"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

segunda-feira, 23 de março de 2015

Seguradora pode limitar contrato de seguro pelo critério de idade

NATUREZA DO NEGÓCIO

Seguradora pode limitar contrato de seguro pelo critério de idade




Não há ofensa à dignidade dos idosos pelo fato de algumas seguradoras não desenvolverem contratos de seguro de vida destinados a faixas etárias mais avançadas. Isso porque, a limitação de idade imposta pelas empresas para contratar o seguro de vida resulta da própria natureza dessa modalidade de negócio, que considera o risco do sinistro.
Seguindo esse entendimento, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região autorizou a Caixa Econômica Federal a proibir um idoso, com mais de 70 anos, a contratar o seguro de vida Caixa Seguro Amparo. 
"Só existe discriminação desarrazoada quando não há pertinência lógica entre o critério escolhido e o tratamento díspar. Pessoas acima de 70 anos estão naturalmente expostas a mais riscos do que as de outra faixa etária. Por isso, o critério não configura discriminação nem tratamento vexatório", diz trecho do acórdão. 
O caso foi levado ao Judiciário pelo Ministério Público Federal que defendia que a utilização do critério idade, como fator de decisão para a seguradora aceitar ou não a proposta de seguro de vida a ela dirigida, seria fator ilegal de discriminação, por ofensa ao estatuto do idoso.
Representando a seguradora, o advogado Carlos Harten, do Queiroz Cavalcanti Advocacia, alegou que não houve discriminação, pois a limitação por idade resulta da própria natureza do contrato de 
seguro, cujo conceito está no artigo 757 do Código Civil.  

Ao analisar o caso, o relator, desembargador Manoel de Oliveira Erhardt deu razão à Caixa. Segundo ele, a formulação das cláusulas contratuais nessa espécie de negócio baseia-se em parâmetros atuariais, que estimam a probabilidade da ocorrência dos riscos aos quais o segurado está exposto.
Segundo o relator, como o contrato de seguro se assenta exatamente no risco, os indivíduos mais expostos a ele não se enquadram no mesmo plano dos menos expostos.  
O desembargador explica que nesse caso, a discriminação não está na idade, mas na exposição dos riscos. "Pessoas acima de 70 anos são, em geral, mais vulneráveis do que as pertencentes a outras faixas etárias. No caso de seguros de vida, é da própria natureza das coisas que o ser humano esteja mais sujeito, com o passar do tempo, à doença e à proximidade da morte", afirmou.
"Nada há de indigno nem de preconceituoso em considerar que pessoas mais idosas têm probabilidade de vir a falecer em períodos menores. Isso é fenômeno natural e deve ser naturalmente encarado", complementou.
O advogado Carlos Harten aponta que a decisão do TRF-5 também prestigia a livre iniciativa e autonomia da vontade, quando afirma a “contratação do seguro de vida é facultativa e nenhuma empresa pode ser obrigada a suportar riscos além dos quais deseje”. Segundo a decisão, não existe disciplina normativa ou regulamentar que impeça seguradoras de fornecer produto destinado a perfil específico de segurados.
Para Carlos Harten, o acórdão merece especial aplauso justamente por prestigiar a autonomia da vontade da empresa seguradora em selecionar os riscos que entende seguráveis. "Também merece aplauso por reconhecer que esta seleção passa necessariamente por exame da pessoa do segurado, seus hábitos, estado de saúde, sexo e idade, não sendo este fator de seleção e individualização, por si só, fator de discriminação contratual. Ao contrário, é a essência da própria atividade securitária e comutatividade contratual”, diz.
Clique aqui para ler o acórdão.
0003102-45.2012.4.05.8500

 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 21 de março de 2015, 8h00

Novo indíce para precatórios deve valer só ao fim de ação no STF, vota Toffoli

EMENDA CONSTITUCIONAL 62/09

Novo indíce para precatórios deve valer só ao fim de ação no STF, vota Toffoli




A substituição do índice de remuneração básico da caderneta de poupança pelo índice oficial de inflação previsto pelo regime especial de pagamento de precatórios deve começar a valer apenas quando o Supremo Tribunal Federal concluir julgamento sobre os efeitos das regras. Esta foi o ponto central do voto-vista apresentado pelo ministro Dias Toffoli na análise de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade sobre o tema.
Instituído pela Emenda Constitucional 62/09, o regime especial de pagamento de precatórios estabeleceu a fixação de percentuais mínimos das receitas de estados e municípios destinados ao pagamento de precatórios (de 1% a 2%) e métodos alternativos de pagamento, como leilões ou acordos com credores.
Na sessão plenária desta quinta-feira (19/3), Toffoli divergiu do voto do ministro Luiz Fux sobre a questão apresentado anteriormente. 
Em outubro de 2013, no início do julgamento da questão de ordem quanto à modulação, Fux propôs um prazo de cinco anos (portanto, até o fim de 2018), no qual valeriam as regras gerais do regime especial.
Segundo Toffoli (foto), as regras relativas à adoção de um índice oficial de inflação em substituição ao índice de remuneração básico da caderneta de poupança (TR), como estipulado pela EC 62/09, deve passar a surtir efeito apenas a partir da conclusão do julgamento da questão de ordem relativa à modulação, que ainda está em curso.

Apesar da divergência, o ministro Toffoli afirmou que o índice deve valer por cinco anos, como sugeriu Fux, apenas alterando-se a data inicial para sua contagem. Isso porque, apesar das críticas que podem ser feitas, esse novo regime trouxe melhoras ao cenário do pagamento de precatórios.
“O sistema foi capaz de movimentar a fila de precatórios como nunca antes, e proporcionou um incremento real no pagamento de precatórios, segundo relatório do Conselho Nacional de Justiça”, destacou o ministro.
Assim, ele afirmou que esse sistema deve ser mantido provisoriamente. “Se é necessário algum sistema de transição, entendo que é melhor que ela ocorra tendo por base as próprias regras que, bem ou mal, foram instituídas pelo poder constituinte derivado, pelo Congresso Nacional.”
Além disso, Toffoli afirmou que devem ficar resguardados os precatórios expedidos, no âmbito da administração pública federal, com base nos artigo 27 das Leis de Diretrizes Orçamentárias da União de 2014 e 2015 (Lei 12.919/13 e Lei 13.080/15), que fixam o IPCA-E como índice de correção monetária.
Em seu voto, o ministro estabeleceu também que todo credor que tenha 60 anos ou mais na data de conclusão do julgamento da questão de ordem tem o direito de ingressar imediatamente na fila de preferência.
Até agora, quanto à modulação, foram proferidos os votos do ministro Luiz Fux e dos ministros Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso, que o acompanharam. A divergência de Toffoli foi acompanhada pelo ministro Gilmar Mendes.

Clique aqui para ler um resumo do voto de Dias Toffoli.
ADIs 4357 e 4425.

Revista Consultor Jurídico, 20 de março de 2015, 15h35

MPF propõe mudança para que prova ilícita seja aceita na Justiça

MEIOS IMPRÓPRIOS

MPF propõe mudança para que prova ilícita seja aceita na Justiça




Satiagraha, castelo de areia e sundown são algumas das operações do Ministério Público Federal que foram derrubadas na Justiça por terem usado provas ilícitas — como escutas ilegais. Agora, o MPF quer mudar o Código de Processo Penal, para que mesmo provas ilícitas possam ser usadas nos processos, quando “os benefícios decorrentes do aproveitamento forem maiores do que o potencial efeito preventivo”. A medida está em um pacote anticorrupção apresentado pelo MPF nesta sexta-feira (20/2) e faz ressalvas, para casos de tortura, ameaça e interceptações sem ordem judicial, por exemplo.
As dez medidas anticorrupção serão enviadas ao Congresso. Algumas delas repetem o pacote anunciado nesta semana pela Presidência da República, como criminalizar o “caixa dois” e o enriquecimento ilícito de agentes públicos. Mas o MPF também passou a defender que sejam extintos os chamados Embargos Infringentes e a figura do revisor, que analisa o voto do relator no julgamento de apelações. Também quer uma nova regra para prisões preventivas.
Para Nicolao Dino Neto, irregularidade de provas não pode anular processos.
Reprodução
A Constituição Federal traz em seu artigo 5º — cláusula pétrea — que "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos". O MPF, no entanto, alega que elas não podem automaticamente prejudicar todo o processo. “É preciso fazer uma ponderação de interesses e verificar em que medida a eventual irregularidade na produção da prova pode indicar prejuízo à parte. Se não houver algo que evidencie prejuízo à defesa, nada justifica a exclusão dessa prova”, afirma o subprocurador-geral da República Nicolao Dino Neto, chefe da Câmara de Combate à Corrupção.
Ele diz que esse caminho segue uma tendência de outros países, como os Estados Unidos, e evita que crimes deixem de ser combatidos apenas por conclusões materiais, e não formais. O subprocurador dá como exemplo a apreensão de uma grande carga de cocaína no Ceará, cujo processo acabou anulado pois o transporte foi descoberto em uma interceptação telefônica considerada irregular. “Por força de um detalhe de natureza formal no processo, um grande caso de narcotráfico internacional foi anulado com base no apego à prova.”
O texto proposto estabelece exceções em casos que envolvam violência, grampo sem ordem, violação de residência e outros “de igual gravidade”. Dino Neto reconhece que a aplicação poderia ser subjetiva, mas avalia que o sistema processual atual já dá ao juiz o poder de discricionariedade para verificar cada caso concreto.
O MPF também quer que a nulidade de atos só possa ser cobrada “na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão”, para evitar que advogados guardem “trunfos na manga” por anos. Assim, “as nulidades são consideradas sanadas” se não forem apresentadas em “tempo oportuno”. Os ajustes no CPP também preveem que o juiz só anule atos se fundamentar claramente a decisão. Se isso acontecer, o juiz deverá ordenar “as providências necessárias a fim de que sejam repetidos ou retificados”.
Tema controverso
O criminalista Arnaldo Malheiros Filho aponta que uma lei não pode mudar a nulidade das provas ilícitas já prevista na Constituição. “[O dispositivo] está no artigo 5º, é cláusula pétrea. Nem uma PEC poderia mudar isso”, afirma.

Proposta é lamentável, segundo o criminalista Celso Vilardi.
Reprodução
Posição semelhante é adotada pelo advogado Celso Vilardi. “A proposta é lamentável, para dizer o mínimo. Esbarra na Constituição Federal e, por isso mesmo, surpreende que seja feita pelo MPF, que, muito além de ser parte no processo penal, é — ou deveria ser — fiscal da lei.”
O professor Daniel Sarmento, que atua na área de Direito Constitucional na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), afirma que já existem debates teóricos questionando se a proibição da prova ilícita é ou não absoluta. Sem conhecer o projeto do MPF, ele diz ser mais favorável a essa ponderação na esfera cível. Em uma disputa por guarda de crianças, aponta, o Superior Tribunal de Justiça chegou a reconhecer grampo ilegal em que uma mulher dizia que daria remédios para as crianças "dormirem".
O criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, avalia que liberar provas ilícitas permitiria abusos em processos. “É um escândalo”, afirma o advogado, que conseguiu trancar a megaoperação sundown na primeira vez que o STJ aplicou a chamada teoria dos frutos da árvore envenenada: se as provas foram colhidas de forma ilegal, não podem ser usadas para instruir um processo criminal. Questionado se conhece alguma lei semelhante em outros países, respondeu: “talvez no Irã ou Iraque”.
Mudança pedida pelo MPF permite ao Estado descumprir leis, diz Alberto Toron.
Se aprovada, a iniciativa criaria “dois pesos e duas medidas”, na opinião do advogado Alberto Toron. “Há uma ética interessante na proposta ministerial. O Estado vai fazer o que quiser, descumprir leis e até mesmo garantias constitucionais sob o pálio de uma proporcionalidade imaginada em cada caso segundo as conveniências ideológicas do operador de plantão.” Enquanto isso, réus serão cobrados por quaisquer deslizes, avalia.

Mudanças nos recursos
O MPF defende ainda mudanças nos recursos dos processos penais. “É comum que processos envolvendo crimes graves e complexos, praticados por réus de colarinho branco, demorem mais de 15 anos em tribunais após a condenação”, diz a instituição, afirmando que defesas de réus costumam adotar “estratégias protelatórias”.

Uma das sugestões é acabar com os Embargos Infringentes, que permitem a rediscussão de decisões colegiadas quando não há consenso entre os julgadores. Na Ação Penal 470, o processo do mensalão, esse recurso permitiu que o Supremo Tribunal Federal recuasse de condenações por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, por exemplo.
Outras medidas são a aplicação imediata de condenações quando for reconhecido abuso no direito de recorrer; o fim dos Embargos de Declaração de Embargos de Declaração; e a criação de um recurso em que o Ministério Público poderia discutir Habeas Corpus dentro do próprio tribunal que concede a ordem, para “uma paridade de armas” quando discordar da liberdade.
Clique aqui para ler proposta sobre nulidades processuais.
Clique aqui para ler proposta sobre recursos.
 é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 20 de março de 2015, 21h50

COMENTÁRIOS DE LEITORES

19 comentários

PACIÊNCIA MP

averaldo (Estudante de Direito - Criminal)

É lamentável e triste ainda vermos pérolas dessa natureza, e o mais grave, vinda do MP. Sinceramente, é algo que não tenho nem vontade de ler, isso enoja os estudantes de direito, os juristas comprometidos em respeitar os princípios constitucionais e a própria Constituição. Os Direitos Humanos estão sendo jogados no lixo com uma proposta esdrúxula como esta. Estão querendo rasgar a Constituição, tornar suas vontades pessoais e doentias em lei. Paciência MP, proponham melhorar o sistema carcerário, proponha melhorar o sistema de saúde, sejam fiscais da lei como tem que ser; essas sim são funções inerentes ao seu cargo. Deixem que as leis sejam editadas pelo Congresso Nacional, respeitem as instituições, o Estado Democrático de Direitos e os Direitos Humanos. Façam esse favor.

DESCALABRO PROCESSUAL

J.Koffler - Cientista Jurídico-Social (Professor)

Faço minhas as palavras do sempre atento Observador (Economista), bem como assim também chancelo a breve e lúcida observação do Procurador da República de 2ª Instância, João Sergio leal Pereira.
Propostas como a ora guerreada são verdadeiras "cortinas de fumaça" travestidas de "aprimoramento processual", sem pé nem cabeça, literalmente. É como dar cópia da chave da cadeia para a marginália. Associada tal proposta à hedionda interferência do Executivo na recente determinação das "novas atribuições" da CGU, atropelando o Judiciário, teremos a conformação de uma grosseira equação ditatorial que desrespeita a independência dos poderes, claramente com intenções espúrias.
Não acredito que mais essa excrecência jurídica vingue, mormente em razão de, já na saída, ferir de morte um preceito constitucional pétreo.


Acessado e disponível na Internet em 23/03/2015 no endereço -
http://www.conjur.com.br/2015-mar-20/mpf-propoe-mudanca-prova-ilicita-seja-aceita-justica