.700; colisão de normas, 25.000. Mesmo admitindo que a maioria dos alimentadores do Google não sejam versados (o Google não discrimina néscios), a-torre-de-babel-aponta-para-o-que-está-por-vir (e que não será um porvir!). Veja-se: ponderação, nos termos originais, é uma regra e não um princípio, até porque ela é o resultado  complexo  de uma colisão de princípios. Pois é. No Google, ponderação como princípio aparece com quase quatro vezes mais de indicações. Há: vi um texto no Google que me assustou, indicando a algaravia em que nos encontramos: uma colisão de princípios pode ser apresentada como uma colisão de regras e toda colisão de regras como uma colisão de princípios.
IV – No Brasil, enquanto o NCPC fala em “colisão entre normas” a serem ponderadas, há inúmeros autores que falam em ponderação de valores, de interesses, de princípios, de regras, de bens. Afinal, o que é isto  a ponderação?
V - Não existe ponderação de normas; o termo “norma” é equivocado, porque engloba regras e princípios;
VI - Se em Alexy não há aplicação direta de princípios, como que o juiz poderá dizer que, entre dois princípios, escolheu um?
VII - Ainda que se desconsiderasse o debate teórico em torno do conceito de colisão, a teoria que defende sua possibilidade de aplicá-lo somente para um tipo de norma (os princípios), a outra espécie normativa - as regras -  tecnicamente, não colidem, porque conflitam. Assim, em caso de conflitos entre regras, o resultado de sua equalização será uma determinação definitiva da validade de uma sobre a outra. Já no caso dos princípios, a prevalência de um sobre o outro em um caso concreto não implica seu afastamento definitivo para outros casos (seria possível dizer que, nesse caso, estamos para além da determinação da validade, investigando-se a legitimidade). Se todas as normas lato senso puderem colidir, perderemos o campo de avaliação estrito da validade, algo que, novamente, prejudica a segurança jurídica.
VIII - O que fazer se não estiver justificada a ponderação? Anular a decisão? Mas, o que quer dizer “justificar a ponderação”? Existe “justificar a ponderação”? Veja-se o imbróglio: o CPC diz que o juiz  e, consequentemente, os tribunais, inclusive o STF   devem fazer uma coisa que ninguém sabe o que é e se soubessem, seria inviável, porque o enunciado ficaria sem sentido.
IX -  Como no original de Alexy a ponderação é para colisão de princípios e isso se dá apenas nos casos difíceis e como o NCPC diz que a ponderação será feita sempre que existir colisão de normas (sic), tem-se que, no NCPC, caberá ponderação mesmo nos casos fáceis, bastando que ele, juiz, entenda haver a tal “colisão de normas” (ora, façam-me o favor, isso é patético).
X - Como tudo na vida envolve também a política e a teoria da democracia, estes aspectos também não podem ficar de fora. Há montanhas de livros e ensaios a criticarem o judiciário por seu ativismo, especialmente quando se substitui ao legislador. Outra montanha de livros defende que a ponderação nada tem a ver com substituição do legislador, e juízes e tribunais estariam certos ao recorrer à ponderação. Os primeiros tinham razão: com este dispositivo do NCPC, os juízes e tribunais podem, autorizados pela própria leia  o que mais surpreende  substituir-se ao legislador. Pronto: dilema resolvido, com a democracia, claro, fora da festa.
Numa palavra final:
Ao que vi, se não for vetado, não há interpretação conforme (verfassungskonforme Auslegung) que salve esse frankenstein jurídico. Trata-se de uma gangrena epistêmica. Só amputando. Desculpem-me os defensores da ponderação (e há juristas muito sérios[4] que a defendem), mas penso que nem eles estão concordando com esse parágrafo. Portanto, também a eles peço apoio.

Portanto: Veta, presidente. Veta esse parágrafo que fala da ponderação! Antes que os juristas se matem, em um autêntico armagedom jurídico-epistêmico! E antes que nossa teoria do direito pague esse “mico” para o restante do mundo.
Post scriptum: se ao fim e ao cabo disseram que a tal “ponderação do NCPC” não é aquilo que se vem falando do que seja a “ponderação”, fica a pergunta: então por que não substituem a palavra ponderação por “escolha”, “discricionarismo”, “consciência do julgador”...ou, simplesmente, coloquem qualquer palavra no lugar, por exemplo, “canglingon”. Não vai mudar nada mesmo. Do jeito que está, é a porta para a arbitrariedade interpretativa. Meia volta, volver!
Texto alterado às 12h06 desta sexta-feira (9/1) para correção de informação. No texto consolidado 
com os ajustes promovidos pela Comissão Temporária do Código de Processo Civil o artigo mencionado no texto deixou de ser o 486 e passou a ser o 487.

[1] Posso, aqui, usar até um adversário de Gadamer, E.D. Hirsch Jr (inValidity in Interpretation. New Yor, Yale University Press, 1967, pp. 70 e segs), para dizer que um conceito compartilhado pode unir a particularidade do significado com a sociabilidade da interpretação. Com isso, fica difícil dizer que a palavra “ponderação” nada tem a ver com Alexy.
[2] Roberto Ludwig (ver nota 4) traduz como “norma de direito fundamental associada”.
[3] Tenho muito medo que a tal “ponderação” do NCPC se transforme em escolhas do tipo que o então Prof. Luis Roberto Barroso contou em palestra (ler aqui). Na ocasião, para indicar o que, para ele, é a saída ideal em situações de conflito de interesses, valores ou normas, Barroso contou uma anedota envolvendo "um amigo que comprou um Opala e resolveu testar a potência do carro". Ao chegar em uma cidade, em alta velocidade, o tal amigo se deparou com um cortejo fúnebre pela frente. "Ao ver que não conseguiria frear a tempo, pensou: 'vou mirar no caixão”. Guardado o lado anedótico, no fundo é assim que a ponderação a la brasileira vem sendo feita. Faz-se uma escolha. Como se decisão fosse escolha. Como se estivesse na esfera do juiz escolher. Como se a lei e os fatos estivessem a sua disposição. Por isso, mira-se no caixão.
[4] Para termos uma ideia da complexidade da ponderação alexiana, Roberto Ludwig escreve um denso e relevante livro de 616 páginas para explicar A Norma de Direito Fundamental Associada (SAFE, 2014); Anisio Gavião escreve um não menos denso livro sobre Colisão de Direitos Fundamentais (Livraria do Advogado, 2011); Virgilio Afonso da Silva, além de traduzir a Teoria dos Direitos Fundamentais de Alexy, escreve importante obra sobre Teoria da Argumentação; além disso, há dezenas de dissertações e teses doutorais sobre ponderação, com várias opiniões sobre o assunto; sem contar artigos que se baseiam em Alexy, como escritos por Luis Roberto Barroso, Ana de Paula Barcellos, Daniel Sarmento; veja-se também o importante debate travado entre André Karam Trindade, Rafael Tomás de Oliveira, Fausto de Moraes com dois adeptos da ponderação alexiana, Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno e Júlio Aguiar de Oliveira. Diante disso tudo, como colocar a ponderação no CPC?

 é jurista, professor, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.
Revista Consultor Jurídico, 8 de janeiro de 2015, 8h00

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Brasil decide futuro com base no Direito Penal do Inimigo

FINS E MEIOS

Brasil decide futuro com base no Direito Penal do Inimigo




Direito Penal do Inimigo é uma teoria assentada em três pilares: antecipação da punição; desproporcionalidade das penas e relativização e/ou supressão de certas garantias processuais; e criação de leis severas direcionadas a quem se quer atingir (terroristas, delinquentes organizados, traficantes, criminosos econômicos, dentre outros).
Seu criador, o alemão Günther Jakobs definiu “inimigo” como alguém que não se submete ou não admite fazer parte do Estado, e por isso não deve usufruir do status de cidadão, ou seja, pode ter seus direitos e garantias relativizados. O professor de Direito Penal Rogério Greco resume: o Direito Penal do Inimigo tem sido usado com a finalidade de aplicar penas privativas de liberdade, com a minimização das garantias necessárias a esse fim.
Greco (foto) desenha um itinerário: primeiro, o clima propício de uma sociedade exausta diante da insegurança e amedrontada ou indignada, com ganas de vingança. A sensação, captada pela mídia, desloca o debate do Direito das mãos dos profissionais para o microfone de apresentadores de programas de entretenimento ou jornalistas que passam a exigir leis mais duras, recrudescimento de penas e redução do amplo direito de defesa dos acusados.

Uma vez instalado esse cenário, personagens que, em condições normais de temperatura e pressão, seriam relegados ao anonimato, dão o suposto respaldo técnico que os leigos precisam para legitimar a finalidade pretendida: a condenação sumária de suspeitos. A revista eletrônicaConsultor Jurídico já apontou atitudes de defensores de tal postura no Brasil, como os ex-ministros Joaquim Barbosa e Eliana Calmon. O argumento simplificador de que a sociedade pode ficar livre da parcela de indivíduos não adaptados eleva seus defensores à condição de celebridades instantâneas. Opor-se a eles implica ser visto como defensor do crime.
Os exemplos não são apenas brasileiros. O juiz espanhol Baltazar Garzón também ficou conhecido por arrumar meios ilegais para chegar aos seus fins: prender quem ele acreditava ser culpado. Isso até ser ele próprio ser condenado por abuso de poder e excluído da magistratura por 11 anos, após ordenar escutas telefônicas entre políticos acusados de corrupção e seus advogados.
O discurso agrada ao grande público e é replicado por quem quer dizer que atende aos anseios da sociedade. Em sua posse, no último dia 1º, a presidente da República, Dilma Rousseff, afirmou claramente que partirão do próprio Poder Executivo federal projetos para endurecer as penas, em nome do combate à corrupção. Como a Rainha de Copas do livro Alice no País das Maravilhas bradava “cortem-lhe a cabeça”, dirigindo-se a acusados que ainda seriam julgados, a presidente (foto) repete que precisamos de “penas mais duras e julgamentos mais rápidos”.

A noção de que punições mais duras diminuem o volume de crimes é rebatida pelo criminalista Eduardo Myulaert. Em recente artigo publicadopela ConJur, ele aponta que a impunidade, talvez o maior fator de estímulo à violência, “decorre da incapacidade do Estado, que não consegue imprimir a eficácia necessária aos serviços de prevenção, investigação, julgamento em tempo hábil e, ainda mais, de administração penitenciária”.
Noves fora
A dialética impõe que, em nome do interesse público, nenhuma ideia seja deixada de lado. Tanto mais quando se trata de proteger a sociedade da corrupção, do terrorismo, do tráfico de drogas e da criminalidade em geral. O problema é saber se o rebaixamento do direito de defesa aperfeiçoa, de fato, o sistema jurídico.

Nos Estados Unidos, a adoção da chamada Lei Patriótica (Patriot Act), marco legal que legitimou ações contra terrorista, eliminou ou reduziu garantias individuais e direitos fundamentais não só de americanos mas até de chefes de Estado de outras nações. Em que medida o terrorismo recuou, ainda é preciso esperar para saber.
Na Itália, onde se deu o exemplo mais famoso de combate sem freios ao crime organizado, fala-se muito da desarticulação da máfia pela operação mãos limpas, ou mani pulite. Mas pouco se diz dos seus bastidores e do custo da empreitada. Omite-se, por exemplo, que a campanha foi deflagrada por uma disputa entre grupos políticos. E que alguns de seus idealizadores foram ceifados pelos mesmos crimes que atribuíam a seus algozes — como o inventor da guilhotina na Revolução Francesa.
Sobre a mani pulite, o professor e advogado Leonardo Isaac Yarochewsky (foto) aponta que a operação foi inicialmente aclamada pela população italiana, ganhou espaço na crítica ante os abusos cometidos pelo Ministério Público e pelos juízes, especialmente “pelos exageros apontados nos encarceramentos preventivos, tanto que a operação passou a ser apelidada pela imprensa de ‘operação algemas fáceis’”. Ali, diz o professor, “iniciava-se um embate entre os operadores do Direito, divididos entre o argumento de combate à criminalidade e do respeito às garantias fundamentais”.

Se essa divisão apontada por Yarochewsky se faz em todo o mundo jurídico, vale destacar a posição do juiz federal Sergio Moro — que ganhou os holofotes ao conduzir as ações decorrentes da recente operação “lava jato” — sobre a operação italiana aponta o lado que ele tomou para si. Em artigo publicado em 2004, o juiz elogia a atuação da Justiça italiana, na operação que, segundo muitos, tirou crédito da Justiça do país. Segundo ele, foi “uma das mais exitosas cruzadas judiciárias contra a corrupção política e administrativa”.
Moro, que é acusado por advogados de ter prendido os empresários da operação “lava jato” apenas para pressioná-los a fazer delações, já havia se posicionado sobre a questão:  “A prisão pré-julgamento é uma forma de se destacar a seriedade do crime e evidenciar a eficácia da ação judicial, especialmente em sistemas judiciais morosos. Desde que presentes os seus pressupostos, não há óbice moral em submeter o investigado a ela”.
O juiz, aliás, é só elogios ao instituto da delação premiada. “Um criminoso que confessa um crime e revela a participação de outros, embora movido por interesses próprios, colabora com a Justiça e com a aplicação das leis de um país. Se as leis forem justas e democráticas, não há como condenar moralmente a delação; é condenável nesse caso o silêncio”, diz em seu artigo.
O próprio vazamento seletivo de informações sobre investigados é aplaudido pelo magistrado. Na sua visão, o “uso da imprensa” por juízes e MP serve para combater a “manipulação da imprensa” pelos acusados. “Os responsáveis pela operação mani pulite ainda fizeram largo uso da imprensa. Com efeito: “Para desgosto dos líderes do PSI, que, por certo, nunca pararam de manipular a imprensa, a investigação da ‘mani pulite’ vazava como uma peneira. Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no L’Expresso, no La Republica e outros jornais e revistas simpatizantes. Apesar de não existir nenhuma sugestão de que algum dos procuradores mais envolvidos com a investigação teria deliberadamente alimentado a imprensa com informações, os vazamentos serviram a um propósito útil. O constante fluxo de revelações manteve o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva.”
Quanto à possibilidade de o vazamento a conta-gotas das informações causarem danos à honra de acusados, Moro (foto) tem uma solução simples: “Cabe aqui, porém, o cuidado na desvelação de fatos relativos à investigação”.

O fato de a operação mãos limpas ter quebrado a economia italiana e deixado o país em um vácuo político que culminou com a ascensão de Silvio Berlusconi — amigo próximo de Bettino Craxi, principal réu da mani pulite — não são vistos como erros da operação. O problema é dos outros, diz Moro. “Talvez a lição mais importante de todo o episódio seja a de que a ação judicial contra a corrupção só se mostra eficaz com o apoio da democracia.”
Advogados grampeados

As posições polêmicas do juiz, que ganha as manchetes como quem está decidindo o futuro do país em relação ao direito de defesa, não vêm apenas em suas decisões na famigerada “lava jato” ou nas suas opiniões sobre a operação italiana. Em 2010, a Ordem dos Advogados do Brasil do Paraná entrou com uma representação contra uma decisão de Sergio Fernando Moro e do juiz Leoberto Simão Schmitt Jr. que determinou que todas as conversas entre advogados e presos na Penitenciária Federal de Catanduvas fossem interceptadas, “independente da existência de indícios da prática de infração penal pelos defensores”.

A decisão, acusou a OAB-PR, generaliza de modo absolutamente injustificado uma suspeita em relação a todos os advogados dos presos daquela unidade. “De outro lado, os argumentos manejados para justificar a extrema medida são visivelmente improcedentes, na medida em que o monitoramento não se estende às autoridades públicas, membros do MPF, Juízes e Defensores Públicos, criando, assim, uma injustificável discriminação aos advogados privados”.
O monitoramento não incluía defensores públicos, autoridades públicas e membros do Ministério Público e do Poder Judiciário, porque, segundo o juiz federal Sérgio Moro, eles “não estão sujeitos a cooptação com os criminosos”, por não terem “vínculo estreito” com os detentos e poderem não retornar mais ao presídio em caso de pressão das organizações.
Clique aqui para ler o artigo de Sergio Moro sobre a operação mani pulite.

 é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.


Revista Consultor Jurídico, 5 de janeiro de 2015, 16h11

Acessado e disponível na Internet em 06/01/2015 no endereço -
http://www.conjur.com.br/2015-jan-05/brasil-decide-futuro-base-direito-penal-inimigo

Lei nº 13.064_2014 Cria o cargo de Agente Policial de Custódia no DF

Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
 
Altera a nomenclatura do cargo de Agente Penitenciário da Carreira de Polícia Civil do Distrito Federal, de que trata a Lei no 9.264, de 7 de fevereiro de 1996, para Agente Policial de Custódia.
 A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
 Art. 1o Os atuais cargos de Agente Penitenciário que compõem a Carreira de Polícia Civil do Distrito Federal passam a ser denominados Agente Policial de Custódia.
 Art. 2o A Lei no 9.264, de 7 de fevereiro de 1996, passa a vigorar com as seguintes alterações:
         “Art. 3º A Carreira de Polícia Civil do Distrito Federal fica reorganizada nos cargos de Perito Criminal, Perito Médico-Legista, Agente de Polícia, Escrivão de Polícia, Papiloscopista Policial e Agente Policial de Custódia.” (NR)
     “Art. 3º-A.  Os servidores ocupantes dos cargos de Agente Policial de Custódia passam a ter lotação e exercício nas unidades que compõem a estrutura orgânica da Polícia Civil do Distrito Federal, mediante designação de seu Diretor-Geral.
 § 1o Para os fins do disposto no caput, a apresentação dos servidores ao Diretor-Geral da Polícia Civil do Distrito Federal deverá ocorrer no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da data de publicação desta Lei.
 § 2o As atividades dos servidores ocupantes dos cargos de Agente Policial de Custódia, no âmbito da Polícia Civil do Distrito Federal, deverão estar relacionadas às atribuições daquele cargo público.
 § 3o No caso de servidores afastados ou licenciados, no momento da publicação desta Lei, por período superior ao estabelecido no § 1o, as lotações serão alteradas automaticamente pela unidade administrativa competente.
 § 4o O servidor de que trata o § 3o deverá, no momento de seu retorno à atividade, apresentar-se ao Diretor-Geral da Polícia Civil do Distrito Federal.”
 Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
 Brasília, 30 de dezembro de 2014; 193o da Independência e 126o da República.
 DILMA ROUSSEFFJosé Eduardo Cardozo
Miriam Belchior

 Este texto não substitui o publicado no DOU de 31.12.2014