"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

sábado, 8 de agosto de 2015

Inquérito policial é o mais importante instrumento de obtenção de provas

Inquérito policial é o mais importante instrumento de obtenção de provas

A questão da prova no processo penal é sempre tema de incansáveis discussões na doutrina. Como bem coloca Gomes Filho[1], “é dos mais importantes da ciência do processo, na medida em que a correta verificação dos fatos em que se assentam as pretensões das partes é pressuposto fundamental para a prolação da decisão justa.”
O termo prova é utilizado tanto como meio de prova, como resultado, ou ainda como elementos de prova. Nesse sentido, cabe inicialmente situar o papel da investigação criminal e, mais precisamente, do inquérito policial, nesse cenário.
A investigação criminal é definida por Eliomar da Silva Pereira[2] como “pesquisa, ou conjunto de pesquisas, administrada estrategicamente, no curso da qual incidem certos conhecimentos operativos oriundos da teoria dos tipos e da teoria das provas, apresentando uma teorização sob várias perspectivas que concorrem para a compreensão de uma investigação criminal científica e juridicamente ponderada pelo respeito aos direitos fundamentais, segundo a doutrina do garantismo penal.”
O inquérito policial, por sua vez, é o instrumento, no direito processual penal, que legalmente materializa a investigação criminal, presidida pela autoridade policial, nos termos do artigo 4° do Código de Processo Penal. Acerca do inquérito policial, Pitombo destaca que[3]:
Não guarda cabimento asserir-se que surge como simples peça informativa; para, em seguida, afirmar que os meios de prova constantes do inquérito, servem para receber, ou rejeitar a acusação; prestam para decretar a prisão preventiva; ou para conceder a liberdade provisória; bastam, ainda, para determinar o arresto e o seqüestro de bens, por exemplo.
Dizer-se que o inquérito policial consiste em mero procedimento administrativo, que encerra, tão só, investigação, é simplificar, ao excesso, a realidade sensível. Resta-se, na necessidade esforçada de asseverar, em conseqüência, que a decisão judicial, que receba a denúncia ou a queixa, embasada em inquérito, volta no tempo e no espaço judiciarizando alguns atos do procedimento . As buscas e as apreensões, bem como todas as perícias – exames, vistorias e avaliações – emergem quais modelos de tal operação. Espécie de banho lustral sobre os meios de prova, encontráveis no inquérito. Sem esquecer eventual encarte de documentos – instrumentos ou papéis – aos autos de inquérito.
O inquérito policial materializa, portanto, uma fase anterior ao processo penal propriamente dito, destinada a subsidiar o início deste, atuando como um filtro, para, segundo Aury Lopes Jr[4], “purificar, aperfeiçoar, conhecer o certo”. Por ora, nos ocuparemos da relação entre teoria das provas e inquérito policial. Usando-se a perspectiva de Alexandre Morais da Rosa[5], podemos, sem dúvida, compreender também a fase pré-processual como um jogo, marcado pela estratégia e tática dele decorrentes. Assim, não se pode desconsiderar a fase da investigação preliminar, sobretudo em razão de seu papel na formação do convencimento do juiz, assim como na formação do juízo do órgão acusador ou, por outro lado, da defesa. Claro está que a investigação criminal não se destina unicamente à acusação, mas sim ao esclarecimento de fatos apontados como infrações penais e sua respectiva autoria.
Embora seja recorrente na doutrina a expressão de que não se produz prova no inquérito policial, tal expressão apresenta-se falaciosa, uma vez que a quase totalidade dos elementos probatórios carreados às ações penais são identificados ou produzidos no curso da investigação criminal na fase pré-processual, ou seja, no curso do inquérito. Ou seja, as tão conhecidas “operações policiais”, em sua grade maioria, não são nada além do que uma fase de um inquérito policial, destinada à arrecadação de provas e indícios de autoria e materialidade de infrações penais.
Adota-se a tradicional classificação das provas descrita por Malatesta, que classifica as provas conforme três critérios: objeto, sujeito e forma. A classificação quanto à forma nos interessa aqui, segundo a qual forma da prova é a modalidade ou maneira pela qual se apresenta. Quanto à forma, a prova pode ser testemunhal, documental ou material. Entre as três formas, apenas a prova testemunhal é a que necessariamente deve ser produzida em juízo, no curso da ação penal, ainda sujeita a exceções. Da mesma forma, Antonio Scarance[6] destaca como meios de prova típicos as provas testemunhal, pericial, reconhecimentos e a prova documental.
Quanto à prova documental, é pacífico na doutrina ser submetida ao contraditório diferido ou postergado. Ou seja, a mesma é identificada, colhida e inserida no caderno probatório e será submetida ao contraditório em momento posterior, no curso da ação penal.
As provas periciais, igualmente, são produzidas, em sua grande maioria, no curso do inquérito policial e submetidas ao contraditório no curso da ação penal.
Ainda citando Antonio Scarance[7], ao tratar dos meios de pesquisa ou obtenção de prova, o autor os engloba em quatro grupos: exames, vistorias e revistas; buscas, apreensões e sequestros; as interceptações, as escutas e as quebras de sigilo; e as ações especiais para investigação da criminalidade organizada. Dessas medidas, notadamente cautelares, em sua grande maioria são empregadas no curso do inquérito policial.
E frise-se ainda que cada vez mais a fase de investigação preliminar tem sido permeada de atos em que se assegura o contraditório que, embora de maneira mitigada, tem sido presente.
Ainda com relação aos meios de investigação da prova que, segundo Tonini[8], tem como característica a questão da surpresa, que permite a obtenção da fonte de prova, é bom destacar que são produzidos, em sua grande maioria, no curso do inquérito policial.
Autores como Aury Lopes Júnior e Ricardo Jacobsen Gloeckner[9], apesar de reconhecerem a importância do inquérito policial, sobretudo por servirem de base para a decretação de medidas cautelares reais e pessoais, destacam que as provas renováveis, como a testemunhal, acareações e reconhecimentos (quanto a estes últimos, discordamos dos autores, por considerá-los irrepetíveis) devam ser reproduzidas na fase processual, com que concordamos em absoluto, o mesmo não ocorre com os outros meios de prova.
Tampouco a distinção entre atos de prova e atos de investigação preconizada pelos referidos autores[10], ainda nos parece não oferecer solução com relação às fontes de prova identificadas por meio do inquérito policial, notadamente quando os autores sugerem, como medida extrema, a exclusão do inquérito policial dos autos do processo, não deixando claro qual seria o caminho a ser adotado com as provas documentais já carreadas.
O artigo 155 Código de Processo Penal, com a nova redação dada pela Lei 11.690/2008, segundo a qual “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas” (grifo nosso) vem a reforçar ainda a importância a fase de investigação preliminar.
Embora o espaço aqui não permita a discussão acerca das provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, fato é que o Código de Processo Penal, em sua redação atual, autoriza textualmente ao juiz utilizar-se, na formação de sua convicção, das provas produzidas nessas modalidades.
Eliomar da Silva Pereira[11] destaca ainda que “embora não existam partes e contraditório, no inquérito policial considerado como procedimento ‘penal de investigação no Brasil’, há um sujeito de direito (portanto não apenas um objeto da investigação) com interesses legítimos à defesa, talvez não ampla, mas em alguma medida proporcional aos atos de restrição ao âmbito de proteção de direitos fundamentais do investigado.”
A posição do autor é reforçada pela decisão do STF no HC 73.271/SP, pelo ministro Celso de Mello, de onde se extrai que:
A unilateralidade das investigações preparatórias da ação penal não autoriza a Polícia Judiciária a desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao indiciado, que não mais pode ser considerado mero objeto de investigações.
O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias, legais e constitucionais, cuja inobservância, pelos agentes do Estado, além de eventualmente induzir-lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial.
Vale destacar ainda decisão recente do STJ no RHC 36.109/SP, relatado pelo ministro Jorge Mussi, de cuja ementa se extrai que:
5. Embora o Ministério Público seja o principal destinatário dos elementos de convicção reunidos no inquérito policial, o processo penal como um todo é orientado pelo princípio da verdade real, de modo que eventuais novas provas obtidas em sede inquisitorial, ainda que já iniciada a ação penal, podem e devem ser juntadas aos autos. 6. O simples fato de já haver processo penal deflagrado não altera a natureza das provas colhidas pela autoridade policial, que permanecem inquisitivas, prescindindo de contraditório para a sua obtenção, cuja validade para a formação da convicção do magistrado está condicionada à observância do preceito contido no artigo 155 do Código de Processo Penal.
Observa-se, portanto, que a Polícia Judiciária desempenha papel fundamental na fase da investigação preliminar, cuja atuação é imperativa para a fase de persecução penal consubstanciada na ação penal. Some-se ainda o fato de que os elementos angariados pela autoridade policial no curso do inquérito são a base para a decretação das medidas cautelares que afetam diretamente direitos fundamentais do investigado, tais como a quebra de sigilo das comunicações telefônicas e os sigilos bancário e fiscal.
Dos atos produzidos no inquérito policial, portanto, apenas a oitiva de testemunhas e eventual acareação são medidas que devem ser repetidas em juízo, ao passo que todo o conjunto de documentos e perícias realizados no curso do mesmo são utilizados como prova na ação penal.
Por fim, sem perder-se em questões de efetividade, eficiência ou eficácia do inquérito policial, novamente em razão da limitação de espaço, é perceptível por mera observação empírica, a qualquer operador na seara do Direito Penal, que o inquérito policial é o mais importante instrumento de colheita de provas de infrações penais.  
Embora não se possa deixar de apontar, para os crimes de pequena monta, a banalidade do instrumento das prisões, sejam elas provisórias ou não, não há que se discutir que o Brasil possui hoje uma população carcerária gigantesca, alcançando, segundo dados divulgados recentemente pelo Ministério da Justiça[12], números que ultrapassam 600 mil presos. Assim, sem perder-se em discussões filosóficas, o inquérito policial está longe de ser considerado um instrumento arcaico e ineficaz para os seus propósitos e apresenta-se como a base da absoluta maioria das ações penais em curso ou já julgadas no país.

[1] GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Notas sobre a terminologia da prova (reflexos no processo penal brasileiro). In: YARSHELL, Flavio Luiz  e MORAES, Maurício Zanoide. Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2005, p. 303.
[2] PEREIRA, Eliomar da Silva. Teoria da Investigação Criminal. Coimbra: Almedina, 2011.
[3] PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. O indiciamento como ato de polícia judiciária. Revista dos Tribunais, n. 577, p. 313.
[4] LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 280.
[5] ROSA, Alexandre Morais da. A teoria dos jogos aplicada ao processo penal. 2ª ed. Empório do Direito, 2015.
[6] FERNANDES, Antonio Scarance. Tipicidade e sucedâneos de prova. In: Fernandes, Antonio Scarance; ALMEIDA, José Raul Gavião de; e MORAES, Maurício Zanoide de. Provas no Processo Penal – Estudo Comparado. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 13-45.
[7] Op. Cit., p. 24-26;
[8] TONINI, Paolo. A prova no processo penal italiano. Trad: Alexandra Martins e Daniela Mróz. São Paulo: RT, 2002, p. 242-243.
[9] LOPES JUNIOR, Aury; GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Investigação Preliminar no Processo Penal. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 324.
[10] Op. Cit. 322-323.
[11] PEREIRA, Eliomar da Silva. Introdução: Investigação Criminal, Inquérito Policial e Polícia Judiciária. In: PEREIRA, Eliomar da Silva e DEZAN, Sandro Lúcio. Investigação criminal conduzida por Delegado de Polícia. Comentários à Lei n° 12.830/2013. Curitiba: Juruá, 2013.
[12] Conforme divulgado em http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/06/23/prisoes-aumentam-e-brasil-tem-4-maior-populacao-carceraria-do-mundo.htm. Acesso em 1/8/2015.
 é delegado da Polícia Federal, doutor pela Faculdade de Direito da USP, mestre em Direito pela UCB e especialista em investigação criminal pela ESP/ANP e em Direito do Estado pela UEL.

Revista Consultor Jurídico, 4 de agosto de 2015, 8h01

PEC 443 pode garantir paridade de armas entre carreiras jurídicas

PEC 443 pode garantir paridade de armas entre carreiras jurídicas

A Proposta de Emenda à Constituição 443, de 2009[1] traz uma singela mudança na Lei Maior, ao estabelecer um parâmetro mínimo para a remuneração, por subsídio, das carreiras da Advocacia Pública, da Defensoria Pública e das Polícias Judiciárias[2].
A PEC 443 não se resume apenas a uma questão remuneratória. Ela corrigirá omissões inconstitucionais que perduram por décadas e trará uma mudança de paradigma vista apenas em poucas ocasiões, desde que a Constituição de 1988 foi promulgada.
Poucos foram os órgãos que mereceram a atenção da Constituição. A magistratura, a advocacia pública, o Ministério Público e a Defensoria Pública estão entre esse seleto grupo. E isso não é desprovido de sentido, afinal a Constituição quis dar um tratamento nacional a essas categorias.
A Constituição trouxe regras que podem ser consideradas como o “estatuto constitucional da Advocacia Pública”. São elas: o artigo 5º, incisos XIII, parágrafo 2º; o artigo 37, inciso XI; o artigo 52, inciso II; o artigo 84, inciso XVI e parágrafo único; o artigo 93, inciso IX; o artigo 103, parágrafo 3º; o artigo 131, parágrafos 1º a 3º; o artigo 132, o artigo 133, o artigo 135, o artigo 165, parágrafo 9º, inciso III; o artigo 235, inciso VIII, todos da Constituição Federal, e artigo 29, parágrafos 1º à 5º, e artigo 69, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
A Advocacia-Geral da União, quando criada pela Constituição, representou a subtração da competência de assessorar e representar a União, que era realizada até então pelo Ministério Público Federal, que passou a atuar de forma independente, inclusive do Poder Executivo. A Advocacia-Geral da União, ao contrário, assumiu o papel de advogada de uma parte: o Estado brasileiro.
Segundo Gustavo Binenbojm[3], “essa imbricação lógica da Advocacia Pública com o Estado Democrático de Direito pode ser explicada teoricamente por uma vinculação das suas funções institucionais aos dois valores fundamentais de qualquer democracia constitucional. O primeiro deles, legitimidade democrática e governabilidade. O segundo deles, controle de legalidade ampla, que eu prefiro chamar de controle de juridicidade. Em primeiro lugar, vou abordar o compromisso democrático da Advocacia Pública. Esse compromisso atende à compreensão do nosso papel institucional em relação aos governantes eleitos. O Advogado Público não é um censor, não é um juiz administrativo, nem um Ministério Público interno à Administração Pública. O Advogado Público tem como uma das suas missões institucionais mais nobres e relevantes cuidar da viabilização jurídica de políticas públicas legítimas definidas pelos agentes políticos democraticamente eleitos. O Advogado Público tem o direito, como cidadão, de discordar dessas políticas. Eu diria que ele tem até o dever se esta for sua convicção pessoal. Todavia, ele tem o dever funcional de se engajar na promoção e na preservação dessas políticas, desde que elas se mantenham dentro dos marcos da Constituição e das leis em vigor”.
Os Advogados Públicos tornaram-se, assim, não apenas advogados do ente público, mas advogados do Estado Democrático de Direito que exercem funções essenciais a dois Poderes da República: à Justiça e à Administração Pública.
O compromisso democrático da Advocacia Pública é importante para ressaltar a relevância e urgência da PEC 443, de 2009, afastar qualquer pecha de inconstitucionalidade que se queira colocar sobre seu texto.
Quando o texto diz que o subsídio do grau ou nível máximo das carreiras da Advocacia-Geral da União corresponderá a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal, escalonando as demais categorias da Advocacia Pública a partir dele, ele não está afrontando o artigo 37, inciso XIII, da CF que estabelece ser “vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público”.
Em primeiro lugar, não há uma equiparação exata entre os subsídios das carreiras do Poder Judiciário ou do Ministério Público da União, pois o percentual de 90,25% se aproximaria da categoria intermediária dessas carreiras[4], conforme definido em lei.
Outrossim, é preciso lembrar que a proibição de equiparação remuneratória entre categorias é dirigida ao legislador ordinário. No texto constitucional, ao contrário, há inúmeras regras que parametrizam órgãos de diferentes, a exemplo do artigo 73, parágrafo 3º, da CF, que parametriza o TCU ao STJ (órgãos do Poder Legislativo e Judiciário) ou do artigo 29, inciso VI, da CF, que trata de Vereadores e Prefeitos (cargos do Poder Legislativo e Executivo).
Esta autorização constitucional ocorreu em diversos momentos de nossa história, a exemplo das propostas que resultaram na EC 19/98, da EC 45/2004 ou das recentes EC 87/2015 e 88/2015.[5].
A chamada simetria constitucional dos subsídios entre o Poder Judiciário e o Ministério Público, por seu turno, é feita pela legislação infraconstitucional, pois o texto da CF se resumiu a dizer, no seu artigo 129, paragrafo 4º, da CF que “aplica-se ao Ministério Público, no que couber, o disposto no art. 93” (texto dado pela EC nº 45/2004), ao passo que o artigo 134, parágrafo 4º, reza que “são princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, aplicando-se também, no que couber, o disposto no artigo 93 e no inciso II do art. 96 desta Constituição Federal” (texto dado pela EC 80/2014)[6].
A PEC 443, de 2009, portanto, não viola o artigo 37, XIII da CF (até porque o parâmetro de controle das Propostas de Emenda à Constituição são as cláusulas pétreas) e, ainda por cima, respeita a tradição constitucional brasileira, ao reconhecer a necessidade de dar uma paridade de armas entre órgãos de Poderes diferentes, de modo a lhes assegurar a harmonia e independência.
A separação de Poderes, que é uma cláusula pétrea invocada sem muita densidade argumentativa, também não pode ser usada contra a PEC 443, de 2009.
Com efeito, no julgamento da ADI 1.949/RS, o STF traçou algumas linhas sobre o âmbito de proteção da garantia de separação dos Poderes, indicando qual o limite das leis e do texto constitucional. Segundo a decisão, “o voluntarismo do legislador infraconstitucional não está apto a criar ou ampliar os campos de intersecção entres os poderes estatais constituídos sem autorização constitucional”.
Esta autorização constitucional ocorreu em diversos momentos de nossa história, a exemplo das propostas que resultaram na EC 19/98, da EC 45/2004 ou das recentes emendas constitucionais 87/2015 e 88/2015.  No caso da Advocacia Pública, a autorização constitucional para a parametrização do subsídio com outras carreiras jurídicas federais virá no texto da PEC 443, que tem aplicabilidade imediata e eficácia diferida no tempo, conforme cronograma trazido nos artigos finais da Proposta[7].
O fato de não depender de lei própria para fixar o subsídio da advocacia pública, além de não afrontar a cláusula pétrea da separação de Poderes, também não viola o princípio da legalidade, que é uma garantia fundamental. Na verdade, ocorrerá com a Advocacia Pública Federal exatamente o que se observa nas carreiras do Poder Judiciário e do Ministério Público dos Estados-Membros, cujo subsídio deixou de ser fixado por lei estadual, mas se parametrizou a partir da lei federal, conforme decisões proferidas no Pedido de Providências 0.00.000.001770/2014-83 pelo CNMP[8], bem como no Pedido de Providências 0006845-87.2014.2.00.0000 no CNJ, que foram cumpridas por todos os Estados.
No caso específico dos advogados públicos, há ainda um argumento favorável: subsídio deixará de ser fixado por lei ordinária, passando a ser tratado pela Lei Maior.
Mais uma vez, não há nenhuma novidade, tampouco inconstitucionalidade, na Proposta de Emenda à Constituição nº 443, de 2009, que só não vem em bora hora, pois chegou tarde. Sua aprovação é, cada vez mais, urgente e indispensável.
Com efeito, o Brasil precisa de sistemas e instituições saudáveis. A Advocacia-Geral da União e seus órgãos vinculados, não obstante seus expressivos resultados, está longe disso. A carreira de Procurador Federal, que chegou a atrair magistrados estaduais e promotores de justiça para seus quadros, hoje amarga a evasão constante de seus quadros, o que inegavelmente tem reflexos sobre os bens, serviços e interesses da União, de suas autarquias e fundações, cuja representação judicial, consultoria e assessoramento cabem aos Advogados Públicos (artigo 131 da CF c/c artigo 29 do ADCT).
Segundo as conclusões do Grupo de Trabalho sobre as carreiras da AGU, o “GT-carreiras” criado pela Portaria 157/2012, havia, no final de 2012, cerca de 1.600 cargos vagos em todos os órgãos da Advocacia-Geral da União (PGF, PGFN, PGU e PGBacen). 
No 1º Diagnóstico do Ministério da Justiça sobre a Advocacia Pública Federal, outros números perturbadores: “37% dos Advogados Públicos Federais que responderam ao questionário afirmaram que pretendem prestar concurso para outra Carreira, sendo que 65,1% demonstraram interesse em seguir a carreira da Magistratura Federal e 57,8% a carreira do Ministério Público Federal”[9]. Em outras palavras, praticamente metade dos integrantes da carreira pretende deixá-la.
As entidades representativas da categoria já apontavam, desde aquela ocasião[10], que há outro número que não aparece nessas estatísticas e se refere aqueles que passam na seleção para o órgão, mas não tomam posse. Cerca de 20% dos aprovados desistem de assumir o cargo porque, até a posse, já passaram em outro concurso mais vantajoso. No decorrer dos dois anos seguintes, mais 20% deles desistem de continuar. Isso significa que, entre aprovados e os recém-nomeados, a desistência chega a 40% em dois anos.
Levando em consideração os números do início desse ano, dos 610 nomeados para o cargo de procurador federal no concurso de 2005 (homologado pela Portaria 578/2006) apenas 373 permanecem na carreira. No concurso de 2007 (PT 1.529/2007, retificada pela PT 153/2008) dentre os 942 nomeados, 683 permanecem na carreira. No concurso de 2010 (PT 2.053/2010, retificada pela PT nº 286/2011), dentre os 305 nomeados, tão somente 218 permanecem na Advocacia Pública Federal. Na data do ajuizamento desta ação, os números certamente já serão maiores.
Conforme dados da própria Advocacia-Geral da União, existem 4.362 vagas de procurador federal, número que representa a lotação ideal da Procuradoria-Geral Federal. Ou seja, o número de vagas minimamente necessárias para representar de forma eficaz o interesse público na representação judicial e extrajudicial das autarquias e fundações públicas federais. Todavia, no mês de março de 2015, existiam apenas 3.748 procuradores federais lotados na PGF, ou seja, existem aproximadamente de 500 vagas abertas na carreira, sem contar as vagas devidamente preenchidas, mas cujo exercício não está sendo prestado pelo titular, em razão de licenças ou demais afastamentos permitidos por lei.
Tais números demonstram a deterioração das condições de trabalho dos advogados públicos, bem como a necessidade de aprovação a PEC 443, de 2009, que amenizará o problema. Por outro lado, esse mesmo quadro demonstra que não é mais possível encarar uma das instituições mais importantes da República, como a Advocacia-Geral da União, como uma realidade estanque.
Por exercerem funções igualmente essenciais à Justiça, as leis sobre os subsídios e a estrutura da magistratura, Ministério Público, Defensoria e Advocacia Pública repercutem reciprocamente entre si, conforme reconheceu, ainda que indiretamente, o Procurador-Geral da República, na ADI 5.017/DF, quando registrou que, “tendo em vista que a criação de TRFs acarreta a mudança da lotação desses agentes públicos [os procuradores federais] e alteração da própria estrutura física de seus órgãos, o ato normativo objeto desta ação, no entender da autora – e desta Procuradoria-Geral da República – afeta diretamente interesses comuns (...)”.
Na decisão proferida na ação, o Ministro Joaquim Barbosa destacou essa relação referencial, quando pontuou que “a criação dos novos tribunais projetará uma série de expectativas para a magistratura, para a União, para a advocacia pública, para a advocacia privada ate para os jurisdicionados”.
A realidade própria das carreiras jurídicas da União, diante da qual seus membros migram de umas para outra, com destaque à evasão das carreiras da Advocacia-Geral da União para as demais, não pode mais ser ignorada, sob pena de se perpetuar o impacto desproporcional sobre a Advocacia Pública[11].
A flagrante omissão legislativa, em concretizar a paridade de armas dos advogados públicos com os demais está prestes a mudar. E um dos primeiros passos para essa revolução copernicana se concretizar, será dado a partir da aprovação da PEC 443, de 2009.
[1] O texto original da Proposta prescreve que “o subsídio do grau ou nível máximo das carreiras da Advocacia-Geral da União, das Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal corresponderá a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal, e os subsídios dos demais integrantes das respectivas categorias da estrutura da advocacia pública serão fixados em lei e escalonados, não podendo a diferença entre um e outro ser superior a dez por centro ou inferior a cinco por cento, nem exceder a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal, obedecido, em qualquer caso, o disposto nos artigos 37, XI, e 39, parágrafo 4º”. Na votação em Plenário, é possível votar, mediante destaque, o texto original, conforme previsão no artigo 161, IV do RICD.
[2] O cargo de Delegado do Departamento de Polícia Federal também exerce atividade de natureza jurídica, conforme art. 1° da Lei n° 13.047/2014.
[3] BINENBOJM, Gustavo. Estudos de direito público. Rio de Janeiro: Renovar, 2015, p. 580
[4] A categoria mais elevada das carreiras do Ministério Público da União, o cargo de Subprocurador geral, percebe 95% do subsídio fixado como teto constitucional, na forma da lei. Na Advocacia Pública, se aprovado o texto da PEC n° 443, de 2009, esse percentual será de 90,25%, colocando a categoria final das carreiras de advogados públicos emparelhada com o cargo intermediário, o de Procurador Regional, que percebe 90% do subsídio do STF.
[5] Esse dado é importante, pois indica que as regras incorporadas à Constituição sobre o Tribunal de Contas da União e Câmara de Vereadores, que guardam, em certa medida, semelhança com o texto da PEC nº 443, de 2009, são constitucionais e plenamente eficazes, sendo que nem mesmo o passar do tempo implicou a chamada inconstitucionalidade progressiva.
[6] Note-se que, embora a equiparação da Defensoria Pública ainda careça de efetividade, o texto em vigor da Constituição lhe foi mais generoso do que foi com o Ministério Público no que se refere ao princípio da simetria constitucional. E, em ambos os casos, a redação atual foi dada por uma Proposta de Emenda à Constituição.
[7] A PEC nº 465, de 2010, será submetida a Plenário ao mesmo tempo da PEC nº 443, de 2009, por força do artigo 105 do RICD, em conformidade com o despacho exarado no REQ-356/2015. A peculiaridade da PEC nº 465 é que ela trata apenas de carreiras federais – a Advocacia-Geral da União e a Defensoria Pública da União – e tem eficácia imediata, pois não há condicionamento temporal para que produza efeitos, na medida em que estabelece que o “subsídio do grau ou nível máximo das carreiras disciplinadas nas Seções II e III deste Capítulo corresponderá a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal”. Por outro lado, as categorias inicial e intermediária dependerão de lei, que terá a liberdade de estabelecer a diferença entre os degraus da carreira entre 5% e 10%. A desvantagem da PEC nº 465, de 2010, é repetir omissões inconstitucionais, a exemplo daquela provocada pelo Decreto-legislativo nº 805/2010, que foi combatida no Mandado de Injunção nº 4312/2011 impetrado pela UNAFE, que deve resultar no pagamento de valores atrasados, caso acolhida a argumentação da entidade.
[8] http://www.conamp.org.br/images/pdfs/Liminar.pdf Acesso em 2 de agosto de 2015.
[11] SARMENTO, Daniel. Livre e Iguais – Estudos de Direito Constitucional.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 151.
 é procurador federal no Rio de Janeiro.
Lilian Chaves Bezerra é procuradora federal em Mato Grosso.

Revista Consultor Jurídico, 5 de agosto de 2015, 11h09

INSS não pode reaver benefício concedido por liminar que foi derrubada

CARÁTER ALIMENTAR

INSS não pode reaver benefício concedido por liminar que foi derrubada

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) não pode exigir a devolução dos benefícios previdenciários e assistenciais concedidos por decisões judiciais revogadas. A decisão é da 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região em ação civil pública movida pelo Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da Força Sindical (Sindnapi) e pelo Ministério Público Federal. A decisão vale para todo país.
Em seu voto, o relator do caso, desembargador federal Antonio Cedenho, explicou que não existe lei que proíba restituição de verbas alimentares, como são classificados os benefícios previdenciários e assistenciais. Porém, segundo ele, a Lei 8.213/91, ao descrever as hipóteses de desconto, trata apenas dos casos em que houve pagamento além do devido, e não aqueles resultantes de processos judiciais.
Para o magistrado, as transferências decorrentes de liminares ou sentenças são um risco absorvido pelo sistema. “O princípio da solidariedade assegura que as contribuições do pessoal em atividade financiem a subsistência de quem foi atingido por uma contingência social, ainda que de modo precário”, disse o desembargador federal.
O acórdão também destaca que a questão relaciona-se com a garantia de independência dos magistrados e com o direito constitucional da ação. “Os juízes certamente hesitarão em deferir tutelas de urgência, se elas puderem sacrificar o patrimônio do jurisdicionado, mesmo de boa-fé”, esclarece o voto.
O relator ainda apontou que quem aciona o INSS poderia renunciar à sua própria dignidade e sobrevivência por temer a possibilidade de restituição. “Por mais que estejam presentes os requisitos da medida, a parte deixará de requerer liminar cujo cancelamento leve ao retorno das quantias. O processo regredirá em eficiência, satisfação e equilíbrio”, completou. 
A 2ª Turma ainda aceitou o pedido do MPF em seu recurso para que os efeitos da sentença não se restrinjam à 3° Região e estendeu os seus efeitos ao âmbito nacional. 
Jurisprudência instável
A decisão da 2ª Turma representa a instabilidade da jurisprudência sobre o assunto no próprio tribunal. Em abril deste ano, o desembargador Nino Toldo decidiu que os benefícios previdenciários concedidos por antecipação de tutela e que perdem a validade depois do julgamento de mérito devem ser devolvidos.

Naquela ocasião, um beneficiário havia sido condenado a ressarcir o INSS em R$ 15.098,25. Isso ocorreu porque o auxílio-acidente recebido antecipadamente foi negado após análise do caso. Segundo Toldo, o STJ tem analisado essa questão com base na efetividade da decisão que deferiu o pagamento, além do mérito da boa-fé. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRF-3.
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Ação Civil Pública 0005906-07.2012.4.03.6183
Revista Consultor Jurídico, 5 de agosto de 2015, 18h08