"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

#PoliciaCivilizada ≠ A FARSA DO CICLO COMPLETO



A farsa do debate do ciclo completo de polícia

Rafael Alcadipani*
13 Outubro 2015 | 21h 00
Artigo publicado originalmente no Estadão Noite
Chamou atenção na semana passada a presença de oficiais da Polícia Militar e delegados da Polícia Civil em um debate realizado na Assembleia Legislativa de São Paulo. Oficiais e delegados estavam em vários plenários da casa, divididos por uma faixa vermelha,  e trocando provocações que beiravam o insulto. Era um evento para discutir a adoção do 'Ciclo Completo de Polícia'. Os oficiais da PM defendem que o tal ciclo é uma das grandes soluções para os graves problemas da caótica situação da Segurança Pública no País. 
O ciclo completo de polícia se dá quando uma força policial lida com a ocorrência criminal, do momento em que ela chega ao local dos fatos até o instante em que o criminoso é preso. Ou seja, junta-se na mesma força policial a prevenção, a repressão e as investigações dos crimes. No Brasil, a PM é responsável pela prevenção e repressão e a Polícia Civil pela investigação. Há duas formas principais de ciclos completos. O primeiro é a atribuição de jurisdição policial por área geográfica. Por exemplo, uma polícia cuidaria de cidades acima de 500 mil habitantes e outra ficaria responsável pelas demais cidades. O segundo tipo seria por tipo de delito. Por exemplo, uma polícia lidaria com delitos menos graves e a outra com delitos mais graves. 
Num olhar desatento, a ideia de ciclo completo faz todo o sentido. Porém, uma análise mais detalhada do que está por detrás da proposta em discussão revela que estamos pegando uma boa ideia e a transformando em um monstro. O debate em prol do ciclo está sendo capitaneado pelos oficiais da PM, suas associações de classe e os seus deputados eleitos. É uma luta dos oficiais da PM travestida de algo que irá beneficiar a sociedade, mas que na realidade irá dar ainda mais poder para o oficialato das corporações. Os dados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que a PM do Brasil é a polícia que mais mata no mundo. Não que o policial não tenha que utilizar o poder letal quando necessário. É óbvio que sim. Mas é senso comum na sociedade que as PMs matam e exercem violências cotidianas contra a população, principalmente as mais vulneráveis. É praticamente impossível passarmos uma semana sem notícia de abusos cometidos pelas PMs do Brasil que pouco ou nada fazem para mudar a sua lógica de atuação. Dar o ciclo completo para as PMs no atual modelo é dar a possibilidade de que mais arbitrariedades sejam cometidas contra o cidadão. Isso sem falar que dentro das PMs, hoje, praças não são tratados como seres pensantes, mas como subalternos de uma lógica organizacional caduca.
Os defensores do ciclo completo dizem que este é o modelo utilizado nos países do 'primeiro mundo', mas esquecem de apontar que o modelo nunca vem sozinho. O ciclo completo em geral vem acompanhado de carreira única nas polícias e um controle externo efetivo da atividade policial, dois temas que as cúpulas das PMs se quer tocam. Há questões organizacionais importantes a serem consideradas. As PMs não possuem prática, não têm formação e não têm histórico de investigação de crimes. Via de regra, quando fazem isso, o fazem adotando a violência, a ameaça e a humilhação das pessoas. Para as PMs ter ciclo completo de polícia, elas precisariam mudar radicalmente a sua formação e a cultura organizacional que possuem hoje. Isso sem falar na péssima relação que as PMs constroem com as Guardas Municipais. Ter ciclo completo requer uma outra polícia da que temos hoje.
A ideia do ciclo completo como o grande salvador da pátria mascaras problemas importantes da segurança pública no Brasil. Primeiro, o sistema de justiça criminal é caro, burocratizado, distante do cidadão e atua, fundamentalmente, contra os pobres. É urgente desburocratizar e simplificar tal sistema, e isso pode ser feito sem uma mudança mais radical. Outro grave problema é que as penas alternativas não são efetivadas no Brasil e isso precisa ser mudado urgentemente. A investigação policial no Brasil está tecnologicamente defasada, é extremamente burocratizada e, em boa parte dos casos, é ineficiente. A necessidade de mudança é urgente, mas só pode ser feita com uma melhora expressiva da gestão das Polícias Civis, a redução do poder dos clãs internos, o aumento e a renovação do efetivo destas polícias e melhorias nos salários dos policiais. A Polícia Científica está praticamente destruída e precisa ser reconstruída urgentemente. Melhoras de condições de trabalho também são urgentes para os praças nas PMs. 
Gastamos muito e mal com segurança pública no Brasil. 
Podemos até pensar em ciclo completo de polícia, mas este debate não pode estar sequestrado pela lógica corporativista e não pode ser conduzido de maneira autoritária. Apenas uma força policial não pode conduzir o debate em oposição a outra. Reformas nas polícias são urgentes, mas temos que tomar cuidado para que o novo modelo não seja pior do que o anterior.
* Rafael Alcadipani é professor de Estudos Organizacionais da FGV-EAESP e Visiting Scholar no Boston College, EUA

Acessado e disponível na Internet em 14/10/2015 no endereço - 

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Ato do indiciamento deve ser devidamente fundamentado

ACADEMIA DE POLÍCIA

Ato do indiciamento deve ser devidamente fundamentado

Caricatura Márcio Anselmo Delegado da Polícia Federal [Spacca]
O tema do indiciamento foi notícia na última semana com a aplicação do dispositivo da lei de lavagem de dinheiro que prevê o afastamento cautelar de servidor público em casos de indiciamento por crime de lavagem de dinheiro.

Relegado a um simples parágrafo em grande parte dos manuais de direito processual penal, a figura do indiciamento consiste em um dos atos principais da investigação criminal consubstanciada no inquérito policial. Moraes Pitombo[1] se utiliza da etimologia do termo, que congrega a palavra "indício" mais o sufixo "aumento", concluindo que indiciar, sob esse enfoque, trata-se de demonstrar por vários indícios, permitindo acusação. No presente artigo trataremos de seu conceito e elementos e, num próximo momento, de seus efeitos.
O ato de indiciamento é o ato do Delegado de Polícia, enquanto presidente da investigação, via de regra praticado ao término da mesma, ao considerar concluída a fase de coleta de elementos probatórios do delito investigado, quando é possível concluir-se pela autoria de determinado crime, individualizando-se o autor.
Funciona, portanto, como uma das etapas da formação da culpa na investigação criminal, quando os elementos constantes no inquérito policial permitem ao Delegado de Polícia formar sua convicção de autoria e materialidade na investigação criminal, no processo de filtragem apontado por Aury Lopes Jr[2], “purificar, aperfeiçoar, conhecer o certo”.
Edílson Mougenot Bonfim[3] destaca a mudança no status do investigado, de simples suspeito de ter praticado a infração penal passando a ser considerado o provável autor da infração. Trata-se de ato formal, conforme Alexandre Morais da Rosa[4], que consubstancia uma “declaração pelo Estado de que há indicativos convergentes sobre sua responsabilidade penal, com os ônus dai decorrentes” ou, ainda, uma “declaração de autoria provável”, segundo Capez[5].
O ato do indiciamento, portanto, é dotado de fundamental importância, notadamente sob a ótica das garantias ao indivíduo, ao tornar clara a posição do sujeito passivo da investigação, quando o mesmo é apontado pela autoridade policial, a partir de sua convicção, como provável autor da infração penal investigada. Não se trata de um juízo de certeza, mas de um juízo indiciário — alcançado a partir dos indícios obtidos com a investigação criminal — que apontam o sujeito como autor do fato criminoso.
A investigação criminal busca verificar empiricamente se um sujeito cometeu determinado delito, que, conforme aponta Luigi Ferrajoli[6], deve ser anteriormente estabelecido por lei com exatidão, de forma a identificar quais seriam esses fatos empíricos a serem considerados como delitos.
Nesse caminho, resta a passagem pela compreensão normativa do tipo como caminho indispensável que deve percorrer a autoridade policial no percurso da investigação criminal, uma vez que esta deve ter por objetivo, a partir de elementos primeiros que a subsidiaram, que apontam a prática de um crime, por meio da investigação criminal, buscar tornar claros os limites da infração cometida e os elementos de autoria.
Eliomar da Silva Pereira[7] constrói sua definição de investigação criminal como uma
pesquisa, ou conjunto de pesquisas, administrada estrategicamente, que, tendo por base critérios de verdade e métodos limitados juridicamente por direitos e garantias fundamentais, está dirigida a obter provas acerca da existência de um crime, bem como indícios de sua autoria, tendo por fim justificar um processo penal, ou sua não instauração, se for o caso, tudo instrumentalizado sob uma forma jurídica estabelecida por lei.
Deve o Delegado de Polícia, no curso da investigação criminal, pautar-se pelos conhecimentos angariados pela teoria do crime, que, ainda segundo o autor[8], “cumpre uma função operativa, em virtude de seu caráter metodológico, ao fazer a mediação entre o fato punível (como objeto da realidade) e o tipo penal (como hipótese legal normativa)”. Conforme argumenta Andre Nicollit[9], “o Delegado de Polícia é o primeiro a fazer um juízo de tipicidade da conduta.” Nesse papel, entendemos que o ato de indiciamento consiste num juízo de tipicidade qualificado, uma vez que já houve um primeiro juízo de tipicidade por parte da autoridade policial quando da instauração do inquérito policial. Este juízo no ato do indiciamento consiste, conforme desta Bruno Titz de Rezende[10], “verificação se determinada conduta se "amolda" a algum dos tipos penais dos crimes previstos em nosso ordenamento jurídico”.
Para além do juízo de tipicidade, entendemos ainda que, no ato de indiciamento o Delegado de Polícia deve também apontar os elementos colhidos que interfiram na antijuridicidade e culpabilidade, pois, como deve ocorrer no Estado de Democrático de Direito, a investigação não deve ter caráter se atingir um “culpado” a qualquer custo, mas sim funcionar como um filtro a evitar um processo penal desnecessário. Veja-se, na mesma coluna, o artigo de Henrique Hoffmann, ao tratar da aplicação do princípio da insignificância pelo Delegado de Polícia.
As excludentes de ilicitude devem ser consideradas pela autoridade policial no momento do juízo de indiciamento. Conforme abordam Luis Flávio Gomes e Ivan Luis Marques da Silva[11], em que pese tratando da lavratura da prisão em flagrante, entendemos que tal raciocínio aplica-se igualmente ao ato de indiciamento:
A verdade é que o Delegado de Polícia — autoridade com poder discricionário de decisões processuais — analisa se houve crime ou não quando decide pela lavratura do Auto de Prisão. Ele não analisa apenas a tipicidade, mas também a ilicitude do fato. Se o fato não viola a lei, , mas ao contrário é permitido por ela (artigo 23 do CP) não há crime e, portanto, não há situação de flagrante. Não pode haver situação de flagrante de um crime que não existe (considerando-se os elementos de informação existentes no momento da decisão da autoridade policial). O Delegado de Polícia analisa o fato por inteiro. A divisão analítica do crime em fato típico, ilicitude e culpabilidade existe apenas por questões didáticas. Ao Delegado de Polícia cabe decidir se houve crime ou não. E o artigo 23, incisos I a III, em letras garrafais, diz que não há crime em situações excludentes de ilicitude.
No mesmo sentido, Fabrício de Santis Conceição[12] argumenta que:
Caso o delegado entenda, juridicamente, analisando o fato sob o prisma de quaisquer teorias da tipicidade que adote (clássica, finalista, conglobante, imputação objetiva, constitucionalista do delito, etc), que o ‘autor’ não praticou “crime”, então a única solução será decidir pelo seu não–indiciamento, posto que não lhe compete indiciar “autor de fato ATÍPICO”, nem “autor de conduta típica e LÍCITA”, mas sim “autor de infração penal”, em outras palavras, autor de crime.
A Lei 12.830 /2013 trouxe, em seu artigo 2°, parágrafo §6º “o indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.” Assim, o dispositivo legal só vem a corroborar com esse entendimento no que tange à análise técnico-jurídica do fato, uma vez que, ainda segundo o mesmo autor, “deverá o delegado de polícia cumprir seu mister de forma completa, ou seja, apurar a “autoria de crime”, e não apenas apurar autoria de “metade do conceito analítico de crime” (autoria de fato típico).” (grifo no original).
Nos parece, portanto, indiscutível que o Delegado realize juízo de valoração da conduta no inquérito policial. Como bem pondera Paulo Braga Castello Branco[13], “o papel do delegado de polícia é de juiz do fato. Não é o juiz das linhas do processo, mas do fato bruto”. Essa deve ser a interpretação coerente com o Estado Democrático de Direito.
Quanto à sua natureza, pode ser entendido como um ato administrativo com efeitos processuais, cujas consequências são bastante claras. Sylvia Steiner[14] ressalta que
“o indiciamento formal tem consequências que vão muito além do eventual abalo moral que pudessem vir a sofrer os investigados, eis que estes terão o registro do indiciamento nos Institutos de Identificação, tornando assim público o ato de investigação. Sempre com a devida vênia, não nos parece que a inserção de ocorrências nas folhas de antecedentes comumente solicitadas para a prática dos mais diversos atos da vida civil seja fato irrelevante. E o chamado abalo moral diz, à evidência, com o ferimento à dignidade daquele que, a partir do indiciamento, está sujeito à publicidade do ato”.
Marta Saadi aponta ainda o indiciamento como condição para o exercício do direito de defesa na fase investigatória “a partir do qual se deve, necessariamente, garantir a oportunidade ou ensejo ao exercício do direito de defesa”.[15]
Trata-se de ato fundamentado, no qual a autoridade policial deve expor os elementos existentes na investigação que lhe permitiram concluir pela formação de culpa, no seu cargo, em relação a determinado sujeito.
O Superior Tribunal de Justiça, a título de exemplo, quando do julgamento do HC 8.466/PR, tendo como relator o ministro Félix Fischer, concluiu que o indiciamento só pode ser realizado quando demonstrada fundada e objetiva suspeita de participação ou autoria:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. FALSUM. INDICIAMENTO PRECIPITADO. INQUÉRITO. I - Se há indícios da prática de crimes, incabível o trancamento do inquérito. II - Todavia, o indiciamento só pode ser realizado se há, para tanto, fundada e objetiva suspeita de participação ou autoria nos eventuais delitos. (STJ, 5ª turma, HC 8466/PR, relator: Ministro Félix Fischer).
Em que pese não fosse exigida sua motivação, o artigo 52, inciso I da Lei 11.343/06 já previa que:
Art. 52. Findos os prazos a que se refere o art. 51 desta Lei, a autoridade de polícia judiciária, remetendo os autos do inquérito ao juízo:
I - relatará sumariamente as circunstâncias do fato,justificando as razões que a levaram à classificação do delito, indicando a quantidade e natureza da substância ou do produto apreendido, o local e as condições em que se desenvolveu a ação criminosa, as circunstâncias da prisão, a conduta, a qualificação e os antecedentes do agente; ou (...) [grifo nosso]
Com a redação introduzida pela Lei 12.830, se fez claro em estabelecer a necessidade de fundamentação do ato, mediante análise técnico-jurídica. Isto significa que a autoridade policial, no despacho em que decidir pelo indiciamento, deverá fazê-lo de modo a fundamentá-lo nos elementos de investigação constantes nos autos que apontem para a autoria e materialidade.
Esta também é a posição de Júlio Mirabete[16], para quem não há discricionariedade por parte da autoridade policial quando existem indícios do cometimento do crime.
Trata-se ainda de ato vinculado, que não deve ficar sob a discricionariedade do Delegado de Polícia, como bem aponta Moraes Pitombo[17]:
Indiciar alguém, como parece claro, não deve surgir qual ato arbitrário, ou de tarifa, da autoridade, mas, sempre legítimo. Não se funda, também, no uso do poder discricionário, visto que inexiste, tecnicamente, a possibilidade legal de escolher entre indiciar ou não. A questão situa-se na legalidade estrita do ato. O suspeito, sobre o qual se reuniu prova da infração, tem que ser indiciado. Já aquele que, contra si, possui frágeis indícios, ou outro meio de prova esgarçado, não pode ser indiciado. Mantém-se ele como é: suspeito.
Deve ser destacado ainda que o ato de indiciamento no inquérito policial é privativo do presidente da investigação, sendo incabível, no caso, requisição por parte do Ministério Público ou do Poder Judiciário para que o faça, tendo em vista ser ato de seu juízo de valor. Dessa forma, requisições para indiciamento formuladas no bojo da investigação são ilegais e não carecem de cumprimento, como confirmam o Supremo Tribunal Federal[18] e a doutrina[19].
Ainda nesse sentido, entendemos que a oportunidade do indiciamento deve ser ao final da investigação, no momento imediatamente anterior ao interrogatório do investigado, então indiciado. O momento deve marcar ainda o acesso à defesa a todos os elementos indiciários constantes nos autos, a fim de propiciar-lhe a devida defesa técnica. Pode não ser o primeiro momento em que o então indiciado é ouvido no inquérito, uma vez que o mesmo pode ter sido chamado anteriormente a prestar declarações, cujo teor não foi passível de elidir o juízo da autoridade policial quanto ao cometimento da infração penal.
Consiste ainda num ato declaratório da autoridade policial, por meio da qual a mesma expressa sua convicção pela culpa lato sensu do investigado.
Nesse contexto, o indiciamento é o ato pelo qual o delegado de polícia formaliza a investigação criminal em relação ao suposto autor ou partícipe de determinado delito, a partir de elementos probatórios mínimos. O indiciamento não é, portanto, ato arbitrário da autoridade policial, devendo ser devidamente fundamentado.
Em suma, compreendemos o ato do indiciamento como um ato administrativo com efeitos processuais, vinculado, declaratório, fundamentado e privativo do Delegado de Polícia enquanto autoridade policial.

1 PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. O indiciamento como ato de polícia judiciária. Revista dos Tribunais, n. 577.
2 LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 280.
3 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 124.
4 ROSA, Alexandre Morais da. Guia Compacto de Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 120.
5 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 13ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 92.
6 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: RT, 2002, p. 38.
7 PEREIRA, Eliomar da Silva. Teoria da Investigação Criminal – uma introdução jurídico-científica. Coimbra: Almedina, 2010, p. 86-87.
8 PEREIRA, Eliomar da Silva. Op. Cit., p. 229.
9 NICOLLIT , Andre Luiz. Manual de Processo Penal. 3ª Ed. São Paulo: Elsevier, 2012, p. 86.
10 REZENDE, Bruno Titz de. O livre convencimento do delegado de polícia no indiciamento e na instauração do inquérito policial. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3089, 16 dez. 2011 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20665>. Acesso em: 22 jul. 2013.
11 GOMES, Luis Flávio. SILVA, Ivan Luis Marques da. Prisão e Medidas Cautelares - Comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. 3ª edição. São Paulo: RT, 2011, p. 138.
12 CONCEIÇÃO, Fabrício Santis. Delegado é o “ Senhor da Tipicidade Penal”?. Disponível em <http://delegados.com.br/exclusivo/121-colunas/fabricio-de-santis/792-delegado-de-policia-senhor-da-tipicidade-penal>. Acesso em: 22 jul. 2013.
13 BRANCO, Paulo Braga Castello. A análise da antijuridicidade da conduta pelo delegado de polícia sob a perspectiva da teoria dos elementos negativos do tipo penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3609, 19 maio 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/24487>. Acesso em: 22 jul. 2013.
14 STEINER, Sylvia. O indiciamento em inquérito policial como ato de constrangimento – legal ou ilegal. Revista Brasileira de Ciência Criminais, v. 24, 1998, p. 307.
15 SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 262-263.
16 MIRABETE, Júlio Fabrini. Processo Penal. 16ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.
17 Op. Cit.
18 STF, HC 115.015, Rel. Min. Teori Zavaski, DP 27/08/2013.
19 LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de processo penal. Niterói: Impetus, 2013, p 143.
 é delegado da Polícia Federal, doutor pela Faculdade de Direito da USP, mestre em Direito pela UCB e especialista em investigação criminal pela ESP/ANP e em Direito do Estado pela UEL.

Revista Consultor Jurídico, 13 de outubro de 2015, 12h00

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

#PoliciaCivilizada= EDITORIAL DO IBCCRIM – “Ciclo completo de Polícia”: ou indevida investigação legal


EDITORIAL DO IBCCRIM – “Ciclo completo de Polícia”: ou indevida investigação legal


Do portal do IBCCRIM

É da história do processo penal brasileiro que, ao tempo imperial, objetivando dar cobro às devassas policiais aleatórias e incontroladas, é que se criou a Polícia Judiciária, sendo os primeiros delegados de Polícia recrutados dentre os membros mais diligentes da Magistratura.
Na ditadura militar (de 1964 a 1985) criou-se uma estrutura de segurança do Estado que teve como traços marcantes a simbiose entre os órgãos de segurança estaduais e as Forças Armadas federais, bem como a entrega do policiamento civil a corporações militares locais, caracterizadas como “longa manus” de um poder político-militar central. Lograva-se, assim, com traumas às liberdades individuais, um controle repressivo que, por duas décadas, arbitrariamente ceifou vidas, liberdades e direitos.
Atualmente, a tibieza do legislador e a indiferença ministerial e judicial têm alimentado as corporações militares estaduais, com o objetivo de implantar o denominado “ciclo completo de polícia”. Busca-se reunir as tarefas do policiamento ostensivo com funções próprias de investigação criminal, concentrando-as numa única instituição policial. Tal modelo, vale dizer, o rompimento da partição de atribuições — e a salutar fiscalização mútua dela decorrente — entre as agências estatais civis e as militares, estas detentoras da força e da missão da segurança pública.
O grande equívoco tem sido tratar a disciplina legal de atribuições investigatórias como meras desavenças corporativas. A muitos parece que a pretensão militar à investigação criminal, hoje legalmente com sua congênere civil, seja relegada ao palco das disputas institucionais policiais, e não que seja tratada com a seriedade científico-legislativa como desejável, e é desejável.
Nesse quadro, o anteprojeto de Código de Processo Penal, ora finalizado pela Comissão de Juristas instituída junto ao Senado Federal, somente traz retrocessos. Omisso, enseja verdadeira anomia no tocante à titularidade da investigação preliminar criminal, remetendo-a à disciplina de lei. Coloca-nos na iminência de trocar o atual quadro por uma disciplina expressa em um cenário pior: a ausência de normatização.
As diretrizes do ensino policial, sinalizadas em nível federal, apontam para uma perigosa comistão entre policiais civis e militares. Sua expressão maior está no que a Secretaria Nacional de Segurança Pública designou eufemisticamente de “Programa de Pleno Atendimento ao Cidadão”: uma intervenção na estrutura dos Estados que investe na capacitação de policiais militares para tarefas típicas de Polícia Judiciária, sugerindo modelo nacional único de apuração das infrações penais de menor potencial ofensivo, com dispêndio de recursos públicos e prejuízo à prevenção dos delitos pela via ostensiva. Dúvidas sobejam se também entrarão pelas portas dos quartéis o controle externo do Ministério Público e/ou a correição do Poder Judiciário, e sobretudo se dali sairá o produto da devida investigação legal. Não por acaso defendeu Luigi Ferrajoli devesse a polícia investigativa ser apartada do Executivo e albergada pelo Poder Judiciário.
Os fundamentos operativos da Polícia Judiciária não são aqueles da férrea hierarquia verticalizada, mas, sim, da estrita obediência à legalidade, pois deve esse órgão curvar-se não aos interesses contingentes do transitório poder político local, mas, sim, aos ditames jurídicos do devido processo legal de inspiração e demarcação constitucionais. Seu centro não é a caserna, mas, sim, a praça pública com a transparência que ela invoca.
Por isso é que impende ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à Ordem dos Advogados do Brasil, como destinatários preferenciais da fase antejudicial da persecução penal, o controle e acompanhamento das funções das polícias civis. Compete, por fim, ao Poder Judiciário assumir de vez sua responsabilidade na correição permanente de seu serviço auxiliar que é a polícia judiciária, resgatando-a das interferências e desmandos aos quais não pode cegamente subordinar-se o órgão responsável pela construção embrionária da prova criminal.
Mas não é o que se tem assistido. No Estado de São Paulo, perigoso precedente foi a edição, pela Corregedoria-Geral de Justiça, de um provimento (de duvidosa constitucionalidade) que tornou possível aos milicianos a elaboração de termos circunstanciados nos casos de infrações penais de menor potencial ofensivo. Pelo País, não têm sido raros os casos de concessão de mandados de busca e apreensão domiciliar a policiais militares, para desempenho de diligências próprias de Polícia Judiciária. Recentemente, viu-se o Brasil na condição de réu perante a OEA em razão de escutas telefônicas realizadas por uma Polícia Militar estadual, evidentemente com a (in)devida autorização judicial. Por fim não é desconhecida a complacência judicial e ministerial para com o irregular exercício de poder de polícia pelas guardas municipais, às quais não se conferiu constitucionalmente, ainda, a realização de buscas pessoais e domiciliares que com desenvoltura hoje executam.
Em meio às omissões e transigências, remanesce o cidadão que, pretenso violador de uma norma penal, passa a ser alvo de superposta e descoordenada (não raro desastrada) intervenção de múltiplos órgãos de um Estado que não consegue (ou não quer) cingi-los a padrões objetivos de atuação com âncoras constitucionais.
Ninguém desconhece que os órgãos policiais, em qualquer quadrante do mundo, tendem com espantosa facilidade à corrupção e ao arbítrio, tanto maior quanto menos claras sejam as regras para sua atuação e controle. Já é passada a hora de o Estado restituir à sociedade a polícia que a última ditadura lhe subtraiu. Caso contrário, a presidência da Polícia Judiciária, outrora envergando a toga, estará prestes a apresentar-se de farda à sociedade, a dano da boa administração da justiça criminal que há tempos se aguarda. As informações são do portal do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).