"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Banco terá que indenizar família de gerente que morreu por estresse


COBRANÇAS DESMEDIDAS

Banco terá que indenizar família de gerente que morreu por estresse



O Itaú Unibanco terá que pagar R$ 200 mil, a título de danos morais, à família de um gerente que morreu em 2011. Ele sofreu um infarto, que, segundo a decisão, decorreu do estresse ocasionado pela excessiva cobrança de metas e constante ameaça de dispensa na instituição bancária. A decisão é da 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, que atende o estado do Rio de Janeiro. Segundo a desembargadora Giselle Bondim Lopes Ribeiro, que relatou o caso, é obrigação do empregador resguardar a vida e a integridade de seus trabalhadores.
Pela decisão, o banco também terá de arcar com indenização por danos materiais no valor de 100% da última remuneração do empregado, até o falecimento da esposa do gerente ou por um período de 24 anos. Esse período foi calculado com base na expectativa de vida da população brasileira apurada pelo IBGE.
O bancário foi admitido no extinto Unibanco em junho de 1975 e manteve contrato com a instituição por quase 36 anos, sendo 20 como gerente-geral de agência. Segundo a família do empregado, a partir de 2008, com a fusão dos bancos Itaú e Unibanco, a empresa passou por reestruturação e o gerente acabou perdendo poder de mando e gestão. Desde então, suas atividades restringiram-se à venda de produtos e atendimento de clientes, e ficaram subordinados a ele apenas os gerentes de contas de clientes com renda inferior a R$ 4 mil.
Segundo a família, as mudanças fizeram com que o empregado passasse a conviver com cobranças de metas e vendas cada vez mais incisivas, o que o obrigava a estender a jornada de trabalho. Ele também vivia sob ameaça constante de dispensa, reforçadas nas reuniões gerenciais. Em consequência, o gerente desenvolveu alterações psíquicas e orgânicas como falta de ar, insônia, tensão nervosa e oscilações de pressão arterial que o levaram a iniciar tratamento cardiológico em 2009.
Em 30 de março de 2011, dias após a participação em reunião na qual foi atestado o visível risco de perda do emprego, o gerente foi acometido de crise hipertensiva no trabalho. Socorrido por colegas, foi atendido por um cardiologista e iniciou tratamento à base de medicamentos e dieta alimentar. As medidas, no entanto, não surtiram efeito, pois ele faleceu em 17 de abril, vítima de infarto agudo do miocárdio.
A relatora do caso votou pela reforma da decisão de primeiro grau, que indeferiu os pedidos de indenização por danos morais e materiais. Na avaliação dela, “restou demonstrado nos autos que o agravamento do quadro clínico do de cujus acompanhou a progressão do clima tenso, nervoso de ambiente de trabalho”.
De acordo com Giselle, a instituição bancária, “como responsável pelos meios de produção, tem por obrigação resguardar a vida e a integridade dos trabalhadores ativados sob a sua égide, de tal modo que os danos causados por força de desequilíbrio ambiental ou do risco usual da atividade atraem a responsabilidade do empregador”. Cabe recurso. Com informações da assessoria de imprensa do TRT-1.
Clique aqui para ler a decisão. 

Revista Consultor Jurídico, 16 de abril de 2015, 8h50

Disputa entre Procuradoria e PF suspende investigação de políticos

Disputa entre Procuradoria e PF suspende investigação de políticos


Determinação do Supremo suspendeu diligências a serem cumpridas em inquéritos de políticos

17/04/2015 | 11h04
Disputa entre Procuradoria e PF suspende investigação de políticos Marcos Oliveira/Agência Senado/Divulgação
Os inquéritos atingidos abrangem vários políticos, como Renan CalheirosFoto: Marcos Oliveira / Agência Senado/Divulgação
A disputa por protagonismo entre policiais federais e procuradores da República na Operação Lava-Jato paralisou indefinidamente parte das investigações relativa às suspeitas de envolvimento de políticos no esquema de corrupção na Petrobras. A divergência levou o Supremo Tribunal Federal a determinar, a pedido do Ministério Público Federal, a suspensão de diligências a serem cumpridas em inquéritos que abrangem, entre outros, os presidentes da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (RJ), e do Senado, Renan Calheiros (AL), ambos do PMDB, o que deve atrasar as investigações envolvendo políticos.

Os desentendimentos entre policiais e procuradores surgiram desde a abertura dos inquéritos a partir de autorização do Supremo, em março.
A queda de braço se intensificou nesta semana. Isso porque procuradorestelefonaram para parlamentares informando que os investigados não precisariam, necessariamente, depor na sede da Polícia Federal em Brasília. Poderiam optar por realizar a oitiva, por exemplo, na sede da Procuradoria-Geral da República.
A iniciativa de procurar diretamente os investigados incomodou integrantes da PF, o que levou a uma troca de telefonemas entre o diretor-geral do órgão, Leandro Daiello, e o procurador-geral Rodrigo Janot. O primeiro contato partiu do procurador, que teria relatado ao chefe da PF que políticos investigados pediram à sua equipe para serem ouvidos na procuradoria da República e não na sede da PF. Ou seja, sem a presença de policiais.
Em resposta, Janot ouviu que a polícia estava cumprindo uma decisão do STF e que qualquer alteração deveria ocorrer mediante consulta do procurador à Corte. Ocorre que ao averiguar por que razão os investigados não queriam mais depor para os delegados, a PF descobriu que era a PGR quem estava orientandoos alvos, o que aprofundou a crise. Coube ao ministro José Eduardo Cardozo, titular da Justiça, a quem a PF é subordinada, tentar buscar o consenso. Na quinta-feira, 16, à noite, Cardozo conversou com Janot e Daiello separadamente. Após esse telefonema, a PF desistiu de divulgar nota a respeito da crise.
Num outro ponto de desentendimento, a polícia teria pedido ao STF novas diligências a partir dos documentos analisados sem consultar previamente a procuradoria. Para os policiais, o estresse quanto a isso foi causado porque a procuradoria quer limitar as investigações e não teria como justificar a negativa de um pedido para avançar no inquérito. Já para os procuradores, a PF tomou a dianteira de forma indevida uma vez que o próprio ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no STF, definiu na abertura dos inquéritos que o autor "incontestável" das investigações é o MPF.
Diante do impasse, a PGR encaminhou na terça-feira ao STF pedido parasuspender depoimentos programados entre 15 e 17 de abril, o que só foi atendido por Zavascki na noite de anteontem.

Reação

ministro do STF Marco Aurélio Mello criticou ontem a divergência entre os órgãos ao afirmar que "a verdade" a ser desvendada nas investigações fica prejudicada.
– O inquérito busca a verdade e é preciso que as instituições funcionem nas áreas reservadas pela lei. A Polícia Federal, o Ministério Público e, capitaneando, o STF. Não é uma coisa boa o desentendimento entre autoridades – disse.
Outro integrante da Corte, ouvido reservadamente, afirmou que o desentendimento atrasa as investigações, mas destacou que a divergência entre os dois órgãos é histórica.
A Associação Nacional dos Procuradores da República divulgou nota sobre a crise: "Os procuradores reiteram sua inteira confiança na Polícia Federal - notadamente em seu dever prioritário de cumprir mandados judiciais –, sem que entretanto isso signifique reconhecer pretensões a tarefas perante o Judiciário que não lhe competem, como já reconhecido, no caso, pelo próprio STF".
Associação dos Delegados da PF também se manifestou em nota: "A ADPF repudia a tentativa do Ministério Público Federal de interferir nas apurações da Polícia Federal na operação Lava Jato, com o pedido de Janot ao Supremo Tribunal Federal para a suspensão de depoimentos de sete inquéritos que seriam tomados nesta semana".

Acessado e disponível na Internet em 17/04/2015 no endereço -
http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2015/04/disputa-entre-procuradoria-e-pf-suspende-investigacao-de-politicos-4742093.html

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Cassação de aposentadoria é incompatível com regime previdenciário dos servidores

INTERESSE PÚBLICO

Cassação de aposentadoria é incompatível com regime previdenciário dos servidores





A cassação de aposentadoria tem sido prevista como penalidade nos Estatutos dos Servidores Públicos. Na esfera federal, a Lei 8.112/1990, no artigo 134, determina que “será cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo que houver praticado, na atividade, falta punível com a demissão”. A justificativa para a previsão de penalidade dessa natureza decorre do fato de que o servidor público não contribuía para fazer jus à aposentadoria. Esta era considerada como direito decorrente do exercício do cargo, pelo qual respondia o Erário, independentemente de qualquer contribuição do servidor. Com a instituição do regime previdenciário contributivo, surgiu a tese de que não mais é possível a aplicação dessa penalidade, tendo em vista que o servidor paga uma contribuição, que é obrigatória, para garantir o direito à aposentadoria.

O regime previdenciário contributivo para o servidor público foi previsto nas Emendas Constitucionais 3/1993 (para servidores federais), 20/1998 (para servidores estaduais e municipais, em caráter facultativo) e 41/2003 (para servidores de todas as esferas de governo, em caráter obrigatório). No entanto, mesmo antes da instituição desse regime, já havia algumas vozes que se levantavam contra esse tipo de penalidade. O argumento mais forte era o de que a aposentadoria constituía um direito do servidor que completasse os requisitos previstos na Constituição: era o direito à inatividade remunerada, como decorrência do exercício do cargo por determinado tempo de serviço público. Alegava-se que a punição era inconstitucional, porque atingia ato jurídico perfeito.
Com esse argumento, algumas ações foram propostas pleiteando a invalidação da punição, chegando, algumas delas, ao conhecimento e julgamento do Supremo Tribunal Federal. A Corte não acolheu aquele entendimento. No MS 21.948/RJ, alegava-se a inconstitucionalidade dos incisos III e IV do artigo 127, da Lei 8.112/90, que previam as penas de demissão e de cassação de aposentadoria ou disponibilidade, sob o argumento de que, quando aplicada a pena de demissão, o servidor já havia completado o tempo para aposentadoria. O argumento foi afastado, sob o fundamento de que o artigo 41, parágrafo 1º, da Constituição prevê a demissão; e que a lei prevê inclusive a cassação de aposentadoria, aplicável ao inativo, se resultar apurado que praticou ilícito disciplinar grave, quando em atividade. O mesmo entendimento foi adotado no MS 22.728/PR, no qual foi afastado o argumento de que a pena de cassação de aposentadoria é inconstitucional por violar ato jurídico perfeito.
Depois da EC 20/98, o STF proferiu acórdão no MS 23.299/SP. O relator foi o ministro Sepúlveda Pertence, que não enfrentou o tema diante da mudança no regime jurídico da aposentadoria e adotou a mesma tese já aplicada aos casos precedentes. Igual decisão foi adotada no ROMS 24.557-7/DF. No julgamento do AgR no MS 23.219-9/RS, o relator anotou que, não obstante o caráter contributivo de que se reveste o benefício previdenciário, o STF tem confirmado a possibilidade de aplicação da pena de cassação de aposentadoria. O julgado baseou-se, ainda uma vez, no precedente, relatado pelo Min. Pertence.
Mais recentemente, novo posicionamento foi adotado em acórdão proferido pela 2ª Turma (RE 610.290/MS, rel. min. Ricardo Lewandowski), em cuja ementa consta que: “o benefício previdenciário instituído em favor dos dependentes de policial militar excluído da corporação representa uma contraprestação às contribuições previdenciárias pagas durante o período efetivamente trabalhado.” Nesse caso, alegava-se que era inconstitucional o dispositivo de lei estadual que instituiu o benefício previdenciário aos dependentes de policial militar excluído da corporação. A decisão foi pela constitucionalidade do dispositivo, por se tratar de benefício previdenciário, de caráter contributivo. Ponderou o ministro que “entender de forma diversa seria placitar verdadeiro enriquecimento ilícito da Administração Pública que, em um sistema contributivo de seguro, apenas receberia as contribuições do trabalhador, sem nenhuma contraprestação”.
Note-se que o acórdão trata da cassação da pensão dos dependentes e não da cassação de aposentadoria. O órgão especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdão proferido no MS 2091987-98.2014.8.26.0000, entendeu, por maioria de votos, que a cassação de aposentadoria se tornou incompatível com a instituição do regime previdenciário. A meu ver, adotou a tese correta.
É possível reconhecer que a regra que permite a cassação de aposentadoria gera dois tipos opostos de resistência: a) de um lado, a repulsa pela penalidade em si, que é aplicada quando o inativo já está com idade avançada e com grande dificuldade ou mesmo impossibilidade de encontrar outro trabalho, seja no setor público, seja no setor privado; no acórdão mencionado, proferido pelo Órgão Especial do TJSP, o inativo já tinha se aposentado compulsoriamente por ter completado 70 anos de idade; b) de outro lado, a extinção da penalidade de cassação de aposentadoria por ilícito praticado quando o inativo ainda estava em atividade gera outro tipo de repulsa, que é o fato de o servidor acabar não sendo punido na esfera administrativa (ainda que possa ser punido na esfera penal e responder civilmente pelos danos causados ao erário, inclusive em ação de improbidade administrativa).
Há que se ponderar que, em se tratando de pena de demissão, não há impedimento a que o servidor volte a ocupar outro cargo público, uma vez que preencha os respectivos requisitos, inclusive a submissão a concurso público, quando for o caso. Se assim não fosse, a punição teria efeito permanente, o que não é possível no direito brasileiro. E não há dúvida de que, se vier a ocupar outro cargo, emprego ou função, o tempo de serviço ou de contribuição, no cargo anterior, será computado para fins de aposentadoria e disponibilidade, com base no artigo 40, parágrafo 9º, da Constituição. Mesmo que outra atividade seja prestada no setor privado ou em regime de emprego público, esse tempo de serviço ou de contribuição no cargo em que se deu a demissão tem que ser considerado pelo INSS, por força da chamada contagem recíproca, prevista no artigo 201, parágrafo 9º, da Constituição.
Façamos um paralelo com o trabalhador filiado ao Regime Geral de Previdência Social. O que acontece quando demitido do emprego por justa causa, por ter praticado falta grave? O trabalhador tem dois tipos de vínculos: a) um vínculo de emprego com a empresa, regido pela CLT; e b) um vínculo de natureza previdenciária, com o INSS. Se for demitido, mas já tiver completado os requisitos para aposentadoria, ele poderá requerer o benefício junto ao órgão previdenciário. Se não completou os requisitos, ele poderá inscrever-se como autônomo e continuar a contribuir até completar o tempo de contribuição; ou poderá iniciar outro vínculo de emprego que torne obrigatória a sua vinculação ao regime de seguridade social; ou poderá ingressar no serviço público, passando a contribuir para o Regime Próprio, também em caráter obrigatório. De qualquer forma, fará jus à já referida contagem do tempo de contribuição anterior. Para fins previdenciários, é absolutamente irrelevante saber quantos empregos a pessoa ocupou e quais as razões que o levaram a desvincular-se de uma empresa e vincular-se a outra. Se for demitido, com ou sem justa causa, nada pode impedi-lo de usufruir dos benefícios previdenciários já conquistados à época da demissão.
A mesma regra aplica-se aos servidores públicos celetistas e temporários, que são necessariamente vinculados ao Regime Geral, nos termos do artigo 40, parágrafo 13, da Constituição. Se forem demitidos por justa causa, porque praticaram ilícito administrativo, essa demissão não os fará perder os benefícios previdenciários já conquistados ou a conquistar, mediante preenchimento do requisito de tempo de contribuição exigido em lei. Com relação ao servidor efetivo, não é e não pode ser diferente a conclusão, a partir do momento em que se alterou a natureza de sua aposentadoria. Ele também passa a ter dois tipos de vínculos: um ligado ao exercício do cargo e outro de natureza previdenciária.
Antes da instituição do Regime Próprio do Servidor, a aposentadoria era um direito decorrente do exercício do cargo, financiado inteiramente pelos cofres públicos, sem contribuição do servidor, da mesma forma que outros direitos previstos na legislação constitucional e estatutária, como a estabilidade, a remuneração, as vantagens pecuniárias, as férias remuneradas. Note-se que a pensão, ao contrário dos outros direito ligados ao cargo, já tinha natureza previdenciária contributiva, desde longa data.
Ocorre que houve declarada intenção do governo de aproximar o regime de aposentadoria do servidor público e o do empregado do setor privado. Tanto assim que o artigo 40, parágrafo 12, da Constituição manda aplicar ao Regime Próprio, no que couber, os “requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social”.
Sendo de caráter contributivo, é como se o servidor estivesse “comprando” o seu direito à aposentadoria; ele paga por ela. Daí a aproximação com o contrato de seguro. Se o servidor paga a contribuição que o garante diante da ocorrência de riscos futuros, o correspondente direito ao benefício previdenciário não pode ser frustrado pela demissão. Se o governo quis equiparar o regime previdenciário do servidor público e o do trabalhador privado, essa aproximação vem com todas as consequências: o direito à aposentadoria, como benefício previdenciário de natureza contributiva, desvincula-se do direito ao exercício do cargo, desde que o servidor tenha completado os requisitos constitucionais para obtenção do benefício.
Qualquer outra interpretação leva ao enriquecimento ilícito do erário e fere a moralidade administrativa. Não tem sentido instituir-se contribuição com caráter obrigatório e depois frustrar o direito à obtenção do benefício correspondente. Assim, se a demissão não pode ter o condão de impedir o servidor de usufruir o benefício previdenciário para o qual contribuiu nos termos da lei (da mesma forma que ocorre com os vinculados ao Regime Geral), por força de consequência, também não pode subsistir a pena de cassação de aposentadoria, que substitui, para o servidor inativo, a pena de demissão.
Não se pode invocar, para afastar essa conclusão, o caráter solidário do regime previdenciário. Não há dúvida de que a solidariedade é uma das características da previdência social, quando comparada com a previdência privada. Podemos apontar as seguintes características do seguro social e que o distinguem do seguro privado: a) obrigatoriedade, pois protege as pessoas independentemente de sua concordância, assegurando benefícios irrenunciáveis; b) pluralidade das fontes de receita, tendo em vista a impossibilidade dos segurados manterem, por si, o sistema e cobrirem todos os benefícios; daí a ideia de solidariedade, que dá fundamento à participação de terceiros que não os beneficiários no custeio do sistema; c)desproporção entre a contribuição e o benefício, exatamente como decorrência da pluralidade das fontes de receita; d) ausência de lucro, já que é organizada pelo Estado.
O fato de ser a solidariedade uma das características do seguro social não significa que os beneficiários não tenham direito de receber o benefício. Eu diria que a solidariedade até reforça o direito, porque ela foi idealizada exatamente para garantir o direito dos segurados ao benefício. De outro modo, não haveria recursos suficientes para manter os benefícios da previdência social. A solidariedade significa que pessoas que não vão usufruir do benefício contribuem para a formação dos recursos necessários à manutenção do sistema de previdência social; é o caso dos inativos e pensionistas e também dos servidores que não possuem dependentes mas têm que contribuir necessariamente para a manutenção do benefício; são as hipóteses em que à contribuição não corresponde qualquer benefício. Mas para os servidores assegurados, à contribuição tem necessariamente que corresponder um benefício, desde que preenchidos os requisitos previstos na Constituição e na legislação infraconstitucional. A regra da solidariedade convive (e não exclui) o direito individual ao benefício para o qual o servidor contribuiu.
A solidariedade não afasta o direito individual dos beneficiários, já que o artigo 40 da Constituição define critérios para cálculo dos benefícios, a saber, dos proventos de aposentadoria e da pensão, nos parágrafos 1º, 2º e 3º. Não há dúvida de que a contribuição do servidor, quando somada aos demais requisitos constitucionais, dá direito ao recebimento dos benefícios.
O já transcrito argumento utilizado pelo Min. Lewandowski com relação à pensão é inteiramente aplicável à aposentadoria. Note-se que o caráter contributivo e retributivo do regime previdenciário do servidor também foi ressaltado na ADI nº 2010. Para o Relator, a “existência de estrita vinculação causal entre contribuição e benefício põe em evidência a correção da fórmula, segundo a qual não pode haver contribuição sem benefício”.
A relação entre benefício e contribuição decorre de vários dispositivos da Constituição, mas consta expressamente do artigo 40, parágrafo 3º. O que ocorre é que a legislação estatutária não se adaptou inteiramente ao novo regime de aposentadoria e continua a prever a pena de cassação de aposentadoria, sem levar em consideração que ela se tornou incompatível com o regime previdenciário. Além disso, há uma resistência grande dos entes públicos em abrir mão desse tipo de penalidade, seja por não terem tomado consciência das consequências de alteração do regime do servidor, seja por revelarem inconformismo com a incompatibilidade da referida penalidade com o regime previdenciário contributivo agora imposto a todos os servidores.
Mas o fato é que a pena de cassação de aposentadoria deixou de existir para cada ente federativo a partir do momento em que, por meio de lei própria, instituíram o regime previdenciário para seus servidores. Isto não impede que o servidor responda na esfera criminal e no âmbito da lei de improbidade administrativa e que responda pela reparação civil dos prejuízos eventualmente causados ao erário. A cassação de disponibilidade continua a existir, porque a disponibilidade continua a ser uma decorrência da estabilidade do servidor, independentemente de qualquer contribuição previdenciária.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro é advogada e professora titular aposentada de Direito Administrativo da Universidade de São Paulo (USP).
Revista Consultor Jurídico, 16 de abril de 2015, 8h00

COMENTÁRIOS DE LEITORES

3 comentários

É UMA LÁSTIMA.....

Ademilson Pereira Diniz (Advogado Autônomo - Civil)

Bem, isto tudo que falou a nobre Administrativista soa tão óbvio que, indignados, só temos a lastimar que alguns pseudos-juristas ou pseudos-magistrados (digo 'pseudos' não porque não detenham os cargos desses títulos, mas porque e sobretudo os tendo, nos brinda com bufaradas jurídicas que nos enjoa a todos) tenham o disparate de 'ainda' defender uma tese obsoleta e sepultada de há muito. Afirmar que existe essa tal cassação-pena da aposentadoria é simplesmente dar um depoimento de absoluta ignorância sobre previdencialismo, notadamente este nosso, conformado à nossa Constituição. Estando presente os dois fundamentos à obtenção desse direito: o serviço prestado e a contribuição recolhida, como se pode dar um passo atrás e ignorar esses fatos constitutivos do direito ao benefício? (aliás, essa palavra 'benefício' é que deve atordoar a mente raquítica dos que pensam dessa forma...benefício, aquilo que se dá, que se doa?) É um DIREITO SUBJETIVO, decorrente de uma relação jurídica onerosa; e tanto, que é imprescritível (quanto ao direito em si, excluídas verbas não recebidas num certo período de tempo). Excelente e oportuna as lições da D. articulista.

A DIFICULDADE DO ÓBVIO NO BRASIL!

mfontam (Advogado Sócio de Escritório - Administrativa)

A cultura do linchamento moral em voga no atual Brasil não permite que o óbvio prevaleça, confirmando Sérgio Buarque de Holanda de que o brasileiro é "cordial", ou seja, age por impulso, de modo irracional, com moralismo de fachada, pois comumente quem bate no peito pelo moralismo, tem muita coisa pessoal a esconder! Se no passado o servidor não pagava contribuição, somente nesse contexto é que a aposentadoria prêmio poderia ser cassada, pois era um prêmio, não um direito! Mas de uns anos para cá, a aposentadoria do servidor público é uma contraprestação em relação ao que o servidor já pagou. Ou seja, não é mais prêmio, mas direito, contraprestação pelo que pagou! Portanto, há um regime contratual e se um dos contratantes cumpriu sua parte a outra parte tem que cumprir a sua. Não faz o menor sentido dizer que o cometimento de irregularidade acaba com todos os direitos do acusado, inclusive os direitos de crédito a que tem direito! Isso seria a mesma coisa que o servidor faz um contrato de compra e venda, entrega o bem objeto da transação e, por ter cometido alguma irregularidade, a outra parte não precisa pagar a dívida! Parabéns à renomada jurista que trouxe serenidade e justiça para algo que deveria ser óbvio mas não o é para quem age movido por slogans demagógicos e sensacionalistas.

PARABÉNS AO "CONJUR"

João Francisco, Monte Aprazível (Auditor Fiscal)

Parabéns ao “Consultor Jurídico” que, a partir de agora, nos proporciona essa coluna com a Profª Maria Sylvia, uma das maiores autoridades em Direito Administrativo no Brasil.
E, para iniciar os serviços, lança uma luz sobre um tema obscuro e pouco examinado pela doutrina, que vem a ser a pena de cassação da aposentadoria dos servidores públicos.
De resto, o texto demonstra com clareza e objetividade o descabimento da aplicação dessa pena, que não se coaduna com a nova ordem constitucional, notadamente após a edição das emendas relativas à reforma previdenciária e a consequente aprovação dos regimes previdenciários para cada ente federativo.