"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Em Pindorama, furtar R$ 100 é mais grave que sonegar R$ 19.999!

SENSO INCOMUM

Em Pindorama, furtar R$ 100 é mais grave que sonegar R$ 19.999!



caricatura lenio luis streck 02 [Spacca]
Bem jurídico-constitucional?

Antes, uma advertência: a coluna não está sendo escrita para polemizar com a autoridade x ou y ou criticar stricto sensu uma dada decisão (existem centenas de decisões desse jaez). A decisão sob comento é apenas um pano de fundopara uma análise da questão maior que é a isonomia e a ausência de uma teoria do bem jurídico constitucional em nosso país. Por isso, afasto desde logo qualquer perspectiva de fulanização.

Sigo, então. Um ano após a Constituição de 1988 escrevi um artigo na antiga Revista do Instituto de Direito (ID) sustentando que o novo paradigma constitucional necessita de uma filtragem hermenêutica. Dizia então que, por exemplo, não era mais possível que os delitos de sonegação de tributos tivessem um tratamento tão generoso se comparados aos delitos cometidos pelo andar de baixo como o furto, apropriação e estelionato. Já escrevi bastante sobre isso aqui.
Não que eu quisesse que se arrebentasse com os sonegadores. O que eu queria era que fosse apenas aplicada a isonomia e a equanimidade. Por que o agente que pratica furto tem tratamento mais gravoso que o que sonega tributos?
Ainda em 1996 — assumindo o cargo de Procurador de Justiça junto ao TJ-RS emiti parecer que foi integralmente transcrito no voto do relator de uma apelação criminal em que opinei pela extinção da punibilidade da prática de um furto, fundamentado no princípio constitucional da isonomia, apontando que deveria a patuleia receber o mesmo benefício dado ao sonegador fiscal pelo artigo 34 da lei 9.249/95 (leia aqui). Vejam: no caso, nem houve a devolução espontânea. Já dizia eu  há quase 20 anos atrás que isso era irrelevante (o artigo e o acórdão explicam as razões disso). Depois continuei sustentado a tese, aplicada até mesmo em casos de estelionato (íntegra aqui) em que ficou constatada ausência de prejuízo ou devolução do valor. Isonomia é para todos, pois não?
Novas invenções jurídicas

Pois parece que a sonegação de tributos é a menina dos olhos de quem pratica a tese em terrae brasilis do enunciado La ley es como la serpiente; solo pica al descalzos. Iria colocar a frase no título da coluna. Mas o Conjur não quer títulos em outra língua.

Sim, ao lado da absurda discrepância entre o tratamento dado ao furto sem prejuízo e à possibilidade de pagamento do tributo pelo sonegador mesmo após o transito em julgado (sim, há caso de extensão do favor legis, com parecer favorável do MPF , em um caso envolvendo o grande filósofo contemporâneo Marcos Valério  — Recurso Especial 942.769 ler aqui), surgiu outro favor aos sonegadores, agora não mais por lei inconstitucional e, sim, por Portaria.
Magnífico. Uma Portaria do Ministério da Fazenda tem o poder de descriminalizar condutas (aliás, na AP 470, uma Circular do Banco Central absolveu um dos acusados, ao “descriminalizar” a conduta!). Também já denunciei isso em várias oportunidades. Leio agora que a Justiça Federal de segundo grau (TRF) decidiu que não cabe ação penal nas hipóteses em que o valor sonegado é inferior a R$ 20 mil. Diz o Poder Judiciário federal que, em face da Portaria 75/2012, não cabe acolher denúncia sobre sonegação, mesmo que, com os juros e multa, a cobrança feita pelo órgão de recolhimento (Poder Executivo) ultrapasse a quantia mínima prevista na norma. E concedeu liminar em Habeas Corpus suspendendo o curso da ação penal que o Ministério Público Federal moveu contra sócios de uma empresa por não recolherem R$ 17.993,95 em Imposto de Renda (crime previsto no artigo 2°, II, da Lei 8.137/90).
Enquanto isso, nos quatro cantos do país, milhares — e põe milhares nisso de patuleus são processados por crime de furto de merrecas, sendo que sequer até hoje conseguimos firmar uma doutrina sobre o princípio da insignificância. Para alguns, aliás, ele nem existe (como se viu na prova de Concurso para o MP de MG). Pior: são processados furtadores de ninharias e condenados aos borbotões. Já se for sonegação, a coisa muda de figura, porque existe uma portaria do Ministério da Fazenda a ser (ab)usada. Minha pergunta: não dá para fazer uma Portaria a favor de quem furta? Ou o furto é crime mais grave que sonegação de tributos? Houve um tempo em que, como estavam fazendo Refis para sonegadores (ainda continuam fazendo) e com isso escapavam do crime, propus que se fizesse um Refis-para-a-patuleia. Dar a oportunidade para o ladrão de botijão de gás pagar a res furtivae em suaves prestações (bancadas pela Viúva e pelo BNDES).
De todo modo, talvez isso seja assim porque nenhum de nós, do andar de cima, tem amigos ladrões. No máximo, temos amigos sonegadores e lavadores, disfarçados no meio das festas que frequentamos. Questão de classe social (ou de estamentos, diria Faoro). Ninguém diz: “— Ah, meu amigo foi processado por ter furtado um botijão de gás”. Isso é para a gente que não usa botas. Nós, que usamos cano longo (Sete Léguas), estamos imunes a isso. Mas há várias situações do tipo: “ Ah, um amigo acaba de receber habeas corpus porque sonegou tributos, mas ficou ao abrigo de uma Portaria do Ministério da Fazenda”. Bingo!
Qual é o recado que o Estado (lato sensu) dá? Tributos até R$ 20 mil não vale a pena pagar, por duas razões: a uma, o governo não cobrará, porque não vale a pena; a duas, porque, se não vale a pena cobrar, também não vale a pena processar criminalmente; é o que se chama “insignificância diferida” ou “insignificância por efeito colateral”. Uma pergunta: está sobrando dinheiro no governo federal? Os procuradores que tratam disso não se insurgem? Lembro a todos que no Brasil tem uma coisa  que pode até não ter importância  que se chama Constituição. E tem outra coisa chamada “controle difuso”. E mais ainda: ninguém é obrigado a cumprir ordens flagrantemente ilegais. E a tal Portaria o é, pois não? Queria ver uma Portaria do Ministério da Justiça dizendo que furtos quetais não deveriam ser perseguidos... Todos diriam: céus, que inconstitucionalidade. Pois é!
Insisto: Que poderoso “legislador” que é esse Ministério da Fazenda deterrae brasilis... Emite uma Portaria para otimizar as cobranças da Viúva e o Judiciário pega a diretiva e a aplica para descriminalizar condutas. A questão é saber se isso é constitucional, se não fere a isonomia, a relação entre os poderes e a legalidade... Isso para dizer o mínimo. Para mim, há uma grave inconstitucionalidade. Ou mais de uma.
Para sofisticar um pouco: se não há inconstitucionalidade pelo aspecto mais ortodoxo, quem sabe uma inconstitucionalidade pelo viés da proibição de proteção insuficiente do bem jurídico (a Untermassverbot)? Não estaria o Judiciário protegendo de forma insuficiente um bem jurídico e, ao mesmo tempo, “protegendo em demasia” (Übermassverbot  princípio da proibição de excesso) os casos de furto?
Isonomia: eu quero uma para viver!

Fica aqui minha reflexão em relação a isso. Até nem quero que parem de aplicar a Portaria em favor dos sonegadores, descaminhantes e contrabandistas. Apenas quero que se lembrem dos choldreus que respondem por furtos cujos valores, por vezes acima de R$ 100, 200 ou 250, já nem tem direito à insignificância (ler aqui). E se devolver a res furtivae, não é aplicado ao furtador o favor legis da Lei que prevê que o pagamento do tributo sonegado até a denúncia (e a jurisprudência espichou isso para mais longe, como vimos acima) está isento do crime. Isonomia: eu quero uma para viver, para parafrasear uma música do Cazuza. Ou se dá benesse para todos ou para ninguém. Simples assim! Doa a quem doer.

Post scriptum 1: para os críticos de plantão e que sempre escrevem contra, independentemente do conteúdo da coluna, aviso que trabalho nisso desde 1988; não “descobri a pólvora” ontem ou anteontem. Obedeço a mim mesmo: coerência e integridade, aliás, na linha de uma de minhas emendas que vingou no novo CPC (artigo 924).
Post scriptum 2: Sim, sei que há inúmeros casos de pequenos sonegadores, assim como pequenos furtadores. Não é disso que se trata. Falo apenas da equanimidade que deve ter o legislador e o aplicador da lei. Fairness: eis a palavra!
Post scriptum 3: Não, nada mais me surpreende. Leio nos jornais que o doleiro Youssef pode ter lucro de até R$ 10 milhões com a delação-bota-premiada-nisso. Fantástico, não? (Sim, sei que houve desmentido — parte do dinheiro do “prêmio” iria para as filhas e a outra é para descontar da dívida; mas que é prêmio, é).1 Em relação à pena: o doleiro pegaria 250 anos e se reduz para 3. Qual seria a criteriologia para um acordo que reduz uma pena de 250 para 3 (ou 5)? Essa pena é igual a uma que um furtador de chocolates recebeu aqui no RS há poucos dias. Bom: ele não tinha direito à delação. Azar dele. Isonomia...

1 Reproduzo nota do MPF: “4. O acordo apenas prevê o abatimento do valor da multa, limitado ao valor de um de seus imóveis, na proporção de dois por cento dos valores e bens que o acusado vier a auxiliar com exclusividade na localização; 5. O abatimento será limitado ao valor de um de seus imóveis, que será avaliado/leiloado ao final da colaboração; 6. O valor apurado será abatido do valor do imóvel, e não retornará ao doleiro Alberto Youssef, mas será entregue em proporções iguais para suas filhas”. O jornalista Janio de Freitas publica na Folha de S.Paulo de 27 de janeiro, interessante artigo denominado Modo de Dizer (ler aqui), contestando o que está na nota do MPF. Ele pergunta: Procuradores e juízes que negociam delações podem ceder direitos financeiros da União e da Petrobras? O leitor que julgue!
 é jurista, professor, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.

Revista Consultor Jurídico, 29 de janeiro de 2015, 8h00

APOSENTADORIA INTEGRAL É PRÉ-REQUISITO PARA O RECEBIMENTO DO ABONO DE PERMANÊNCIA

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL
APOSENTADORIA INTEGRAL É PRÉ-REQUISITO PARA O RECEBIMENTO
DO ABONO DE PERMANÊNCIA
Ter, 27 de Janeiro de 2015 14:01
Ainda que reconhecido judicialmente o tempo de serviço prestado sob
condições insalubres, é imprescindível o preenchimento do requisito 
do tempo de contribuição para aposentadoria com proventos integrais, 
condição necessária à concessão do abono de permanência. 
Veja mais detalhes na matéria.


Boletim Jurídico – 26 de janeiro de 2015


Só fazem jus ao abono de permanência os servidores que 

preencherem os requisitos para aposentadoria integral



A 2ª Turma do TRF da 1ª Região reformou sentença que havia concedido abono de permanência a médico 
veterinário do Ministério da Agricultura. A decisão foi tomada após a análise de recurso apresentado pela União contra
a sentença. O relator do caso foi o desembargador federal Candido Moraes.

O servidor entrou com ação na Justiça Federal requerendo o reconhecimento do tempo de serviço prestado sob
condições insalubres, no período de 30/09/1988 a 11/12/1990, trabalhado no Ministério da Agricultura em período
anterior à entrada em vigor da Lei 8.112/90, com o acréscimo de 40%. Requereu também a concessão do abono de
permanência na forma da EC 41/2003, cujas parcelas devem ser pagas a partir da data do requerimento administrativo.

Em primeira instância, ambos os pedidos foram julgados procedentes, o que motivou a União a recorrer ao TRF1
sustentando, em síntese, que “não existe a possibilidade de averbação no serviço público do tempo de serviço prestado
em condições insalubres pelo impetrante, vez que o benefício depende de regulamentação por lei complementar, a qual
não foi ainda editada”. Ponderou, ainda, que na data da publicação da EC 41/2003, o impetrante não contava com o
tempo mínimo de serviço exigido pela Constituição, “não fazendo, portanto, jus ao chamado abono de permanência”.

A Turma concordou com as alegações apresentadas pela União. Em seu voto, o relator destacou que o juízo de primeiro
grau acertou em determinar ao INSS a averbação do tempo de serviço especial, conforme pleiteado pelo autor, e o consequente
acréscimo de 40% referente ao período laborado em condições especiais, sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT). Equivocou-se, contudo, quanto à concessão do abono de permanência.

“De acordo com a EC 41/2003, os servidores que ingressaram no serviço público até 16 de novembro de 1998 podem
fazer uso dos anos de contribuição que excederem o mínimo exigido, para complementar a idade necessária para obter
aposentadoria com proventos integrais. No caso dos autos, verifico que se somando todos os períodos comprovados nos
autos, convertidos os períodos especiais pelo fator 1,4, resulta em tempo insuficiente para a concessão da aposentadoria
com proventos integrais (33 anos 2 meses e 21 dias), condição necessária à concessão do abono de permanência”, 
explicou o magistrado.

Assim, a Turma, de forma unânime, deu provimento à apelação da União.

Processo n.º 3743-89.2006.4.01.3800

Fonte: Assessoria de Imprensa do TRF1

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

STJ nega liminar a condenados por tortura na Febem de São Paulo

SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA

STJ nega liminar a condenados por tortura na Febem de São Paulo





Se alguém é condenado por tortura e tem o mandado de prisão expedido pela primeira instância, e se não há situação de risco ao preso que justifique uma liminar, não cabe pedido de Habeas Corpus ao Superior Tribunal de Justiça sem antes passar pelo Tribunal de Justiça do estado.
Com esse argumento, a ministra Laurita Vaz, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça, negou pedido de liminar em Habeas Corpus a dois ex-funcionários da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem). O então assessor da presidência da Febem, e o ex-diretor do Complexo de Franco da Rocha foram condenados a 87 anos, um mês e cinco dias de reclusão em regime inicial fechado pelo crime de tortura contra internos nas dependências da instituição,  ocorridas em novembro de 2000.
No pedido, a defesa dos condenados sustentou que o próprio STJ extinguiu a punibilidade de outros corréus ao reconhecer a prescrição da pretensão punitiva e requereu liminarmente a sustação dos mandados de prisão expedidos em dezembro de 2014 pela 15ª Vara Criminal de São Paulo. No mérito, pediu a anulação do processo desde a denúncia ou, de forma alternativa, a nulidade da sentença, a extinção da punibilidade pela prescrição ou o estabelecimento do regime aberto. Alegaram que a denúncia é inepta e que o crime de tortura não pode ser reconhecido por ausência de dolo específico.
Sem abuso
Ao decidir pelo indeferimento da liminar, a ministra Laurita Vaz (foto) ressaltou
 que o pedido não se enquadra nas hipóteses excepcionais que permitem ser aceito o Habeas Corpus em caráter de urgência. Isso porque, segundo Laurita, não está demonstrada qualquer situação de abuso de poder ou de manifesta ilegalidade que poderia ser resolvida provisoriamente com a liminar. Para a ministra, a controvérsia deve ser decidida após a tramitação completa do processo.

Supressão de instância
Segundo a ministra, os impetrantes não se encontram em posição processual semelhante aos demais corréus, tanto que não foi reconhecida a consequência do prazo para a extinção da punibilidade em relação a eles. “Em princípio, se o magistrado houve por bem expedir mandados de prisão para o cumprimento imediato da pena privativa de liberdade, supõe-se que não constatou o transcurso do prazo necessário à extinção da execução”, afirmou a vice-presidente do STJ.

Para Laurita Vaz, a contestação do regime fechado imediato deve ser submetida ao Tribunal de Justiça de São Paulo, e não diretamente ao STJ, pois pode haver supressão de instância. A ministra indeferiu o pedido de liminar e solicitou ao tribunal paulista que esclareça a data em que efetivamente o acórdão condenatório transitou em julgado. O mérito do pedido será julgado pela 6ª Turma do STJ sob a relatoria do ministro Sebastião Reis Júnior. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.
HC 314091

Revista Consultor Jurídico, 27 de janeiro de 2015, 10h30