"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Supremo aprova súmulas vinculantes sobre servidores e Tribunal do Júri

ENTENDIMENTO CONSOLIDADO

Supremo aprova súmulas vinculantes sobre servidores e Tribunal do Júri





O Plenário do Supremo Tribunal Federal aprovou por unanimidade, nesta quarta-feira (8/4), três novas Súmulas Vinculantes. Os novos verbetes são relativos a servidores públicos e competência constitucional do Tribunal do Júri.
A primeira, que receberá o número 43, tem o seguinte teor: “É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido” — esta súmula foi convertida a partir da redação da Súmula 685. 
A Súmula Vinculante 44 (conversão da Súmula 686), tem o seguinte conteúdo: “Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público”.
Já a Súmula Vinculante 45 (originada da Súmula 721), diz que "a competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual”. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

Revista Consultor Jurídico, 8 de abril de 2015, 21h40

Para compreender (e superar) os pilares do positivismo jurídico (parte 1)

CONSTITUIÇÃO E PODER

Para compreender (e superar) os pilares do positivismo jurídico (parte 1)





Já há algum tempo as aulas de Introdução e Teoria do Direito têm sido inundadas com críticas ao positivismo jurídico formalista, em geral apresentado como pensamento frio, vinculado à segurança jurídica, onde a lei injusta é dura, mas é lei e deve ser cumprida. No entanto, é preciso ter em mente que o positivismo jurídico é muito mais do que uma mera criação legalista para promover a dominação do poder por aqueles que detêm a autoridade política.

Dada a caracterização do Direito como um fenômeno social complexo, especialmente ligado a processos de manifestação de poder, a compreensão do papel da lei está intimamente ligada à determinada concepção de Estado, de sua relação com a política, das escolhas valorativas consideradas juridicamente relevantes e de uma análise global de seu papel em sociedade.  Por essa razão, a filosofia, a política, a teoria do Estado, a sociologia, entre outras, tornam-se campos de conhecimento que devem informar o filósofo do direito, promovendo clareza categorial sobre o que se está falando e em qual medida.
Uma vez considerado o positivismo jurídico como Teoria do Direito predominante na maior parte do século XIX e XX no mundo ocidental, torna-se inevitável enxergar a sua importância histórica (a legalidade foi conquista civilizatória em face do ocaso medieval) e, a partir dela, a dimensão da crise de seus postulados, abordando quais motivos indicam sua superação em prol de outras soluções, mais adequadas às exigências teóricas contemporâneas. Uma análise crítica exige, antes, uma ampla compreensão, sob pena de recair em mero diletantismo acadêmico.
Um caminho interessante foi pensado por Fernando Bronze. Ele propõe a leitura do positivismo jurídico normativista em cinco coordenadas caracterizadoras que, juntas, ensejam um mapeamento holístico dessa escola[1].
São elas as coordenadas político-institucional, especificamente jurídica, axiológica, funcional e epistemológica-metodológica.
Bronze propõe que o primeiro eixo teórico que compõe o juspositivismo está relacionado à dimensão político-institucional, onde se percebe que ele está atrelado ao Estado Democrático de viés liberal-individualista, assentado na rígida separação dos poderes, democracia representativa, dogma da onipotência do legislador, princípio da legalidade e independência judicial, restringindo a função do Judiciário à mera aplicação do direito legislado.
Os valores políticos predominantes nos países da Europa ocidental nesse período levaram à elaboração de um modelo de Constituição marcada pela desconfiança com relação ao poder, frouxidão nas relações sociais, não intervenção na economia e rígida separação entre público e privado[2].
Sua função era disciplinar o poder estatal e proclamar os direitos fundamentais liberais — basicamente os direitos de liberdade do indivíduo frente ao Estado.
Em face disso, a força normativa do Direito estava majoritariamente nos Códigos, em especial de Direito Civil, com predomínio da defesa da propriedade privada e do contratualismo individualista[3], levando à centralidade do sujeito de direito e da autonomia da vontade nos debates jurídicos.
Como consequência, a Teoria Geral do Direito se apresentava a partir da Teoria Geral do Direito Civil e se desenvolvia com base nas categorias do direito privado, conforme atesta o movimento de codificação e, em especial, o notável significado histórico do Código de Napoleão de 1804 para o pensamento jurídico[4].
Continuando com Bronze, tem-se que a segunda coordenada caracterizadora do positivismo jurídico trata da mediação especificamente jurídica, onde o direito é visto desde um olhar exclusivamente monista e se confunde com a lei (manifestação da vontade geral), tomando para si as características de generalidade, abstração, formalidade e permanência[5].
No plano axiológico, a ideia de Justiça era vista a partir da igualdade formal, de tal modo que os valores enfaticamente defendidos eram: i) o formalismo, sustentado pela faculdade de cada um conhecer racionalmente e obedecer ao direito posto (qualquer que fosse) e ii) a segurança jurídica, exigência de certeza abstrata que deveria estabilizar os padrões de comportamento e a liberdade dos indivíduos em termos previsíveis.
Outro componente caracterizador destacado por Bronze diz respeito à contraposição, até então inédita, entre política e direito, o que deu ensejo ao que ele chama de coordenada funcional[6].
Essa coordenada revela a dissociação positivista entre a intenção constitutiva do direito (tarefa de criação exclusiva do Legislativo) e o papel concretizador do direito, cuja competência seria apenas a aplicação sem, no entanto, elaborar juízos em relação ao conteúdo moral ou de justiça do direito legislado.
De acordo com essa coordenada, a função do jurista positivista era apenas conhecer o direito (objeto) dado e pré-constituído em termos epistemologicamente corretos, o que demanda a neutralidade do jurista perante os valores contidos na lei e também o desenvolvimento de uma metodologia que conferisse status de ciência ao direito, garantindo, independentemente do conteúdo, sua legitimidade.
Outrossim, o direito abdica de sua tarefa judicativa de viés prático-normativa e arroga para si, nas palavras de Bronze, uma tarefa teórico-axiomaticamente aplicativa.
Devido a ela, os grandes temas debatidos eram inerentes à analítica da norma e do ordenamento, versando especialmente sobre características abstratas que diferem normas jurídicas de outras ordens normativas, da organização das matérias jurídicas em termos sistemáticos, dos critérios de interpretação que propiciassem a cognição sintática e semanticamente correta da norma-texto e, enfim, da metódica de concretização formal.
Desde então, segundo Bobbio, a teoria do direito se separa da filosofia do direito, na medida em que a primeira se volta para as questões de validade normativa em termos procedimentais enquanto que a segunda se reduz à analise das questões de justiça ou deontológicas[7].
Ainda seguindo Bronze, tem-se que a convergência de todas as coordenadas anteriores projeta uma quinta, chamada de epistemológico-metodológica[8].
De acordo com o autor, a coordenada é epistemológica porque o objeto da ciência do direito era uma construção conceitual baseada nos elementos do sistema jurídico abstrato e normativo. É metodológica porque, uma vez reduzido o direito à legalidade pré-escrita, deveria ser utilizada a racionalidade lógico-dedutiva para aplicá-lo formal e subsuntivamente. Seguindo esse raciocínio, a tarefa do juiz seria extrair o axioma – norma-regra de um sistema ou ordenamento pré-dado e fechado, através de uma exegese gramatical.
Se necessário, ele poderia se utilizar de regras da hermenêutica filológica tradicional para encontrar o sentido semântico correto dos textos legais (muitas vezes com auxílio dos intérpretes autorizados — juristas conceitualistas) e, através de um silogismo judicial, aplicá-lo ao caso concreto (processo subsuntivo).
Além das cinco coordenadas elencadas por Bronze, cumpre destacar uma sexta, constituída pelo pano de fundo filosófico sob o qual se desenrolava toda a construção teórica juspositivista.
Ora, a matriz do pensamento positivista se funda nos postulados modernos do paradigma da filosofia da consciência, refletindo uma espécie de empirismo-lógico[9] que, descontado o idealismo racionalista, “se identifica com a conclusão kantiana acerca da possibilidade de um conhecimento racional dos objetos, enquanto síntese da forma razão com a matéria empírica”[10].
Através dessas considerações, verifica-se que o mapeamento do positivismo legalista enquanto teoria para o direito e sua comparação com as diretrizes contemporâneas do pensamento jurídico e político deixa antever que, tomadas em sentido rigoroso, nenhuma das coordenadas caracterizadoras se sustentam.
Mesmo observando o abrandamento e releitura de algumas destas premissas, bem como a pluralidade de correntes positivistas, é notável a crise deste pensamento sob qualquer uma das perspectivas em que seja questionado, o que implica na revisão de cada uma das coordenadas caracterizadoras, tarefa para a próxima coluna.

[1]BRONZE, Fernando José. Lições de introdução ao direito. Coimbra: Coimbra, 2002, p. 321-343. As citações do texto de Bronze a seguir estão inseridas dentre as páginas aqui indicada, pois tendo em vista as características próprias de um artigo na forma de coluna periódica, não é oportuna, nem exigível a indicação página a página de cada menção ao autor. Para aprofundamento, conferir também: MARRAFON, Marco Aurélio.O caráter complexo da decisão em matéria constitucional: discursos sobre a verdade, radicalização hermenêutica e fundação ética na práxis jurisdicional.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
[2]BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14. ed. São Paulo: Malheiros,  2004. p. 229 e ss.
[3]HESPANHA, Antonio Manuel. Direito, prática social e ideologia. Coimbra: Coimbra, 2003. p. 8. 
[4]BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito.Trad. Marcio Pugliesi. São Paulo: Ícone, 1995. p. 63 e ss.
[5] BRONZE, Fernando José. Op. cit., p. 333-334.
[6] Ibidem, p. 337 – 339.
[7]BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Tradução de Fernanda Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. Bauru: EDIPRO, 2001. p. 52.
[8] BRONZE, Fernando José. Op. cit., p. 339- 340.
[9] HÖFFE, Otfried. Justiça política. Trad. Ernildo Stein. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 98.
[10]MARRAFON, Marco Aurélio. Hermenêutica e sistema constitucional: entre o sentido da estrutura e a estrutura do sentido. Florianópolis: Habitus, 2008. (col. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, n. 01). p. 47.


 é presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), professor de Direito e Pensamento Político na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Revista Consultor Jurídico, 6 de abril de 2015, 18h21

Atuação de Moro é exemplar, projeto Moro/Bochenek é inconstitucional

MEIOS EQUIVOCADOS

Atuação de Moro é exemplar, projeto Moro/Bochenek é inconstitucional





Os colegas Sergio Moro, juiz encarregado de processar e julgar os réus da operação "lava jato" e com atuação no processo do mensalão, e Cesar Bochenek, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), merecem a nossa solidariedade pelas duras críticas e alguns comentários irônicos de que estão sendo vítimas por parte da comunidade jurídica, organizações de direitos humanos e imprensa nacional, quando estes extrapolam o debate jurídico objetivo. Reação esta decorrente da posição externada por ambos no jornal O Estado de S.Paulo 29 de março[1], em nome da Ajufe, que praticamente acaba, via anteprojeto de lei a ser enviado ao Congresso Nacional, com o direito de apelar em liberdade dos acusados nos crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro.
Não temos dúvidas que os magistrados são bem intencionados mas, em tempos de mensalão e petrolão, no entanto, no afã do pretenso combate à corrupção e aos crimes de lavagem de dinheiro, estão propondo açodado e perigoso atropelo do texto constitucional. Este, aliás, é o único objetivo da presente crítica acadêmica e institucional.
Entendemos como ex-presidentes da Ajufe, outrossim, que os referidos magistrados não buscam o estrelato ou o exercício do papel de juízes acusadores ou de justiceiros de plantão, mas que cometem grave equívoco jurídico ao pretenderem encaminhar ao Congresso Nacional projeto de lei flagrantemente inconstitucional, sem um debate democrático, maduro, prévio e mais amplo com a magistratura federal brasileira. Os juízes federais brasileiros, inclusive os de perfil garantista, e mais experientes, precisam ser ouvidos para que possam contribuir no debate sobre o tema que envolve garantias constitucionais de todo o cidadão brasileiro acusados das práticas destes crimes.
Outrossim, o juiz federal não atua sozinho no processo, não é o seu dono, portanto o debate precisa também envolver os tribunais superiores, os tribunais regionais federais, o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho da Justiça Federal, o Ministério Público, a OAB, associações representativas da advocacia pública, organizações de direitos humanos, demais poderes da República e, em especial, a sociedade brasileira. A Ajufe, em mais de quatro décadas de atuação, sempre pautou-se pela defesa da democracia e do regime republicano, sendo seu dever institucional zelar pelos direitos fundamentais e garantias constitucionais do cidadão brasileiro.
A atuação dos juízes federais tem sido exemplar no combate aos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção. Os magistrados federais [entre eles Moro], sem rasgar a Constituição Federal, tem aplicado a legislação de regência, com equilíbrio, sem sensacionalismos, outros interesses e, acima de tudo, com discrição, como determina, aliás, a Lei Orgânica da Magistratura (Loman). Os casos do mensalão e da operação "lava jato" são apenas exemplos isolados do que centenas de juízes federais nas cinco regiões que compõe a justiça federal do país tem feito no seu cotidiano, com trabalho árduo e de qualidade. Grifamos, inclusive, que somos admiradores da atuação do juiz federal Sergio Moro na operação "lava jato" e no mensalão, onde realiza um trabalho exemplar. A nossa irresignação é contra o anteprojeto de lei batizado de Moro/Bochenek pelo jurista Lenio Streck no artigo O problema é o processo, Dr Moro? Até Reinaldo Azevedo sabe que não .[2]
A crítica de Lenio Streck, bem calcada em manifestações dos ministros do Supremo Tribunal Federal, todas contrárias ao anteprojeto, coloca com leveza, completude de ideias, sensatez, argumentos irrespondíveis e fulmina o projeto Moro/Bochenek ab ovo. Somada a esta, a manifestação do jurista Luiz Flávio Gomes, em artigo intitulado Juiz Sérgio Moro rasga a Constituição e queima a Convenção Americana[3] é elucidativa no sentido da evidente inconstitucionalidade do anteprojeto que foi motivo de ácidas e ponderáveis críticas, também, do jornalista Reinaldo Azevedo, da Revista Veja, no artigo intitulado Um péssimo artigo do juiz Sérgio Moro [4].
Vamos ao ponto da inconstitucionalidade/inconvencionalidade do projeto Bochenek/Moro. Este prevê “atribuir à sentença condenatória de primeiro grau, para crimes graves em concreto (sic), como grandes desvios de dinheiro público (sic), uma eficácia imediata, independentemente do cabimento de recursos”. Neste ponto o projeto é flagrantemente inconvencional, porque viola tanto a Convenção Americana de Direitos Humanos (artigo 8º) como a jurisprudência consolidada da Corte Interamericana, que asseguram a presunção de inocência em dois graus de jurisdição, só permitindo a prisão imediata de forma excepcional. O Pacto de São José da Costa Rica, por tratar de direitos humanos, possui, no ordenamento jurídico brasileiro, o status de norma supralegal, conforme o parágrafo 3º do artigo 5º da CF/88. Em tratando-se de norma supralegal não pode ser alterada por norma legal, de modo que a proposta é formalmente inválida para ser aprovada.
No aspecto constitucional o projeto viola nada menos nada mais do que a proibição do retrocesso. Ou seja, o direito de apelar em liberdade foi uma conquista do povo brasileiro, após longo período de ditadura militar — aliás, tivemos duas no período republicano [1937-1945 e 1964-1985] — consagrado no texto constitucional de 1988 e que não pode retroceder. As garantias constitucionais e os direitos fundamentais estão em expansão e não retrocedem, como sabido e consabido pelos acadêmicos já nos primeiros anos de direito nas faculdades e até mesmo por jejunos jurídicos. Aliás, não retrocedem nem em épocas de clamor popular como o atual, com mega-protestos legítimos contra a corrupção no país. Não fosse assim, o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, já firmou entendimento no sentido da garantia da presunção da inocência e do apelo em liberdade (STF, RE 466.343-SP).
De outra banda, a Constituição Federal é expressa ao afirmar com todas as letras no seu artigo 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Aliás, esta é uma cláusula pétrea, como direito e garantia individual, que não pode ser abolida nem por emenda constitucional [artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV] e, muito menos, pelo anteprojeto infraconstitucional Moro/Bochenek. A cláusula dodue process of law que prevê o contraditório e a ampla defesa é atingida irremediavelmente pelo anteprojeto no momento em que permite prisão do acusado, sem trânsito em julgado, e sem sequer prever o direito à indenização para aquele que foi preso indevidamente em virtude de erro judiciário. Nós juízes não somos deuses, somos falíveis, evidentemente, como todo e qualquer ser humano. Daí outra justificativa que motiva o direito de apelar em liberdade, a falibilidade dos atos jurisdicionais.
Mesmo nos Estados Unidos da América, onde a pena de morte é permitida em vários Estados, existe movimento para o abrandamento de penas corporais seguindo a tendência do fortalecimento das garantias constitucionais. Aliás, fruto de uma evolução histórica do direito penal mundial que está direcionada no sentido da apropriação dos bens e do patrimônio dos criminosos como efeito das condenações. Neste sentido, o editorial do New York Times do último domingo (5/4) relata as recentes falas dos Justices Kennedy e Breyer na House of Representatives onde manifestaram preocupação com penas de encarceramento desumanas e de prisões em massa que não estão funcionando a contento no sistema criminal norte-americano.[5]
De outro lado, porque defendemos aqui uma maior abertura e transparência no debate sobre o anteprojeto Moro/Bochenek? Simples, decisões tomadas de modo isolado, ou quase que isoladamente, por indivíduos do mesmo segmento e que pensam do mesmo modo, sem serem submetidas a visões opostas, estão sujeitas ao inevitável fracasso, por falta de informação, de dissenso e por levarem a posições extremadas e radicais. É o que se observa em recentes obras de direito e economia comportamental nos Estados Unidos de autoria de Cass Sunstein, em Why Societies Need Dissent? [6]Going to Extremes: How Like Minds Unite and Divide[7]e, em livro lançado faz poucas semanas, em co-autoria com Reid Hastie, Wiser: Getting Beyound Groupthink to Make Groups Smarter[8]; e, Richard Posner, em How Judges Think[9] como também, em mais recente publicação, juntamente com Lee Epstein e William M. Landes, The Behavior of Federal Judges: A theoretical & Empirical Study or Rational Choice[10]. O último, aliás, cai precisamente a talho ao caso em tela. Em relação aos efeitos nefastos da falta de dissenso em decisões tomadas por colegiados com juízes que pensam do mesmo modo [ou todos conservadores ou todos liberais], apenas a título de exemplo, podemos observar na elucidativa obra do professor Mark Tushnet,  I dissent. Great Opposing Opinions in Landmark Supreme Court Cases[11]. Extrai-se a explicação do equívoco na gênese do anteprojeto Moro/Bochenek, também, da leitura de Raymond Nickerson emConfirmation Bias: A Ubiquitous Phenomenon. Many GuisesReview of General Psychology[12] que explica os erros que levam a tomada de decisões enviesadas por pequenos grupos que pensam de igual modo.  No Brasil, aliás, o tema já foi abordado pelo professor gaúcho Juarez Freitas em artigo A hermenêutica jurídica e a ciência do cérebro: como lidar com automatismos mentais[13] e na obra de Daniel Kahneman, Thinking, Fast and Slow[14], já traduzida para o português como Rápido e Devagar: duas formas de pensar[15].
No caso do anteprojeto Moro/Bochenek prevalece nítida decisão de um ou poucos juízes extremamente honestos e bem intencionados, que querem o bem do país, mas marcada pelos evidentes biases do viés punitivo e do otimismo excessivo provavelmente aflorados pelos inaceitáveis escândalos de corrupção que eclodiram, com pompa e circunstância, nos últimos tempos em nosso país, grifamos, de todo repugnantes legal e moralmente.
Os vieses estão arraigados no anteprojeto por falta de informação externa, debate e de participação de visões distintas sobre o tema que precisam ser consideradas. O projeto Moro/Bochenek possui a finalidade de fazer a coisa certa [punição da corrupção e da lavagem de dinheiro] por meios processuais manifestamente equivocados [violação do direito de apelar em liberdade e de ser indenizado em caso de erro judicial]. A finalidade é nobre, mais os meios a serem utilizados não o são. Para isto é necessário — sabemos que estamos sendo repetitivos e redundantes — que o debate seja aberto e ampliado, com colheita de maiores informações, para evitar que o projeto Moro/Bochenek seja enviado ao Congresso Nacional contaminado por biases. Não podemos combater a corrupção acabando com garantias constitucionais do cidadão sob pena de fazermos como os selvagens da Lousiana que, para comer os frutos, destruíam as árvores, em uma "brilhante lógica". Nas palavras de Montesquieu, aliás, "Quand les sauvages de la Loisiane veulent avoir du fruit, ils coupent l, arbre au pied, et  cuiellent le fruit [De l’ espirit des lois. 51.  Ouvres complètes, Paris: Editions du Seuil, 1964, Livro V, 13]."
Em suma, entendemos que o projeto Moro/Bochenek é inconstitucional e incompatível com o regime democrático e republicano que deve ser defendido, por disposição estatutária, pela Associação dos Juízes Federais do Brasil em qualquer circunstância ou quadrante histórico. Enfim, nós, democrática e muito respeitosamente, como grande parte da comunidade jurídica nacional, dissentimos dos dois colegas pelos motivos aqui expostos e pedimos de público para que a posição externada pela nossa entidade nacional no jornal O Estadão seja revista em defesa da Supremacia da Constituição.

[1] MORO, Sérgio; BOCHENEK, Antônio Cesar. O problema é o processo. In: Jornal Estadão, Blog do Fausto Macedo, São Paulo, 29 Mar 2015. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-problema-e-o-processo/>. Acesso em: 31 Mar 2015.
[2] STRECK, Lenio Luiz. O problema é o processo, Dr. Moro? Até o Reynaldo Azevedo sabe que não.. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-abr-02/senso-incomum-problema-processo-moro-reynaldo-azevedo-sabe-naoAcesso em: 03/04/2015.
[3] GOMES, Flávio Luiz. Juiz Sérgio Moro rasga a Constituição. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-abr-02/luiz-flavio-gomes-sergio-moro-rasga-publicamente-constituicao.
[4] AZEVEDO, Reinaldo. Um péssimo artigo do juiz Sérgio Moro. Ou: O mal do Brasil não está no cumprimento da lei, mas no descumprimento. In: Revista Veja, Blog do Reinaldo Azevedo, São Paulo, 30 Mar 2015. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/um-pessimo-artigo-do-juiz-sergio-moro-ou-o-mal-do-brasil-nao-esta-no-cumprimento-da-lei-mas-no-descumprimento/>. Acesso em: 31 Mar 2015.
[5] The New York Times. Sunday, April 5, 2015.p. 10.Sr.
[6] SUNSTEIN, Cass. Why Societies Need Dissent. Cambridge: Harvard University Press, 2005.  
[7] SUNSTEIN, Cass. Going to Extremes. How Like Minds Unite and Divide. New York: Oxford University Press, 2009.
[8] SUNSTEIN, Cass. Wiser: Getting Beyound Groupthink to Make Groups Smarter. Cambridge: Harvard Business Review Press, 2015.
[9] POSNER, Richard. How judges think. Cambridge: Harvard University Press, 2010.
[10] POSNER, Richard. The Behavior of Federal Judges. A Theoretical & Empirical Study of Rational Choice. Cambridge: Harvard University Press, 2013.
[11] TUSHNET. Mark. I dissent. Great Opposing Opinions in Landmark Supreme Court Cases. Boston: Beacon Press, 2008
[12] NICKERSON, Raymond. Confirmation Bias: A Ubiquitous Phenomenon. Many GuisesReview of General Psychology (Educational Publishing Foundation), v. 2, n. 2, p. 175-220, 1998.
[13] FREITAS, Juarez. A Ciência do Cérebro como lidar com automatismos mentais. Revista da AJURIS – v. 40 – n. 130 – Junho 2013.
[14] KAHNEMAN, Daniel. Thinking, fast and slow. New York: Farrar, Strauss e Giroux, 2011.
[15] KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar. São Paulo: Editora Objetiva, 2011.
Fernando da Costa Tourinho Neto é ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) [1998-2000]. Ex-presidente do Tribunal da 1ª Região. Ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça. Professor de Processo Penal.
 é juiz federal, é ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) [2010-2012]. ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Rio Grande do Sul (Ajufergs) [2008-2010]. Doutorando e Mestre em Direito. Visiting Scholar pela Columbia Law School.

Revista Consultor Jurídico, 6 de abril de 2015, 15h03