"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

CICLO COMPLETO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA

        O sistema de segurança pública adotado no Brasil é seccionado entre várias polícias com atribuições especificadas no artigo 144 da Constituição Federal. No entanto na prática as ações desenvolvidas pelas instituições e corporações policiais, mormente no âmbito estadual, se confundem. O policiamento ostensivo está definido como atribuição da Polícia Militar, enquanto as ações investigativas para apuração de crime são de atribuição da Polícia Civil. O chamado ciclo incompleto de polícia tem gerado atritos entre as polícias estaduais, uma vez que ambas acabam por desenvolver formas de policiamento com invasão na área de atuação uma das outras. Assim a polícia militar mantém pelotões de investigação para depois efetuar o patrulhamento direcionado para as áreas investigadas para a produção de flagrantes, enquanto a polícia civil mantém equipes uniformizadas também com ações direcionadas a impedir a ocorrência de determinados crimes, como as equipes de combate ao roubo a bancos e os grupos especializados (GOE) para o enfrentamento com o crime organizado, onde o armamento utilizado geralmente é de uso restritivo das forças armadas com alto poder de fogo. Aliás quando a polícia civil realiza o policiamento ostensivo o faz de maneira muito mais dinâmica e efetiva do que a Polícia Militar, onde a cadeia hierárquica truncada faz com que, além dos policiais militares empregados no ostensivo, tenha necessariamente uma supervisão por sargentos, que por sua vez são supervisionados por um oficial. As equipes especializadas da Polícia Civil realizam o policiamento ostensivo especializado com menos homens, menos despesas e a mesma efetividade da PM. Diante desse quadro de atrito, competitividade e falta de identidade das polícias estaduais, surgiu a tese do ciclo completo de polícia. No entanto, de maneira equivocada, alguns pseudo especialistas em polícia têm pregado a implantação do ciclo completo de polícia com o direcionamento para aumento de atribuições da Polícia Militar, conforme a incidência penal. Na linha doutrinária desses "especialistas", dependendo da incidência penal, a Polícia Militar atenderia e implementaria as providências até o final da ocorrência, inclusive as providências de natureza judiciária, portanto usurpando as funções da polícia civil, para a qual não tem preparo, sem se reportar a Autoridade Policial. Ora a divisão de atribuições já está prevista na Carta Magna, no entanto, o que temos visto é que na prática isso não funciona. A desorganização do aparelho policial do Estado Brasileiro é patente, enquanto o crime organizado se expande em escalada assustadora, não só pela força do material bélico empregado, logística, ações cada vez mais ousadas, da corrupção diante de polícias mal pagas, mas também pela preparação, inclusive com custeio de curso superior, para a infiltração de agentes dessas organizações criminosas nos três Poderes da República.
          O ciclo completo de polícia pressupõe uma única polícia com a atribuição da execução do policiamento urbano e combate às diversas formas de criminalidade com a repressão adequada, quer nos crimes comuns como também no crime organizado. Para o sucesso nessa empreitada, a polícia tem que desenvolver ações organizadas no policiamento ostensivo perfeitamente integradas com ações de inteligência, não somente para minimizar a incidência criminal, como também para a efetiva investigação com a colheita de provas para a persecução penal a ser desenvolvida pelo Ministério Público. O crescimento e o aperfeiçoamento do crime organizado não permitem mais ao Estado Brasileiro o amadorismo em ações de Segurança Pública.

Efetivamente a solução para a crise de Segurança Pública no Brasil passa pelo Ciclo Completo de Polícia Judiciária com o desenvolvimento de ações minimizadoras da incidência criminal, uma vez que supressão total do crime é utopia. Ações de inteligência para o direcionamento do policiamento ostensivo, bem como a efetiva investigação dos crimes perpetrados com a identificação do agente criminoso e colheita de prova para a instrumentalização da persecução penal por parte do Ministério Público fecham o ciclo completo de polícia. Esse mister somente pode ser realizado por uma polícia judiciária atuando com atribuição unificada e integrada no combate ao crime. As polícias civis estaduais têm plenas condições de realizar esse papel, até porque sua formação profissional é exclusivamente para o combate ao crime, sem qualquer doutrina estranha ao ideal de defesa da sociedade civil com respeito ao estado de direito vigente.
       A Polícia Militar tem formação e doutrina militar cujo objetivo é por excelência a neutralização e, quando necessário o abate do inimigo, com ações táticas de enfrentamento e destruição da força opositora. Esse tipo de ação é incompatível com o policiamento civil para a proteção de uma sociedade democrática com o respeito aos direitos humanos. Os fatos são incontestáveis, pois que todos os dias eclodem pelo país inteiro denúncias de abuso de força, tortura e por vezes de morte de civis, perpetradas por policiais militares no serviço de policiamento civil.
Na grande maioria dos países desenvolvidos o policiamento diuturno da sociedade é realizado por polícias de natureza civil e com as atribuições do ciclo completo de polícia, reservando-se para os confrontos com criminosos violentos e com armamento pesado a atuação de equipes treinadas com táticas militares e com resposta armada adequada a agressão criminosa, como realiza a S.W.A.T. americana. Para esse tipo de ação a atuação da Polícia Militar é de fundamental importância, pois que se requer nesse tipo de repressão criminosa uma ação policial com tática militar, treinamento, equipamento e armamento de uso restritivo. O policiamento de choque para controle de distúrbios civis e de praças desportivas com grande aglomeração de pessoas, bem como os batalhões especializados em ações de selva e salvamento são, por sua natureza e exigência de treinamento especializado, uma atribuição natural e específica para a Polícia Militar que nessa área realiza uma excelente prestação de serviço para a sociedade.
       Nesse diapasão a evolução natural do aparelho policial brasileiro passa pela atribuição do ciclo completo de polícia judiciária com a competência legal para as polícias civis estaduais para o desenvolvimento de ações para a prevenção, com o policiamento ostensivo, a investigação e repressão ao crime de forma unificada, reservando-se para a Polícia Militar o controle de distúrbios civis e as operações especiais táticas. Nesse campo de atuação, com tropa treinada para o policiamento de choque, batalhões de operações especiais para enfrentamento de confronto armado pesado, ações na área de defesa civil, além do salvamento em terra e água, a Polícia Militar está perfeitamente qualificada. Essa tropa com treinamento militar caberá a reserva do Estado Brasileiro para a defesa interna e territorial funcionando como força reserva do Exército e Força Nacional de Segurança Pública com atuação específica em situações que ofereçam risco à segurança nacional.
       O modelo proposto é de fácil implantação, pois que as polícias estão relativamente organizadas com paridade salarial de cargos nos estados, bastando-se para tanto a redistribuição de efetivo, equipamento e instalações para a implementação de uma polícia judiciária com atuação no Ciclo Completo de Polícia Judiciária e a estruturação de uma Força Pública para utilização em situações de risco de segurança tanto a nível estadual como nacional.
        A implementação legal desse novo sistema de segurança pública poderá ser implantado através de uma PEC que promova a alteração do artigo 144 da C.F., modificando-se as atribuições das polícias estaduais, com previsão nas disposições transitórias para a redistribuição dos efetivos e das instalações das polícias militares utilizados no policiamento ostensivo. Dessa forma caberia a Polícia militar a exclusividade no controle de distúrbios civis, a polícia de operações táticas especiais e as ações de defesa civil e salvatagem na terra e água. À Polícia Civil caberia a prevenção, policiamento ostensivo e a investigação e elucidação de crimes com a competência exclusiva para a formalização dos atos de polícia judiciária nas infrações de natureza civil. Lei Complementar deverá criar e redistribuir os cargos necessários para a polícia judiciária com atuação no ciclo completo.
        A proposta é factível e não ensejaria em aumento de gastos pelos Estados, uma vez que se propõe readequar as polícias já existentes, com a redistribuição de funções, efetivos e material, implantando-se um novo modelo de aparelho policial do Estado. A Polícia Estadual com atuação no ciclo completo de polícia judiciária deverá ter uma estrutura moderna para atuar nas diversas áreas de ações de inteligência, prevenção uniformizada ostensiva, investigação e formalização dos atos de polícia judiciária. Para tanto as antigas delegacias agora denominadas Departamentos de Polícia terão nos seus efetivos policiais treinados e equipados para atuar no policiamento uniformizado, além de agentes policiais para atuação específica na área de inteligência e investigação e o corpo de escrivães para a formalização cartorária dos atos de policia judiciária. As ações de inteligência não se confundem com investigação. As primeiras dizem respeito ao levantamento de informações para fundamentar as decisões estratégicas e direcionamento do policiamento a ser desenvolvido, enquanto o efetivo de investigação atua no caso concreto com a identificação do agente criminoso e colheita de elementos de provas para a instrumentalização do Ministério Público. A profissionalização e especialização de uma única polícia na atuação no ciclo completo de polícia judiciária importarão inevitavelmente numa substancial melhoria do sistema de segurança pública em benefício de toda a sociedade civil.
       A direção desses Departamentos de Polícia caberá ao Delegado de Polícia Titular da unidade, a quem incumbirá supervisionar a atuação dos Delegados de Polícia encarregados de cada uma das áreas de atuação do Departamento, a saber, o Delegado de Polícia do Setor de Policiamento Ostensivo; Delegado de Polícia do Setor de Inteligência e Investigação; Delegado de Polícia do Setor de Polícia Judiciária e o Delegado de Polícia do Setor de Plantão Policial. Os Departamentos de Polícia manterão uma equipe diuturna, sob a presidência de um Delegado de Plantão para a lavratura de autos de prisão em flagrante e termos circunstanciados. O registro de boletins de ocorrências com a mera notícia de crime será efetuado por funcionários distribuídos nos Postos de Atendimento e Registro de Ocorrência Policial (PROPOL) localizados em setores estratégicos a serem determinados pela densidade populacional e incidência criminal na cidade.
        Tendo em vista a complexidade das atribuições dos Departamentos de Polícia haverá a necessidade de realocação destes nos prédios públicos remanejados da Polícia Militar (batalhões), uma vez que o efetivo de policiais e equipamentos necessitará instalações de maior porte. No entanto, com a realocação dos edifícios ocupados pelos batalhões de área, o Estado não terá aumento de despesas, pelo contrário, as despesas devem diminuir uma vez que as características do efetivo policial civil, sem rancho e barbearia, por exemplo, demandará menos gastos.
       O remanejamento do efetivo empregado pela PM no policiamento ostensivo também não oferece dificuldade. Os soldados viriam como guardas civis, nível I – estágio probatório e nível II – efetivados com até 15 anos; os praças graduados cabos, sargentos e subtenentes teriam por designação o cargo de Inspetor de Polícia nível I, II, III e Especial para o final da carreira. A promoção dos Guardas civis de nível II será automática para Inspetor de Polícia nível I, decorridos 15 anos de carreira no bom comportamento. As promoções dos Inspetores de Polícia, de acordo com o número de vagas abertas, serão baseadas na proporção de 50% pelo critério de antiguidade, e, 50% por concurso interno, sendo automática a cada 10 anos de efetivo serviço no cargo sem punição.
       Os oficiais da PM empregados no policiamento ostensivo e que optem pela transposição para a Polícia Judiciária assumirão os cargos de Delegados de Polícia, com os níveis correspondentes às suas patentes anteriores, com a atuação específica na supervisão do setor de policiamento ostensivo, com as prerrogativas e atribuições do Delegado de Polícia Judiciária.
       Isto posto, evidencia-se que com uma reengenharia do atual modelo policial brasileiro há condições de se prestar um serviço de segurança pública com inegável melhoria para a população, sem os atritos e os desvios de função que oneram as polícias estaduais no sistema atual. Para tanto não se faz necessário aumento de efetivo ou de despesas, mas tão somente uma mudança do sistema atual, já ultrapassado e não condizente com o Estado de direito vigente, onde não há mais espaço para o cerceamento de liberdades por instituição militar. A restrição de liberdades civis só é possível dentro da lei e por órgãos civis do Estado. Aos militares cabe tão somente a defesa do Estado brasileiro contra agressão externa, e, excepcionalmente contra ação por agentes internos na forma da lei.
        A necessária modernização das polícias brasileiras no combate ao crime comum e organizado, deve se pautar pelos ditamos da lei, com respeito aos direitos humanos, como o fazem a grande maioria das instituições policiais de países desenvolvidos, onde não existe a figura militar.
       O Ciclo Completo de Polícia Judiciária representa a única saída possível, do atual estado de incompetência das polícias estaduais para enfrentamento do crime e oferecimento de uma segurança pública efetiva. A exposição de motivos esplanada demonstra a viabilidade operacional e financeira na reengenharia do atual modelo do aparelho policial estatal. Basta vontade política e compromisso com a sociedade brasileira para a implantação das mudanças necessárias.

ANEXO II EMENDA CONSTITUCIONAL
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
CONGRESSO NACIONAL
EMENDA CONSTITUCIONAL Nº __

Modifica o Sistema de Segurança Pública nos Estados, estabelece normas e dá outras providências.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art.60 da Constituição Federal, promulgam esta Emenda ao texto constitucional:
Art. 1º - O artigo 144 e seus §§ 4º e 5º da Constituição Federal passam a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 144 - A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos que integram o Sistema Nacional de Segurança Pública:
I - ...........................................
IV - polícias judiciárias estaduais;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
§ 4º - às polícias judiciárias estaduais, dirigidas por delegados de polícia de carreira, exercem com exclusividade, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares, bem como o policiamento ostensivo e as ações necessárias para a prevenção e repressão ao crime.
§ 5º - às polícias militares cabem a preservação da ordem pública no controle de distúrbios civis, policiamento em praças desportivas e as ações de operações especiais em situações de alto risco, além da manutenção dos corpos de bombeiros militares e a execução de atividades de defesa civil, sendo a base da Força Nacional de Segurança com as atribuições definidas em lei.
Art.2º - Insere o § 3º no artigo 89 nas Disposições Transitórias da Constituição Federal com a seguinte redação:
§ 3º - Os Estados disciplinarão em lei complementar as redistribuições dos equipamentos, materiais e imóveis da Polícia Militar para a Polícia Judiciária Estadual, bem como os efetivos policiais necessários para o policiamento ostensivo, garantido o direito de opção para os policiais militares para remanejamento para quadro em extinção, para a reestruturação dos órgãos policiais para o cumprimento do disposto nos parágrafos 4º e 5º do artigo 144.
Art. 3º - Esta Emenda Constitucional entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após sua promulgação.

Brasília, x de x de 2010

Mesa da Câmara dos Deputados
Mesa do Senado Federal

Autor


Informações sobre o texto



Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT)


FERREIRA FILHO, Juvenal Marques. O ciclo completo de polícia judiciária. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2620, 3 set. 2010. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/17331>. Acesso em: 20 jan. 2017.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Insegurança pública: descaso ou crime?

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

PEC 287, da Imprevidência Social em Prol da Previdência Privada


O trabalhador brasileiro acordou no dia 06/12/2016 atônito e desesperançado, em razão do malfadado projeto de Emenda Constitucional nº 287, que praticamente empurra-o para a busca de uma previdência privada, caso almeje uma aposentadoria digna para amparar sua família. Aliás, estranhamente, há notícia de que o secretário encarregado de preparar e apresentar o projeto à nação, se reuniu com representações de empresas voltadas à previdência privada. Realmente os escândalos e descalabros dos homens encravados na política deste país é desesperador. 
O governo vem, já há algum tempo, promovendo campanhas na mídia, televisada e escrita, para "demonstrar" que o sistema previdenciário pretendido é o melhor caminho, pois é adotado em outros países. A mesma argumentação é utilizada quando se fala em aumentar alíquotas de contribuição de imposto de renda.
No entanto, omitem que nos países desenvolvidos o serviço público é plenamente prestado à sua população, que não precisa buscar escolas e hospitais particulares, pois têm a disposição uma contraprestação excelente aos impostos pagos. 
Não há dúvida que esse projeto visa fortalecer as instituições financeiras que atuam na previdência privada, que se apresentará como única alternativa para a obtenção de uma aposentadoria digna para àqueles trabalhadores com renda superior ao teto da previdência. Mas, o que será do trabalhador de baixa renda?
Realmente a previdência privada complementar nos países desenvolvidos é bastante difundida e, faz parte da vida profissional do trabalhador desde o início de sua carreira. O detalhe é que nestes países, como por exemplo os EUA, a economia é pujante e os salários dignos. Será possível pagar previdência complementar com o nosso salário mínimo? A verdade que a realidade no Brasil é bem diferente. Após a ditadura, a economia nacional teve poucos períodos de estabilidade e prosperidade econômica e, quando o teve, canalhas espoliaram o país de tal maneira que quase levaram a falência uma empresa pública que detém o monopólio do petróleo. 
A grande maioria da classe política que está há décadas entranhada no poder, se não foram partícipes, com certeza foram omissos. Agora elegem e apresentam o trabalhador como grande culpado do déficit das contas públicas. 
Ora, o trabalhador é o maior patrimônio de uma empresa, seja grande ou pequena, pois é ele que implementa a produção. Mesmo empresas automatizadas, não conseguem produzir, se não tiveram trabalhadores para operar e, quando necessário reparar, as máquinas responsáveis pela atividade industrial. Uma padaria, por mais equipada que seja, não sobreviverá sem um bom padeiro. Países como o Japão tem um cuidado especial com seus trabalhadores de tal maneira, que as industrias tem como padrão a interrupção do trabalho, com pequenos intervalos, para a prática de ginástica, a fim de diminuir o stress e lesões por esforço repetitivo. 
No Brasil é diferente, pois o trabalhador é tratado como um fardo. É verdade que a legislação trabalhista tem que ser atualizada em muitos pontos. Mas as mudanças devem ser implementadas paulatinamente, com um mínimo de estabilidade econômica. A mídia reporta que o Brasil tem hoje mais de 12 milhões de trabalhadores desempregados, mas não é difícil se imaginar que, por trás de cada trabalhador desempregado, haja mulher e filhos que dependem dele. Portanto, os números são mais desesperadores.
Não esqueçamos que o Brasil não é um país plenamente desenvolvido, portanto, a grande maioria de seus trabalhadores depende do uso de força física para desempenhar suas funções, às vezes em ambientes de trabalhos extenuantes, como a construção civil e o campo. Alguém em sã consciência, excetuados os tecnocratas do governo, pode imaginar um homem com 60 anos ou mais, carregando um saco de cimento, com 60 kilogramas, nas costas?
O agro negócio movimenta milhões, no entanto, seus trabalhadores não desfrutam dessa riqueza. Pretendem que o trabalhador do campo morra com a enxada na mão.
Evidentemente que funções que dependem exclusivamente do intelecto podem ser exercidas muito além dos 65 anos ou mais, como um engenheiro ou um ministro das cortes superiores. Estes, desde que estejam em condições mentais podem trabalhar até os 100 anos. Não estamos na Europa e a realidade do trabalhador brasileiro é bem diferente. 
Não bastasse a elevação da idade mínima de 65 anos, com pelo menos 25 anos de contribuição, para que o trabalhador tenha direito a aposentadoria, inseriram uma fórmula mágica para o cálculo do valor final que é praticamente irrealizável, qual seja 51%  da média dos salários, acrescido de 1% por cada ano trabalhado. Desta maneira, o provento da aposentadoria do trabalhador que se aposentar com o mínimo da idade e contribuição exigida ficará com valor bem inferior a 76% do último salário na ativa, excetuados os que recebem salário mínimo, uma vez que ninguém pode receber de aposentadoria valor menor que o salário mínimo. A perda será brutal para quem recebe acima do irrisório salário mínimo. Isso significa dizer que se você recebe até 1,317 salários mínimo terá seus proventos reduzidos para o mínimo e, a partir de 1,317 salários mínimos, seu provento terá um pequeno acréscimo por cada ano trabalhado além dos 25 (vinte e cinco) anos de contribuição mínima, alcançando o valor próximo ao último salário na ativa, se conseguir o score de 49 (quarenta e nove anos) de contribuição, recorde que poucos conseguirão atingir. Lembre-se que 51% será pela média de 100% dos salários recebidos. Difícil imaginar como será esse cálculo, com a economia tipo gangorra do Brasil. 
Veja que de imediato, pelas novas regras, o governo economizaria 30% do valor das aposentadorias a serem pagas para quem recebe na ativa salário na faixa de até 1,317 do valor do salário mínimo, pois com o novo cálculo o trabalhador que recebe nessa faixa, teria o valor de seu provento reduzido para o valor do mínimo, se aposentasse com 65 anos de idade e 25 anos de contribuição. A perda para quem ganha mais de dois salários será maior ainda. A regra no Brasil tem sido sempre se penalizar os aposentados, uma vez que, embora a grande maioria receba valores irrisórios próximos ao mínimo, em face do grande número, qualquer real subtraído das aposentadorias, significa um valor considerável nas contas da previdência social.
Mas a sanha do governo vai além da diminuição dos parcos proventos pagos aos aposentados, pois que também quer tirar das viúvas sobreviventes, reduzindo pela metade o valor da pensão. Justamente, quando a pessoa se encontra em condição de extrema vulnerabilidade, quer pelas doenças provenientes da idade avançada, quer pela falta de condição física e mental de voltar ao mercado de trabalho, o governo busca reduzir pela metade o valor das pensões. Acaso este subsidiará as crescentes despesas com remédios, com aluguel, água e luz?
Portanto, além de trabalhar por toda vida enquanto tiver saúde, o trabalhador terá que buscar forças para sobreviver, além de seus dependentes, a fim de que estes não venham a passar fome com a sua morte. Isso não é razoável. As distorções que há em pensões de algumas carreiras privilegiadas têm que ser corrigidas pontualmente, jamais com uma legislação que atinja a todos indistintamente, sem levar em conta a situação dos menos privilegiados. "Os desiguais devem ser tratados desigualmente, na medida em que se desigualam".
Caso a idéia fosse corrigir distorções, deveria ter estabelecido um escalonamento com idade para a percepção da pensão por morte no seu valor integral. Evidente que uma viúva com 30 anos, tem maiores condições de voltar ao mercado de trabalho, mas o mesmo não ocorre com uma viúva com cinqüenta anos ou mais.
No tocante ao servidor público, têm sido propaladas inverdades, como se esse trabalhador, que torna possível o Estado realizar seu mister, fosse o culpado pelo déficit nas contas públicas, e não a prática político criminosa que se instalou neste país. É cediço que no serviço público a grande maioria dos funcionários recebe salários inferiores ao grau de responsabilidade de suas atribuições. Excetuado os agentes políticos e agentes públicos representantes dos poderes constituídos, a grande maioria do funcionalismo, principalmente os do poder executivo, recebem salários relativamente baixos. No setor público dos Estados e Municípios a situação é pior ainda, pois os baixos salários só não fomentam a saída em massa do servidor, em virtude das condições econômicas do país, com a baixa oferta de empregos. O servidor público não tem FGTS e em determinadas funções, a exemplo da polícia, se quer recebem adicional por hora extra e trabalho noturno. Evidente que àqueles que possuem melhor formação e capacidade profissional, buscam a iniciativa privada, assim que aparece uma oportunidade. Os que ficam procuram laborar a rotina do dia a dia, sem estímulo de buscar aperfeiçoamento para prestar um serviço público melhor. Eis a realidade sem hipocrisia política.
Não se pode olvidar que determinadas carreiras públicas são típicas do Estado e, estão diretamente relacionadas com o exercício de sua soberania, como a garantia da ordem pública, política monetária, fiscalização, etc.
Dentre estas, as carreiras militares e da segurança pública, exigem para seu  pleno exercício, além da capacitação profissional, o necessário vigor físico para enfrentar as atribuições cotidianas. Inconcebível se imaginar um militar sexagenário em atividade na infantaria, nem tampouco um policial com 60 anos ou mais, em condições de combater a crescente criminalidade, cada vez mais ousada e armada. Levar essas carreiras essenciais para a segurança do país a um nível de envelhecimento de seu efetivo e sucateamento material, deveria ser tipificado como crime de lesa pátria.
A verdade que o serviço público no Brasil vem numa linha descendente de investimento pelos governos, tanto em relação ao recrutamento e preparo do servidor, como no aparelhamento dos órgãos para o exercício de funções essenciais. Embora os impostos arrecadados venham batendo recordes todos os anos. Infelizmente, não há responsabilização pelo sucateamento da máquina pública, nem tampouco pela gestão temerária de seus recursos. A prova disso, são as indicações políticas para a direção de órgãos essenciais, que via de regra são utilizados como moeda de troca. Houvesse tipificação da conduta de gestão temerária, quem sabe diminuísse a indicação de políticos sem capacidade e compromisso para gerir a coisa pública. 
O governo é o pior patrão neste país, prova incontestável dessa afirmativa é o número astronômico de ações no Poder Judiciário contra o Estado. A razão, via de regra, é a falta de cumprimento da lei em relação a direitos do servidor e, pior, com recursos protelatórios apresentados pelas Procuradorias estaduais, cujo resultado se reflete em ações decenais, às vezes vintenárias. O desfecho inexorável  são as condenações do Estado para pagamento de altos valores que engrossam o número de Precatórios intermináveis. O prejuízo é de todos, tanto para o servidor que tem que brigar anos para receber o que lhe é de direito, como para o Estado, uma vez que os Precatórios são pagos pelo tesouro, com a alocação de enormes importâncias em dinheiro que poderiam ser investidas em benefício da população. Houvesse tipificação para recursos protelatórios em ações, cujos Tribunais já tivessem firmando entendimento pacífico, talvez isso não ocorresse. Cabe aos Procuradores estaduais defender o interesse do Estado e, jamais o interesse do ocupante transitório do governo.  Verdade que alguns ocupantes transitórios de alguns governos, às vezes, conseguem obter a chancela do povo para se perpetuarem por vinte ou trinta anos. 
Não obstante as observações pertinentes acima discorridas em relação ao servidor público, causa estranheza que as carreiras de militares, policiais militares e bombeiros tenham sido deixadas a parte da discussão da previdência. Há enormes distorções nessas carreiras, que transcendem a idade mínima de 60 anos ou mais para obtenção da aposentadoria que, como dissemos, são impensáveis.
Pensões vitalícias para filhas que não se casem, contagem de tempo de estudo e preparação profissional às expensas do Estado como se fosse de efetivo trabalho, incorporação aos vencimentos de adicionais por atividades temporárias, além de tantas outras particularidades, promovem distorções que podem e devem ser corrigidas. Ora, o engenheiro não conta como tempo de serviço, aquele despendido na sua formação na faculdade.
Em relação à polícia militar por exemplo, embora sejam força auxiliar do Exército, seus oficiais recebem salários bem superiores aos das forças armadas. Há coronéis da PM ganhando salários superiores a de generais, com um detalhe, em média passam para a inatividade com média de idade em torno de 48 anos.
No estado de São Paulo, em decorrência da Lei Complementar nº 1.150/2011, os coronéis se aposentam com um adicional de 20% à mais nos vencimentos com incidência de todas as vantagens pessoais, são os privilegiados "coronéis full". A Constituição Federal veda expressamente que o servidor público inativo receba provento superior ao funcionário da ativa na mesma função  Os proventos de aposentadoria e as pensões, por ocasião de sua concessão, não poderão exceder a remuneração do respectivo servidor, no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão - Art. 40 Inciso III § 2º. Nessa distorção apontada, a indigitada lei estabelece indistintamente para a carreira de coronel um adicional de 20% nos vencimentos, por ocasião da passagem para inatividade. Desta maneira, um coronel da reserva recebe vencimentos superiores ao seu par na ativa. Verdadeiro absurdo. Quando se trata de usufruir direitos garantidos no estatuto dos funcionários públicos, os policiais militares invocam sua condição de servidores públicos estaduais, mas, no entanto, quando se tratam de limitações impostas aos demais servidores públicos, estes de imediato invocam sua condição de militares, com tratamento diferenciado, ou seja são uma carreira híbrida. Não bastasse isso, temos ainda a onerar o sistema previdenciário estadual as promoções decorrentes de legislações casuísticas, a exemplo da Lei nº 10.430/99, que conferem vantagens na passagem para a inatividade, sem que tenha havido uma contraprestação previdenciária. Nesse particular, há de se observar que o beneficiado se aposenta em graduação ou posto superior, sem ter efetuado contribuições previdenciárias correspondentes aos vencimentos que irá usufruir por muitos anos na inatividade, uma vez que se aposenta cedo. Em muitos casos, policiais militares que contribuíram por toda sua vida profissional na condição de praça, na passagem para a inatividade são promovidos e passam a receber como oficial. O prejuízo para o tesouro é imensurável. Portanto, não há razão lógica para a exclusão das polícias militares da reestruturação da previdência, até porque em termos de despesas com aposentadorias, estas tem um peso colossal nos orçamentos estaduais. Talvez se explique essa exclusão, em razão de que as polícias militares são pequenos exércitos estaduais e, seu efetivo é bem superior a somatória dos demais funcionários da segurança pública dos estados.
Destarte toda a situação apontada, esse malfadado projeto de emenda a constituição, pode ser um tiro no pé da própria previdência social. Tendo em vista a impossibilidade de aposentar com um salário digno, somado a isso a alta informalidade no emprego em tempos de crise, muitos trabalhadores poderão deixar de contribuir com a previdência social, afinal aos setenta anos ou mais, quando não tiverem mais condições de trabalhar, poderão requerer a concessão de benefício assistencial mensal, a ser previsto, nos termos do projeto de emenda, no inciso V do artigo 203 da CF.
Diante do que foi apresentado como solução ao suposto déficit da previdência, aliás, contestado por auditores fiscais e, levando-se em conta as reuniões do secretário da previdência social com banqueiros e instituições de previdência privada, temos para nós que a Perversa Emenda Constitucional, se trata na verdade de PEC da IMPREVIDÊNCIA SOCIAL, cujos únicos favorecidos serão as instituições financeiras que atuam no seguimento de previdência privada.
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* O autor é bacharel em direito pela Faculdade Católica de Direito de Santos. Ingressou na carreira policial em 1980 como Soldado da Polícia Militar de São Paulo, onde alcançou a graduação de 2º Sargento. Em 1989 assumiu o cargo de Investigador de Polícia, tendo exercido a função até aprovação no concurso para Delegado de Polícia em 1994. Contato por e-mail: juvenalmarques2010@gmail.com .