"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

CONSTITUIÇÃO E PODER

CONSTITUIÇÃO E PODER

Por que dizem que ato normativo tem duas caras?




Dedico o presente artigo ao professor Gabriel Nogueira Dias, em homenagem à sua espetacular pesquisa de Doutoramento, “Positivismo Jurídico e a Teoria Geral do Direito na Obra de Hans Kelsen”. Depois de sua publicação entre nós, ninguém mais no Brasil tem o direito de dizer que não conhece a obra de Hans Kelsen.

A maior parte dos estudiosos no Brasil acredita que a Teoria da Gradação Escalonada do Direito(Stufentheorie) seria uma criação do Hans Kelsen, o grande jurista do Século XX. Contudo, deve-se a sua autoria a Adolf Julius Merkl, um dos cofundadores da Escola de Viena (juntamente com Kelsen e Alfred Verdross). Vamos falar um pouco desse personagem e de sua teoria. 
Na primeira obra publicada por Kelsen, em 1911, os seus famosos “Problemas Capitais da Teoria do Direito do Estado” (Hauptproblemen der Staatsrechtslehre), lembra Robert Walter, o pai da Teoria Pura do Direito limitou-se a realizar uma análise das leis, excluindo, conscientemente, a discussão sobre a perspectiva da produção e da execução dos atos normativos. De fato, como insistem os especialistas, no seu famoso primeiro trabalho científico, Kelsen concentrou-se em uma consideração estática do direito, deixando para o futuro uma investigação sobre a conformação e estrutura dinâmica do ordenamento jurídico[1]
O direito foi então observado, estaticamente, apenas como conjunto de normas legais (atos normativos) que prescrevem condutas, não se preocupando o grande Kelsen em descrever o processo dinâmico mediante o qual a ordem jurídica produz e aplica as normas que a compõem. Entretanto, como explica o Prof. Gabriel Nogueira Dias, não obstante voltar-se naquele momento a uma análise da dimensão estática do Direito (o direito como “agregado estático de deveres”), o pai da Teoria Pura já pressentia a possibilidade (não ainda imprescindibilidade) de uma análise sobre aestrutura dinâmica da ordem jurídica[2].
Foi apenas sob a reconhecida influência da Teoria da Gradação Escalonada do Direito (Stufentheorie), de seu famoso discípulo, Adolf Merkl, que Kelsen assimilaria  definitivamente em sua Teoria Pura a análise da dinâmica da ordem jurídica. A influência da Stufentheorie de Merkl foi expressamente reconhecida no prefácio da segunda edição (não modificada) dos “Problemas Capitais”, em 1923, em que, lembra ainda Robert Walter, Kelsen expressamente reconhece que havia “tomado a teoria do escalonamento como uma parte essencial no sistema da Teoria Pura do Direito”[3]
Adolf Merkl sustentara, em diversos trabalhos, que o direito deve ser compreendido como um “sistema de produção de atos normativos de forma escalonada”. Na verdade, a teoria de Merkl teve tal influência nos meios acadêmicos, e não apenas no círculo da Escola de Viena, que, anota Robert Walter, apesar de sua indiscutível complexidade, acabou por ser vítima de uma simplificação excessiva.
Graças a Stufentheorie, os estudiosos do Direito voltariam sua atenção não apenas às normas que impõem condutas, mas também às normas que disciplinam a própria produção e aplicação do Direito. Como acentuaria o próprio Kelsen  posteriormente, é uma característica dos sistemas jurídicos que “o direito regule sua própria criação e aplicação”[4]. Mais do que isso, diante dessa primeira constatação, Kelsen, com base ainda em Merkl, retiraria uma conclusão ainda grave: “Se as normas jurídicas podem ser criadas somente de acordo com outras normas, isto é, apenas com fundamento na ordem jurídica, a criação do direito é simultaneamente aplicação do mesmo, pelo que os atos criadores de direito são atos aplicadores de direito”[5].
Como se vê, a Teoria da Gradação Hierárquica do direito Adolf Julius Merkl está longe de permitir a explicação simplificadora que o tempo acabou por consagrar. Ao afirmar que  direito é uma construção escalonada ou hierarquizada de normas, Merkl buscava explicar que todo ato jurídico, isto é, toda decisão conformada em uma norma jurídica (lei, ato administrativo ou sentença judicial), revela simultaneamente uma elemento de produção/criação como de aplicação/execução da ordem jurídica.
A lei ordinária, por exemplo, não seria apenas simples aplicação-execução da Constituição, mas também condicionaria a produção/criação de outros atos normativos (atos administrativos e sentenças, por exemplo). Tanto a sentença, que concretiza a lei ordinária, como na lei ordinária, que concretiza a Constituição, são atos jurídicos que, simultaneamente, criam e aplicam (executam) normas jurídicas.
Para quem estava e está acostumado a uma leitura simplificada da ordem jurídica, como estrutura estática de onde atos jurídicos concretos, numa quase derivação lógica, surgem como mera execução de normas legais abstratas, a Teoria de Merkl chamava a atenção para a maior complexidade dos sistemas normativos.  A Stufentheorie jogava luz sobre a difícil relação entre os níveis de produção e aplicação das normas jurídicas.
Lembra Robert Walter que, por exemplo, “o legislador é normalmente menos limitado pela Constituição que o poder regulamentar ou o juiz pela lei”. Mas, em todos os escalões, existem margens de liberdade e discricionariedade conferidas aos órgãos habilitados a conformar -por atos normativos inferiores - as normas de hierarquia superior: “A teoria da formação escalonada quer desta maneira contrarrestar a ilusão de que a produção do direito seja um processo quase-lógico e indicar que na ordem sucessiva não apenas se executa direito, mas também se cria direito e deste modo os atos jurídicos têm, de uma parte, função executiva, de outra parte,função criadora do direito e, finalmente, para utilizar uma expressão de Merkl, possuem uma face dupla jurídica, têm Cabeça de Jano”[6].   

Outra consequência da Teoria Escalonada seria a revolução provocada em relação ao papel dos operadores do direito. Até então, o centro de produção normativa centrava-se exclusivamente na legislação, sendo os atos administrativos e sentenças fenômenos jurídicos limitados à condição de simples derivação, ou melhor, execução das normas legais[7]. Como bem esclarece o Prof. Gabriel Nogueira Dias, Adolf Merkl, contudo, demonstrará “que a concepção original de Kelsen – segundo a qual decretos, sentenças etc. não representam deveres jurídicos autônomos, ou seja, que o conteúdo desses fenômenos jurídicos sempre pode se reduzir inteiramente ao da lei – não está em condições de apreender o processo jurídico na sua singularidade substancial”[8]. Segundo Merkl, a própria natureza da lei exige, “como norma geral e abstrata (...), para não ser um nada, requer uma complementação por meio da ação concretizadora e individualizadora do operador do direito”[9].
A cabeça de Jano

Todo ato jurídico possuiria assim uma face dupla, pois o operador do direito não apenas aplica e executa uma norma de um nível mais geral e abstrato, como também participaria da própria criação e produção de atos normativos. Todo ato normativo, à exceção da Constituição, seria sempre simultaneamente ato normativo de criação e de aplicação/execução do Direito[10].

Estamos diante da famosa teoria da dupla face do direito (Das doppelte Rechtsantlitz): “Cada etapa  da aplicação do direito comporta uma ‘face dupla’, de que ela é um ato ‘condicionado’ e ‘condicionante’”[11]. De fato, todo ato normativo ao ser editado, por um lado, é condicionado pela “norma abstrata de nível mais elevado imediatamente superior” (à exceção da Constituição) e, de outro, todo ato condiciona a criação dos atos normativos que serão criados num nível normativo imediatamente inferior  (à exceção aqui é a dos atos jurídicos que, a exemplo das execuções judiciais, por estarem no fim da cadeia normativa não poderiam, de regra,  condicionar a produção de outros atos normativos) [12].
Essa compreensão colocaria “por terra a ideia de ‘uniformidade’ do direito”, que então se baseava numa visão estática da ordem normativa, que tinha na lei a “única forma do direito”. O direito, pois, só pode ser compreendido como um “fenômeno normativo dinâmico” [13].
Em resumo, para concluir, todo ato normativo é simultaneamente condicionado/vinculado (à exceção da Constituição) e condicionante/vinculante (à exceção dos atos de execução final, como as execuções judiciais) em relação a outros atos normativos.

[1] Roberto Walter. La doctrina del Derecho de Hans Kelsen. Universidad Externado de Colômbia, 2001, versão Kindle, posição 334 de 932. Ver também Gabriel Nogueira Dias. Positivismo Jurídico e a Teoria Geral do Direito na Obra de Hans Kelsen. SP: Revista dos Tribunais, 2010, p. 197 e seguintes.
[2] Gabriel Nogueira Dias. Positivismo Jurídico e a Teoria Geral do Direito na Obra de Hans Kelsen. SP: Revista dos Tribunais, 2010, p. 197 e seguintes.
[3] Roberto Walter. La doctrina del Derecho de Hans Kelsen. Universidad Externado de Colômbia, 2001, versão Kindle, posição 334 de 932.
[4] Hans Kelsen. ?Que és un acto jurídico? Isonomia nº 4 Abril 1996, p. 65.
[5] Hans Kelsen. ?Que és un acto jurídico? Isonomia nº 4 Abril 1996, p. 65.
[6] Roberto Walter. La doctrina del Derecho de Hans Kelsen. Universidad Externado de Colômbia, 2001, versão Kindle, posição 364 de 932.
[7] Gabriel Nogueira Dias. Positivismo Jurídico e a Teoria Geral do Direito na Obra de Hans Kelsen. SP: Revista dos Tribunais, 2010, p. 206.
[8] Gabriel Nogueira Dias. Positivismo Jurídico e a Teoria Geral do Direito na Obra de Hans Kelsen. SP: Revista dos Tribunais, 2010, p. 206.
[9] Adolf Merkl. Die Verordnungsgewalt im Kriege (1915), apud Gabriel Nogueira Dias. Positivismo Jurídico e a Teoria Geral do Direito na Obra de Hans Kelsen. SP: Revista dos Tribunais, 2010, p. 207.
[10] Gabriel Nogueira Dias. Positivismo Jurídico e a Teoria Geral do Direito na Obra de Hans Kelsen. SP: Revista dos Tribunais, 2010, p. 208.
[11] Gabriel Nogueira Dias. Positivismo Jurídico e a Teoria Geral do Direito na Obra de Hans Kelsen. SP: Revista dos Tribunais, 2010, p. 208/209.
[12] Gabriel Nogueira Dias. Positivismo Jurídico e a Teoria Geral do Direito na Obra de Hans Kelsen. SP: Revista dos Tribunais, 2010, p. 209/210.
[13] Gabriel Nogueira Dias. Positivismo Jurídico e a Teoria Geral do Direito na Obra de Hans Kelsen. SP: Revista dos Tribunais, 2010, p. 213.
 é desembargador federal do TRF da 1ª Região e doutor em Direito pela Universidade de Coimbra.

Revista Consultor Jurídico, 3 de fevereiro de 2015, 20h42

Legalidade em xeque: a discussão no STF sobre a prescrição penal

DIREITO DE DEFESA

Legalidade em xeque: a discussão no STF sobre a prescrição penal





Ontem foi aberto o Ano Judiciário no Supremo Tribunal Federal. Ano que promete interessantes debates na corte sobre questões polêmicas e sensíveis em matéria penal, como a possibilidade do principio da insignificância ser aplicado a crimes patrimoniais qualificados[1] e a constitucionalidade da criminalização do porte de entorpecentes para uso próprio[2].
Dentre esses, um chama a atenção: a discussão sobre os contornos da prescrição da pretensão executória no direito penal[3]. A questão pode parecer árida, e excessivamente abstrata, mas sua repercussão para o princípio da legalidade é por demais importante para que deixe de ser compreendida e acompanhada com apreensão.
Antes, alguns esclarecimentos.
A prescrição é a perda do direito do Estado de julgar alguém ou de aplicar uma pena pelo decurso do tempo. O Poder Público, diante da suspeita da prática de um delito, tem um prazo para exercer seu poder punitivo. Não pode manter a ameaça de um processo ou de uma sanção sobre um indivíduo pela eternidade, perenizando a angústia do réu ou investigado. Ou bem julga e executa, ou perde o direito de punir. Como afirmava Aliomar Baleeiro: “não há fomento de utilidade social em punir-se o crime já esquecido”[4]. Em um sentido normativo, Machado aponta que a prescrição decorre da reconhecida ineficácia da pena, nesses casos, para atender ao fim estipulado pela ordem democrática, e “não deve ser aplicada por constituir um violação da dignidade da pessoa humana”[5]
Nosso direito prevê duas hipóteses de prescrição. A primeira, a prescrição da pretensão punitiva, é a perda do direito de julgar alguém pela morosidade do processo. Passado o prazo legal sem que o processo termine[6], extingue-se a punibilidade e os autos são arquivados, preservando-se a primariedade do réu.
A segunda é a prescrição da pretensão executória. Ocorre quando o réu já foi julgado, sentenciado, mas o Estado deixa de iniciar a execução da pena, seja pela fuga do réu, ou seja por qualquer outro motivo similar. Assim, uma vez foragido o réu, e decorrido o período legal, perde-se o direito de aplicar a pena, de sancionar o condenado.
A discussão no STF gira em torno desta última espécie de prescrição, da pretensão executória.
O Código Penal regula esta prescrição em seus artigos 110 e 112. Como dito: uma vez condenado o réu, o Estado tem um prazo para iniciar a execução da pena. Passado o prazo, a punibilidade é extinta.
A questão controversa: a partir de quando se conta tal prazo? A partir de que momento o Estado tem o dever de executar a pena, sob pena de prescrição, da perda do direito de punir?
A lei fixa dois momentos: (i) a partir do “transito em julgado para a acusação” e (ii) do dia em que se “interrompe a execução[7]. O que importa, no presente caso, é a primeira hipótese: o prazo de prescrição começa a correr a partir da data em que o réu é condenado e a acusação se conforma com a pena fixada, deixando de questionar sua extensão.  A partir desse momento, a pena transitou em julgado para a acusação, que dela não pode mais recorrer. Nesse instante, ou o Estado inicia a execução da pena, ou começa a correr o prazo prescricional.
O problema concreto surge nos casos em que a defesa recorre desta condenação. Nesse caso, a pena transita em julgado para a acusação, mas não para a defesa. A pena não pode mais ser aumentada, mas pode ser reduzida ou extinta, caso o réu ganhe seu recurso.
Nessa situação, segundo decisão conhecida do STF (HC 84.078, Rel. Min. Eros Grau), o Estado não pode iniciar a execução da pena em homenagem ao principio da presunção da inocência. Se existe um recurso da defesa, a condenação não é definitiva, e enquanto ela não for definitiva, a sanção não pode ser aplicada. No entanto, segundo a lei, começa a correr o prazo de prescrição da pretensão executória. Assim, a partir do trânsito em julgado para a acusação o Poder Público deveria executar a sanção, sob pena de perder seu direito de punir. Por outro lado, não pode iniciar esta execução antes do julgamento final  do recurso da defesa e da condenação irrecorrível.
Diante disso, alguns tribunais tem entendido que a prescrição da pretensão executória não tem início no momento do trânsito em julgado para a acusação, mas apenas quando a decisão é definitiva para ambas as partes, quando se torna irrecorrível para todos. Como apenas a partir desse momento o Estado pode executar a pena, seria legítimo que o prazo de prescrição começasse a correr somente nesse instante. Não seria possível penalizar o Estado por inércia se a ele não é conferido o poder de agir.
A construção parece correta sob a perspectiva lógica. Mas esbarra em um obstáculo intransponível: a lei. Como dito, o Código Penal é claro ao fixar o inicio do prazo da prescrição: o trânsito em julgado para a acusação. Não há lacuna, dúvida, zona cinzenta onde exista um espaço de interpretação. É o teor literal, claro expresso.
Em direito penal, a legalidade é a âncora do sistema, da segurança jurídica. É o antídoto contra o arbítrio. Von Lizst, no século XIX, já apontava que o Código Penal é a carta magna do criminoso, pois fixa os limites da atuação estatal[8]. Por mais grave e intolerável que seja uma conduta, os contornos de sua punição serão sempre aqueles previstos na lei. Para Hassemer, o princípio da legalidade se converteu em um dos símbolos mais característicos do Estado de Direito, no qual se concentram as esperanças de que tanto o sistema penal seja transparente, controlável e sincero[9].
Sob esse prisma deve ser analisada a questão posta. A norma sobre prescrição é de direito penal material,  sobre a qual incide, com toda a força, o limite da legalidade. Em tal campo, inadmissível a analogia, a extensão dos efeitos legais para além dos contornos literais, muito menos a interpretação contrária ao sentido expresso dos dispositivos.
Assim, por mais que as regras legais da prescrição executória estejam equivocadas e mal redigidas — e ao nosso ver estão — ainda assim, é a lei. Mais: é a lei penal. Se ela é falha, que o legislador seja instado a modifica-la, aprimorá-la. A desconsideração de seu texto, ainda mais em prejuízo do réu, não parece a melhor saída para corrigir seus defeitos.
Não se sustente que a redação legal sobre a prescrição executória contraria o direito de punir, previsto na Constituição. Os dispositivos que tratam do tema, ainda que sejam problemáticos, não impedem a punição, mas apenas a postergam ou a tornam mais difícil em certos casos, quando a morosidade do próprio Estado em julgar o recurso da defesa acaba por extinguir a punibilidade.
Mais uma vez, não se trata aqui de defender o texto legal ,que apresenta problemas claros. Se trata, antes de tudo, de evitar um perigoso precedente de relativização da legalidade penal contra o réu. Um precedente, sem dúvida, bem intencionado, de boa fé, voltado para um objetivo correto. Mas um precedente que enfraquece a ideia de legalidade, que pode ser citado no futuro, para justificar decisões arbitrárias de um tribunal talvez menos comprometido com os valores democráticos do que o atual. Admitir a interpretação contra legem, em desfavor do acusado, é abrir uma porta talvez sensível demais em um Estado de Direito jovem demais.
Como dizia Beccaria, “a crueldade dos tiranos é proporcional, não às suas forças, mas aos obstáculos que se lhes opõe”. E o maior deles é a legalidade. Deixá-la em pé é a maior defesa institucional contra riscos aventureiros e totalitários, que, se não estranhos ao nosso passado, deveriam ser inadmissíveis em nosso futuro.  

[1] Discussão nos autos do HC 123734, com julgamento suspenso, de relatoria do e.Ministro Roberto Barroso, cujo voto em favor da necessidade da observância da razoabilidade e da proporcionalidade da incidência do direito penal nestes casos é digno de nota, proferido em 10.12.2014.
[2] Recurso Extraordinário 635.659, com repercussão geral, de relatoria do e. Min. Gilmar Mendes
[3] AI 794.971, em trâmite no STF
[4] AMARAL JR., José Levi Mello do . Memoria jurisprudencial: Ministro Aliomar Baleeiro. Brasilia: STF, 2006, p.119
[5] MACHADO, Fábio Guedes de Paula. Prescrição penal. São Paulo: RT, 2000, p.205.
[6] Ou sem que ocorra alguma causa suspensiva ou interruptiva
[7] Salvo quando o tempo da interrupção deva computar-se na pena
[8] VON LISZT, Franz. Tratado de direito penal alemão. Briguiet: Rio de Janeiro, 1899, p.7.
[9] HASSEMER, Winfried. Persona, mundo y responsabilidad. Temis: Bogotá, 1999, p.5.


 é advogado e professor de Direito Penal na USP. Foi membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e secretário de Reforma do Judiciário, ambos do Ministério da Justiça.

Revista Consultor Jurídico, 3 de fevereiro de 2015, 8h05

Advogado que criticou juiz no Twitter é absolvido do crime de injúria

FATO INVERÍDICO

Advogado que criticou juiz no Twitter é absolvido do crime de injúria




A tipificação do delito de injúria diz respeito à chamada honra subjetiva; ou seja, ao conceito, em sentido amplo, que o ofendido tem de si mesmo, com a imputação de atributos pejorativos. O fundamento levou a Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Rio Grande do Sul a absolverum advogado que criticou, via Twitter, a postura de um juiz durante palestra para estudantes no interior gaúcho.
No primeiro grau, ele foi condenado pelo delito de injúria, por afirmar que o juiz teria praticado "tremendo abuso de autoridade" ao mandar apreender duas menores que faziam bagunça no local da palestra. Ficou provado, no entanto, que o juiz apenas pedira ao guarda que "tomasse as medidas cabíveis" exigidas naquela situação, tanto que não aconteceu a apreensão.
Para o relator do recurso-crime no colegiado, juiz Edson Jorge Cechet, a conduta do advogado é atípica, pois não atribuiu ao magistrado nenhuma qualidade pejorativa capaz de ofender sua dignidade e decoro. Ao contrário, a conduta resumiu-se, tão somente, a noticiar fato que entendia injusto.
Citando a doutrina de Rogério Greco, o relator escreveu no acórdão que, na injúria, ‘‘não se imputa fato determinado, mas se formula juízos de valor, exteriorizando-se qualidades negativas ou defeitos que importem menoscabo, ultraje ou vilipêndio de alguém’’. O doutrinador exemplifica: ‘‘chamar alguém de ‘bicheiro’ configura injúria, mas dizer, à terceira pessoa, que a vítima está ‘bancando o jogo do bicho’, caracteriza difamação’’.
Cechet, no entanto, concordou com a juíza de que o réu deveria se inteirar melhor dos fatos antes de opinar. ‘‘Certo é que o acusado poderia, ou, quiçá, deveria abster-se de emitir sua opinião, pois, segundo ele próprio, não possuía conhecimento real do fato e pronunciou-se com base em informações de terceiros’’, escreveu no acórdão. A decisão foi tomada na sessão de 26 de janeiro.
O caso
As informações do processo dão conta de que tudo começou no dia 30 de junho de 2011, por volta das 10 h, quando o juiz Luís Filipe Lemos Almeida, então titular da Comarca de São Francisco de Assis, ministrava palestra a estudantes do ensino fundamental no Centro de Tradições Gaúchas (CTG) ‘‘Negrinho do Pastoreio’’. Num dado momento, incomodado com a ‘‘perturbação da tranquilidade’’ por duas meninas, ele pediu ao guarda que as identificasse, bem como adotasse os ‘‘procedimentos legais’’. As menores foram, então, retiradas do recinto e encaminhadas para o Conselho Tutelar.

Quatro dias depois, o advogado José Amélio Ucha Ribeiro Filho, que tem escritório na Comarca de Santiago, comentou o fato em sua conta no Twitter. Se expressou exatamente nestes termos: ‘‘Ato do magistrado de São Chico em apreender menores por perturbação em palestra sua, se for realmente isso, é tremendo abuso de autoridade’’.
Em face deste post, o advogado acabou denunciado pelo Ministério Público estadual perante a Vara Criminal de Santiago, pelo crime de injúria. Como o crime, segundo o MP, foi praticado contra funcionário público e por meio que facilitou a divulgação da injúria, o advogado acabou incurso nas sanções do artigo 140, caput, combinado com o artigo 141, incisos II e III, ambos do Código Penal.
Ouvido em juízo, o advogado disse que publicou sua opinião no Twitter para que outras pessoas se manifestassem sobre o caso, já que não concordava com a atitude do julgador. Esclareceu que não teve a intenção de denegrir a imagem de ninguém, nem esperava que este comentário causasse tamanha repercussão.
Sentença condenatória
A juíza Cecília Laranja da Fonseca Bonotto se convenceu, com base na prova testemunhal, que o juiz não determinou a apreensão das menores que perturbavam sua palestra, como replicou o advogado também em seu blog.

Em face deste entendimento, o teor do texto publicado, segundo ela, torna certa a caracterização do tipo penal apontado pelo MP. Afinal, ‘‘escancara’’ o visível propósito de injuriar o decoro e a dignidade da vítima, ferir a sua reputação e deflagrar sua imagem perante à comunidade.
Para a titular da Vara Criminal de Santiago, as palavras empregadas pelo advogado atingiram o apreço e o conceito social do magistrado, sendo indiscutível a intenção de emitir juízo de valor depreciativo. É que o acusado, durante o interrogatório, admitiu que sequer checou a veracidade da informação que lhe foi passada sobre o episódio. Ou seja, não conhecia tudo sobre os fatos e, já de ‘‘plano’’, comentou sobre o suposto ‘‘abuso’’ praticado.
Por fim, a julgadora lembrou que o réu goza de elevado prestígio na comunidade e escreve em um jornal de grande circulação na região, circunstâncias que o obrigariam a ter mais zelo nas informações que divulga, pois é formador de opinião. ‘‘Ainda, sendo um profissional da área jurídica, tinha o conhecimento mais aprofundado sobre as consequências de uma publicação indevida e irresponsável, fato que aumenta o seu dever de cuidado e que aumenta o seu grau de culpabilidade’’, arrematou.
Julgada procedente a demanda, o réu foi condenado à pena de dois meses e 20 dias de detenção, em regime inicial aberto. Na dosimetria, a pena foi substituída por prestação pecuniária no valor de dois salários-mínimos.
Clique aqui para ler a sentença.
Clique aqui para ler o acórdão.
 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.


Revista Consultor Jurídico, 3 de fevereiro de 2015, 21h01