"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

sábado, 29 de julho de 2017

Se PJ é responsável por crimes ambientais, também o é por outros delitos

OPINIÃO


Acompanha-se o desenvolvimento da responsabilidade penal da pessoa jurídica na doutrina e na jurisprudência há muito tempo; particularmente, a partir de 1988, quando o artigo 225, parágrafo 3º, da Constituição Federal, dispôs: “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Embora de leitura e interpretação cristalina, autorizadora da responsabilidade penal da pessoa jurídica, houve (e há) os penalistas contrários à letra da Constituição Federal. Invocando preceitos doutrinários, negam efeito ao referido parágrafo.
Chega a ser interessante, pois hoje os tribunais (incluindo o Supremo Tribunal Federal) acolhem, em maioria, a referida responsabilidade penal. E mais interessante é o disposto no artigo 173, parágrafo 5º: “a lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”. Ora, está mais que aberta a porta para a pessoa jurídica ser penalmente responsável por crimes econômicos, financeiros e contra a economia popular. Afinal, a pessoa jurídica já responde, com as punições compatíveis, pelos delitos ambientais.
E o legislador, embora aja de modo camuflado, após a edição da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), fixou a responsabilidade penal (chamada ingenuamente, no texto legal, de “responsabilidade judicial”) da pessoa jurídica nos crimes de corrupção.
Pensamos ser momento de reflexão autêntica no Direito Penal brasileiro, seguindo os passos desejados pela sociedade, representada pelo Parlamento. Se a pessoa jurídica já responde por crimes ambientais, por que não pode responder por outros? Crimes, aliás, perfeitamente compatíveis com a autoria de quem está atuando no mercado econômico-financeiro e lidando com consumidores, tomando por base o mencionado artigo 173, parágrafo 5º, da Constituição Federal.
Sob outro prisma, no campo dos delitos contra a honra, a pessoa jurídica passou a ser sujeito passivo do crime de calúnia, ao menos no tocante aos delitos ambientais. Muitos penalistas (e julgados) já consideram ser viável que a pessoa jurídica figure, também, como sujeito passivo do crime de difamação.
Agora, estende-se a questão: pode a pessoa jurídica ser sujeito ativo de crime contra a honra, particularmente calúnia e difamação, que atribuem fatos negativos a terceiros? Parece-nos que sim. Afinal, a pessoa jurídica pode cometer crimes ambientais, de modo que poderia caluniar outra pessoa jurídica, atribuindo-lhe a falsa prática de delito igualmente ambiental. O mesmo substrato para garantir a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos delitos contra o meio ambiente pode ser utilizado para demonstrar a viabilidade de uma pessoa jurídica cometer calúnia e difamação contra particulares ou outras empresas.
Ilustrando, pode publicar em veículo de comunicação um texto atribuindo uma lesão ambiental à sua concorrente, também pessoa jurídica, sabendo ser esta inocente. Ademais, quem age, pela pessoa jurídica, são as pessoas físicas que a compõem. A vontade desse conjunto de seres humanos termina por formar a vontade da pessoa jurídica, nada afastando a autenticidade dessa vontade consciente de praticar o tipo penal incriminador. Logo, é perfeitamente viável o dolo e até mesmo o elemento subjetivo específico.
Surge peculiar questão para se debater: se a pessoa jurídica tem condições ativas legítimas de figurar como autora de crimes ambientais, pode, sem dúvida, ter as mesmas condições para outros delitos, como os pertinentes à sua prática diuturna (crimes econômicos, financeiros e contra o consumidor).
Se a pessoa jurídica pode ser caluniada pela prática indevida de crimes ambientais, parece-nos viável que atue, igualmente, como sujeito ativo de calúnia contra outra pessoa, seja física ou jurídica.
Se parte da doutrina brasileira, a despeito de nítida previsão de responsabilidade penal da pessoa jurídica para crimes ambientais (artigo 225, parágrafo 3º, da Constituição Federal), nega essa responsabilidade, torna-se, a contrário senso, perfeitamente adequado sustentar que, autorizada pela Constituição Federal, a responsabilidade penal da pessoa jurídica para delitos ambientais, por interpretação extensiva, está também legitimada para outros crimes, dependendo apenas da análise do caso concreto.
Tudo isso merece o cômputo da previsão formulada pelo artigo 173, parágrafo 5º, da mesma Constituição Federal, que delegou à lei ordinária a possibilidade de chamar a pessoa jurídica para os crimes econômicos, financeiros e contra o consumidor. Para dizer o mínimo.
*O autor comenta a Lei 9.605/1998 (crimes ambientais) na obra Leis Penais e Processuais Penais Comentadas vol. 2 (Forense).
Guilherme Nucci é desembargador em São Paulo. Livre-docente em Direito Penal, doutor e mestre em Processo Penal.

Revista Consultor Jurídico, 24 de julho de 2017, 7h30

MP-SP adota novo plano de carreira para servidores e abre 546 vagas de analista


Com duas leis publicadas neste sábado (22/7), o Ministério Público de São Paulo mudará o plano de cargos e carreiras dos seus servidores a partir de 1º de agosto e vai contratar, até 2018, 546 assistentes jurídicos (novo nome para analistas de Promotoria), direcionados a profissionais de ensino superior.
A mudança no plano de carreira foi proposta em 2015, na gestão do então procurador-geral de Justiça Márcio Elias Rosa (hoje secretário estadual da Justiça), e sancionada na sexta-feira pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB). A Lei Complementar 1.302/2017 muda critérios de progressão, promoção e remoção de servidores; renomeia cargos e cria alguns adicionais, como a Gratificação de Qualificação e a Gratificação pelo Exercício da Função em Unidade de Difícil Lotação.
No primeiro caso, servidores ganharão mais quando comprovarem formação maior do que a exigida para o cargo. Quando só for necessário o ensino médio, por exemplo, o profissional que tiver graduação em ensino superior terá aumento de 4,5% na remuneração. Já um título de doutorado permitirá acréscimo de 12,5% no valor recebido.
O texto define ainda que, em unidades do MP-SP com dificuldade de preencher vagas, servidores receberão 15% a mais enquanto estiverem no local. A lista de unidades será definida periodicamente pela Procuradoria-Geral de Justiça.
Novas nomeações
A Lei 16.501/2017 define que serão abertas 273 vagas de analistas jurídicos já neste ano, enquanto a outra metade ficará para 2018. Isso não significa concurso público imediato: a instituição divulgou que, como ainda tem um processo seletivo com validade até dezembro de 2017, chamará por enquanto remanescentes da lista.

De acordo com a norma, as despesas dependem de dotações orçamentárias do atual orçamento. Não foram divulgadas estimativas sobre o custo das mudanças, mas o procurador-geral de Justiça, Gianpaolo Smanio, declarou que “cada centavo desse investimento voltará em benefícios para a sociedade”. Ainda segundo o MP-SP, a ideia é tornar mais atrativas as vagas da instituição.
O presidente da Associação dos Assistentes Jurídicos do Ministério Público de São Paulo, Vinicius Mendes, definiu as sanções como fundamentais para a valorização dos servidores da área. Com informações da Assessoria de Imprensa do MP-SP.
Revista Consultor Jurídico, 24 de julho de 2017, 14h02

Juros ilegais cobrados nas dívidas fiscais

JUSTIÇA TRIBUTÁRIA


Só uma luz nesta sombra, nesta treva, brilha intensa no seio dos autos. É a voz da defesa, a palavra candente do advogado, a sua lógica, a sua dedicação, o seu cabedal de estudo, de análise e de dialética! Bendita seja a defesa! (Min. Ribeiro da Costa, Presidente do STF, DJU/12/12/63, página 4.365).
A Lei 16.497/2017, sancionada pelo governador de São Paulo, alterou o cálculo de multas e juros sobre os débitos fiscais. Os limites máximos das penalidades foram reduzidos em alguns casos e os juros fixados pela taxa “Selic”.
Essas supostas bondades serviriam para reduzir os questionamentos judiciais de lançamentos onde estejam presentes multas com efeitos confiscatórios e juros extorsivos. Tais ajustes estimulariam a liquidação ou parcelamento de débitos. Para isso o Governador encaminhou à Assembléia em fevereiro o projeto de lei nº 57, em regime de urgência.
O parcelamento foi regulamentado. Os interessados possuem, incluída a última quinta-feira, cerca de 20 dias para resolver se parcelam ou não. Ao que tudo indica o Governador terá que adequar esse calendário à realidade dos contribuintes, sob pena não conseguir atingir as metas de sua equipe.
Afirmamos em nossa coluna de 8 de maio último que "parcelamentos podem ser armadilhas se incluirmos neles o que não devemos". Ainda que venhamos a confessar débito tributário que inclua valores indevidos, isso pode ser revisto judicialmente, como nos assegura a Constituição. O tributo prescrito não existe, posto que extinto pelo tempo. Caso o agente fazendário venha a exigi-lo, pratica o crime de excesso de exação. Jamais vi alguém ser por isso processado. Mas disse a ex-virgem: “Tudo tem a primeira vez!”
Vimos que o uso da taxa Selic no cálculo do débito de ICMS, agora adotado pela lei paulista, é anunciado como redução. Mas a ordem jurídica vigente fixa juros de 1% ao mês, não capitalizados.
Toda a legislação tributária brasileira obedece a norma complementar fundamental, que é o Código Tributário Nacional. Diz o artigo 161 do CTN:
Artigo 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária.
§ 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.
§ 2º O disposto neste artigo não se aplica na pendência de consulta formulada pelo devedor dentro do prazo legal para pagamento do crédito.
Quando o CTN admite que possa dispor a lei “de modo diverso”, isso não implica em adoção de juros que não representem, efetivamente, remuneração de capital. E a “taxa Selic”, representa uma composição de diversos índices, que incluem fatores alheios à citada remuneração.
O artigo 150, I, da CF limita o poder de tributar ao princípio da legalidade absoluta. Veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. Por força destes dispositivos constitucionais a lei tributária, assim como todo conjunto normativo, deve observar a hierarquia das leis. Não existe lei acima da Constituição.
A interpretação do parágrafo 1º, do artigo 161, do CTN à luz do artigo 146 da CF é de que juro diverso daquele de um por cento ao mês, só pode ser instituído por Lei Complementar, por tratar de Crédito Tributário. O parágrafo 5º do artigo 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias diz: "vigente o novo sistema tributário nacional, fica assegurada a aplicação da legislação anterior, no que não seja incompatível com ele...."
O uso da taxa Selic na tributação é ilegal. O Sistema Especial de Liquidação e Custódia é um mecanismo eletrônico centralizado de controle diário da custódia, liquidação e operação de títulos da dívida pública por computador.
Nos termos da Circular BACEN 2.727/96, o Selic "destina-se ao registro de títulos e depósitos interfinanceiros por meio de equipamento eletrônico de teleprocessamento, em contas gráficas abertas em nome de seus participantes, bem como ao processamento, utilizando-se o mesmo mecanismo de operações de movimentação, resgates, ofertas públicas e respectivas liquidações financeiras".
Outrossim, conforme a Resolução 1.124 do Conselho Monetário Nacional - CMN, a taxa Selic corresponde à média ajustada dos financiamentos apurados naquele sistema, calculado sobre o valor nominal pago no resgate dos títulos. O objetivo da Selic é remunerar o capital investido na compra de títulos da dívida pública federal, mais especificamente das Letras do Banco Central do Brasil. Financia a especulação financeira.
Por outro lado, a taxa Selic não foi instituída por Lei, nem tampouco o foi a sua metodologia de cálculo. Tudo isso se fez pela Circulares BACEN 2.868 de 04/03/1999 e 2.900, de 24/06/1999, dessa forma:
"Define-se a taxa Selic como a taxa média ajustada dos financiamentos diários apurados no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC) para títulos federais".
O STJ no Resp 215.811/PR (Rel. Min. Franciulli Neto) decidiu: "Mesmo sem definição legal da Taxa SELIC, os legisladores inseriram-na em diversos diplomas legais como taxa de juros, não mencionando explicitamente em todos os casos que espécie de juros seriam esses.
Abra-se um parênteses para se advertir, desde logo, que impende ressaltar que o busílis da questão não está propriamente na ausência de definição legal da taxa Selic, mas, isso sim, na falta de criação por lei da taxa Selic para fins tributários, consoante matéria a ser desenvolvida em seguida.
Despiciendo lembrar que não cabe à lei, de regra, definir ou conceituar institutos jurídicos, axioma que se aplica, é claro, para os institutos jurídicos consagrados, cuja definição e explicitação é mister atribuído aos juristas e doutrinadores. A taxa Selic, é curial, está longe, muito longe, de ser um instituto jurídico a dispensar melhor dilucidação."
"Nessa linha de raciocínio, houve indisfarçável intenção de remunerar o investidor em termos competitivos, quer dizer, estimulantes, levando em conta outras possíveis opções existentes no mercado.Se assim é, como assim parece ser, a primeira indagação que se faz é a seguinte: É legal e constitucional equiparar o contribuinte ao aplicador ou o investidor? A resposta só pode ser negativa, uma vez que se não pode olvidar que o Direito Tributário tem toda a sua organicidade estruturada na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional, que, como é sabido, está equiparado à lei complementar."
O STJ pela Súmula 176 afastou por diversas vezes a aplicação de taxa de juros, ainda que prevista em contrato, se sua fixação fica a critério exclusivo de uma das partes. Diz essa Súmula: "É nula a cláusula contratual que sujeita o devedor à taxa de juros divulgada pela ANBID/CETIP".
O Estado não pode exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. Se a fixação de juros fica relegada ao arbítrio do Estado, não é observado o princípio da legalidade.A fixação de juros para débitos tributários em atraso só pode ser feita através de Lei. O argumento de que a aplicação dos juros Selic foi feita por lei não corresponde à verdade, posto que essa taxa não teve os seus contornos definidos em Lei; o que de fato há, são leis que a ela se referem. A ilegalidade na instituição da taxa Selic a título de juros moratórios é material, por ser apenas remuneração de capital investido.Quando o contribuinte não recolhe tributos é obrigação do Fisco efetuar o lançamento e não agir como agente financeiro e cobrar juros.
Não é só na cobrança de juros que o governo erra. No caso das multas é bem pior. As pequenas reduções agora feitas viabilizam exageros e efeitos confiscatórios. Veja-se a respeito, nossa coluna de 13 de fevereiro de 2017 com o título “As dificuldades nas defesas tributárias e os abusos das multas nos autos de infração.”
O contribuinte que assine parcelamento injusto tem o direito de exigir sua retificação judicial, para que prevaleçam os limites da lei e sejam observadas as decisões das instancias superiores.
* Texto atualizado às 10h20 do dia 24/7/2017.
 é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

Revista Consultor Jurídico, 24 de julho de 2017, 8h00