"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

quarta-feira, 6 de maio de 2015

RÉU ACUSADOR - Ao apostar na delação, MP abre mão do seu papel de denunciar, critica Macabu

RÉU ACUSADOR

Ao apostar na delação, MP abre mão do seu papel de denunciar, critica Macabu


Para Macabu, ato de delegar ao réu a função de acusar deve ser repudiado.
STJ

Ao apostar na delação premiada como principal elemento de instrução processual, o Ministério Público abre mão de seu papel constitucional de denunciar. A avaliação é do desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro aposentado Adilson Macabu, que atuou como convocado no Superior Tribunal de Justiça e agora advoga. Para ele, essa inversão de papéis “coloca em risco o regime democrático”.
A delação premiada é considerada por muitos criminalistas brasileiros uma mera importação de um instrumento do Direito Penal norte-americano. Para ela funcionar, é preciso que um dos envolvidos numa investigação policial decida, por vontade própria, colaborar com a operação. Geralmente, é exigido que o investigado entregue seus cúmplices, dê detalhes dos crimes e aponte onde os investigadores podem buscar mais provas para embasar a narrativa da denúncia.
A delação premiada tem sido o principal instrumento dos órgãos de acusação para a instrução da operação “lava jato”, que apura indícios de superfaturamento de contratos firmados entre a Petrobras e empreiteiras para favorecer executivos. A maioria das provas decorre de depoimentos feitos por dois dos investigados: Alberto Yousseff, denunciado como operador financeiro do esquema, e Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras.
Na opinião de Adilson Macabu, ao optar pela delação, o Ministério Público delega para um dos investigados a função de entregar comparsas. O MP passa a ser mero espectador. “O ato de delegar ao réu a atribuição de acusar, escolhendo quem deve ser investigado, não poucas vezes, segundo critérios subjetivos e espúrios, deve ser repudiado”, disse, em entrevista à ConJur.
Macabu ficou famoso nos noticiários nacionais por ter sido relator do Habeas Corpus que derrubou toda a operação satiagraha por ilegalidade na coleta de provas. A operação era então a mais espetaculosa da Polícia Federal. Investigava denúncias de crimes financeiros supostamente cometidos por Daniel Dantas.
Macabu entendeu que as provas eram ilegais porque as escutas telefônicas que instruíram o processo foram feitas por agentes da Abin, a Agência Brasileira de Inteligência, convocados ilegalmente pela PF. Para ele, a operação violou os princípios constitucionais da impessoalidade, da legalidade e do devido processo legal, de forma que foi derrubada por três votos a dois pela 5ª Turma do STJ.
Inversão de papéis
Para Macabu, o Brasil está presenciando uma inversão da atividade processual que deveria ser exercida pelo MP, o que tem acarretado em prisões preventivas de citados em delações com o argumento de que é necessário garantir a ordem pública. Ele explica que indícios de prática de crimes podem servir para a abertura de um processo, mas não justificam a prisão antes do devido processo legal, “sob pena de se vulnerar o princípio da não culpabilidade, especialmente quando não estiverem configuradas as situações elencadas no artigo 312 do Código de Processo Penal”.

Os acordos de delação são feitos entre investigado, investigadores e Ministério Público e devem sempre ser homologados pelo Judiciário. No caso da “lava jato”, há cláusulas que obrigam o investigado a abrir mão de recursos contra termos do acordo. Isso, segundo Macabu, “vulnera o sistema democrático, na medida em que nenhuma lei pode sobrepor-se às garantias fundamentais e aos princípios constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal”.
Para ele, práticas desse tipo vulneram o preceito constitucional que assegura a igualdade de todos perante a lei e “constitui uma porta aberta para a prática de inúmeras ilegalidades, especialmente, porque, à luz do artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório, a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Medidas Cautelares
O criminalista também defende a aplicação de outras medidas cautelares alternativas à prisão preventiva, quando esta não for estritamente necessária, conforme manda a Lei 12.403/2011.

Na terça-feira (28/4), a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu Habeas Corpus para nove presos na operação “lava jato” e determinou que eles fiquem em regime domiciliar, monitorados por tornozeleiras eletrônicas. A decisão derruba prisões preventivas decretadas pelo juiz federal Sergio Fernando Moro, responsável pelos processos em Curitiba. Para o ministro Teori Zavascki, relator do caso, as determinações de Moro basearam-se apenas nos indícios de existência de crime, embora a jurisprudência do Supremo considere esse argumento insuficiente para justificar, por si só, prisões preventivas.
Em maio de 2012, quando estava como convocado na 5ª Turma do STJ, Adilson Macabu foi voto vencido no julgamento que manteve preso Carlinhos Cachoeira, mas abriu um importante precedente ao defender a aplicação de medidas cautelares em substituição à prisão preventiva. Foi o primeiro voto em corte superior que determinou a aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão preventiva.
Segundo seu voto no julgamento de pedido de Habeas Corpus, a liberdade do empresário era possível porque nenhum dos crimes imputados a Cachoeira “foi cometido com violência, sendo certo que ele não ostenta qualquer condenação com trânsito em julgado e, em nenhum momento, tentou empreender fuga”. Macabu também destacou que o preso cumpria os critérios exigidos por lei, por ser réu primário, de bons antecedentes, com atividade definida e residência fixa.

 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 2 de maio de 2015, 13h04

INÉRCIA DO MP - STF analisará cabimento de ação penal privada subsidiária da pública após 15 dias

INÉRCIA DO MP

STF analisará cabimento de ação penal privada subsidiária da pública após 15 dias





O Supremo Tribunal Federal vai decidir se cabe ação penal privada subsidiária da pública após 15 dias. A situação ocorre quando uma vítima pode ingressar com a ação depois que o Ministério Público deixa de agir — seja não oferecendo denúncia, arquivando-a ou requisitando diligências externas no prazo legal. A matéria, considerada constitucional por maioria dos votos no Plenário Virtual, teve repercussão geral reconhecida e terá o mérito examinado no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 859.251 pelo Plenário da Corte.
O recurso também levanta discussão quanto à ocorrência ou não de prejudicialidade da queixa quando o Ministério Público atuar após o prazo legal de 15 dias para propor a ação penal. O agravo foi interposto contra decisão que não admitiu a remessa do recurso extraordinário ao Supremo, sob o argumento de que a pretensão demandaria o reexame de fatos e provas, além de contrariar a jurisprudência do Tribunal, a partir de ação penal privada subsidiária da pública proposta pela suposta prática do crime de homicídio culposo.
Com o recebimento da queixa em outubro de 2012, foi impetrado Habeas Corpus no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que deferiu a ordem para trancar ação penal privada subsidiária proposta pelos recorrentes, sob o fundamento de que não houve inércia do Ministério Público. 
Eles sustentaram que “não há necessidade de incursão no conjunto fático-probatório, mas apenas a sua revaloração” e acrescentaram que o acórdão do TJ-DF não está em "perfeita sintonia" com a jurisprudência do STF. No RE se alega que a decisão questionada viola o disposto no artigo 5º, inciso LIX, da Constituição Federal, pois os autos do inquérito permaneceram com a Promotoria por mais de 15 dias, sem que fosse tomada qualquer providência.
Manifestação
O relator do ARE, ministro Gilmar Mendes, entendeu que no caso “está em jogo o direito da vítima e sua família à aplicação da lei penal, inclusive tomando as rédeas da ação criminal, se o Ministério Público não agir em tempo”. Esse direito, segundo ele, foi elevado à qualidade de direito fundamental pela Constituição, conforme o artigo 5º, inciso LIX.

“Interessa não apenas às partes, mas ao sistema jurídico como um todo, marcar os limites do instituto da ação penal privada subsidiária da pública em casos como o presente”, avaliou o ministro ao ressaltar que a questão “tem a necessária relevância jurídica para passar pelo controle da repercussão geral”.
Com base na jurisprudência do Supremo (RHC 68430) no sentido de que a conduta do MP posterior ao surgimento do direito de queixa não prejudica sua propositura, o relator entendeu que “apenas a propositura da ação penal pública ou a promoção do arquivamento do inquérito, anteriores ao oferecimento da ação penal privada, prejudicariam seu andamento”. “Fora dessas hipóteses, não há razão para afastar o direito devidamente exercido”, frisou.
Assim, o ministro Gilmar Mendes se manifestou pelo provimento do agravo e do recurso extraordinário para reformar o acórdão recorrido e denegar a ordem de habeas corpus, a fim de que a ação penal privada prossiga. Porém, no mérito, o Plenário Virtual não reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, que ainda será submetida ao Plenário da Corte. Com informações da Assessoria de Imprensa da STF.
ARE 859.251



Revista Consultor Jurídico, 4 de maio de 2015, 22h10

Juiz dá "puxão de orelha" no MPF ao absolver acusados de acidente da TAM

ERROS EM SÉRIE

Juiz dá "puxão de orelha" no MPF ao absolver acusados de acidente da TAM




Uma série de erros do Ministério Público Federal fez com que a Justiça Federal rejeitasse denúncia contra três acusados de contribuir para o acidente com um avião da TAM que causou a morte de 199 pessoas, em 2007, no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. O juiz Márcio Assad Guardia, da 8ª Vara Criminal de São Paulo, diz que o órgão acusatório apresentou “distorção e invencionice”, “imprecisão absurda”, “verdadeiro devaneio” e omitiu dados da perícia.
Erros em acusação impedem condenação de acusados de ter contribuído para o acidente do Voo 3054, diz juiz.
Reprodução
Ele absolveu dois executivos da TAM — o então diretor de Segurança de Voo da companhia, Marco Aurélio dos Santos de Miranda e Castro, e o vice-presidente de Operações Alberto Fajerman — e a diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) na época do acidente, Denise Maria Ayres Abreu. Segundo o MPF, os três deixaram a aeronave exposta a perigo mediante negligência, pois teriam ignorado procedimentos ligados às suas funções.
A denúncia diz, por exemplo, que os executivos da TAM deveriam ter ordenado que a aeronave pousasse em outro aeroporto ao constatar problemas na pista principal de Congonhas, num dia chuvoso. Já a decisão diz que não havia motivo concreto para o redirecionamento de aeronaves, pois o aeroporto estava em funcionamento regular, autorizado pelas autoridades competentes.
Apesar de o MPF indicar problemas na atuação da dupla, o juiz afirma que o órgão deixa brechas sobre qual deveria ser a conduta correta: “Qual o critério que seria utilizado? Bastaria que chovesse no mesmo dia? Ou algumas horas antes? Bastaria a identificação de pista molhada? Em suma, oparquet nem sequer delimita objetivamente o dever de agir, ou seja, o comportamento que seria apto a impedir o resultado, engendrando uma conduta desprovida de razoabilidade e que passa ao largo de qualquer lastro probatório ou normativo”.
Castro e Fajerman também eram acusados de terem deixado de informar os pilotos do Airbus A-320 sobre mudanças no procedimento de pouso, já que um reversor estava inoperante. O juiz disse que essa imputação consiste “em verdadeiro devaneio”, pois as provas nos autos demonstraram que a comunicação foi feita por meio de boletins, e-mails e do MEL (lista de equipamentos elaborada pelo fabricante do avião cuja leitura é obrigatória para pilotos, ou a "bíblia" do aviador, segundo o juiz).
A ex-diretora da Anac foi denunciada sob a acusação de ter liberado a pista de Congonhas “mesmo ciente de suas péssimas condições”. A denúncia cita liminar de uma Ação Civil Pública que impôs limites ao tráfego no aeroporto até a recuperação da pista. Mas a decisão, aponta o juiz, nem sequer tinha eficácia no dia 17 de julho de 2007, quando ocorreu o acidente, pois as obras já haviam sido concluídas.
A denúncia citava ainda procedimentos corretos para “aeronaves com sistema de freio inoperante”. O juiz apontou “falta de compromisso com a precisão semântica”, pois “nunca, em nenhum lugar do planeta, permitiu-se que uma aeronave operasse sem sistema freios!”.
Ao apresentar os argumentos finais, o MPF também quis mudar a acusação de modalidade culposa por dolosa. O juiz afirmou que “transparece à obviedade o descabimento do pleito ministerial, pois só poderia modificar a descrição da petição inicial se houvesse mudança na descrição dos fatos”.
Erro dos pilotos
Em resumo, a decisão diz que o acidente ocorreu por erro na execução do procedimento de pouso, conforme concluiu a perícia. “Nessa toada, ainda que houvesse uma ‘melhor estrutura’, ‘maior número de funcionários’ ou ‘outros instrumentos de comunicação com os pilotos e de análises de tendências’ — seja lá o que isso signifique na visão do MPF — não teria o condão de impedir o acidente ou minimizar eventual risco de sua ocorrência.”

“Seu fator determinante deu-se no exato momento da execução do procedimento de pouso, de modo que não se encontra no desdobramento causal de uma ‘fiscalização’ prévia do setor de segurança da companhia aérea, nem tampouco ao alcance de sua ingerência para evitar que o resultado não ocorresse”, escreveu Guardia.
Ele avaliou que somente haveria responsabilidade dos dirigentes nas hipóteses de, por exemplo, falta de treinamento adequado; escala de pilotos inexperientes ou com horas insuficientes de voo com aquele modelo de aeronave; inobservância de horas necessárias de descanso dos pilotos; ou excesso de carga de trabalho, o que não ocorreu no caso.
Disputa por linhas
O acidente se deu em meio a uma guerra empresarial em que a TAM e a Gol atuavam fortemente sobre a Anac para ficar com as linhas da combalida Varig, já em processo de recuperação judicial. Como a Justiça barrou a apropriação das linhas pelas duas aéreas, a Anac abriu novas janelas para que as companhias pudessem expandir sua operação, aumentando o número de voos.

Clique aqui para ler a decisão.

 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 5 de maio de 2015, 7h18