"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Delegado não comete improbidade só por ter opinião diferente do Ministério Público

INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL


Os delegados de polícia não cometem atos de improbidades administrativa só por apresentarem opinião diferente do Ministério Público ao registrarem crimes. Isso porque os delegados têm competência para analisar e interpretar o caso que lhes é apresentado.
Com esse entendimento, a 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo anulou sentença que condenou um delegado à perda de cargo por ter registrado como auxílio ao consumo de drogas um crime que o Ministério Público entendeu como tráfico.
Em primeiro grau, o juiz Bruno Machado Miano, da Vara da Fazenda Pública de Mogi das Cruzes (SP), afirmou ao aplicar a pena que agentes públicos também respondem por improbidade administrativa quando praticam atos baseados em opinião que transborda o lógico e as teses já pacíficas na jurisprudência e nas práticas da carreira.
O crime que motivou a divergência foi cometido por uma mulher flagrada com 40 gramas de maconha ao visitar seu companheiro no Centro de Detenção Provisória da cidade. Ao registrar o crime, o delegado justificou que a acusada apenas tentou levar a droga para o namorado, para que consumissem juntos.
O Ministério Público denunciou o delegado na esfera criminal, sob acusação de prevaricação, e na esfera cível, por improbidade. O réu foi absolvido no primeiro caso, em primeiro e segundo graus, e no outro processo negou dolo ou má-fé.
Para o relator da ação de improbidade na 1ª Câmara, desembargador Marcos Pimentel, destacou que a liberdade funcional de delegados é assegurada por previsão legal e também pela exigência de que sejam bacharéis em Direito. “Isto é, dotados de suficiente e adequado conhecimento jurídico”, afirmou.
“Não se está diante de um autômato, mas, antes, de legítimo operador do Direito, a autorizar a formulação de juízos de valor, sem prejuízo à aplicação das normas jurídicas de regência”, complementou. Mencionou também que as particularidades do caso concreto, ainda mais no Direito Penal, permitem diversas interpretações, “cumprindo ao Delgado de Polícia proceder àquela que, em concreto, reputar adequada”.
Sem improbidade
Segundo o relator, não há improbidade no caso por falta de dolo na atuação do delegado. “À luz dos fatos apresentados, não existe qualquer ilegalidade ou má conduta na sua capitulação pelo crime de ‘auxílio ao consumo de drogas’”, resumiu.

Disse ainda que não há adequação material ao ato de improbidade no caso, pois a norma que rege as punições a esse tipo de delito “tem caráter marcadamente repressivo”, ou seja, focada em punir agentes públicos que enriquecem ilicitamente, causam prejuízo ao erário ou atentem contra os princípios da administração pública.
Explicou por fim que esse ilícito enquadra as condutas que não seguem o bom trato da coisa pública, não diferenças de entendimento. “Não é possível se cogitar da omissão do demandado, já que lavrou o registro que julgara cabível na espécie.”
O delegado da Polícia Civil do Paraná e colunista da ConJur, Henrique Hoffmann, elogiou a decisão. Disse também que “o Delegado é autoridade dotada de independência funcional, possuindo liberdade para realizar sua análise técnico-jurídica sem receio de pressões de qualquer sorte, prerrogativa que protege o próprio cidadão".
"Todo integrante do Ministério Público e do Judiciário deveria saber que inexiste hierarquia entre as diversas carreiras jurídicas, devendo ser rechaçada a tentativa de criação de ilícito de hermenêutica”, complementou ao criticar a atitude do MP.
Processo 1008253-56.2014.8.26.0361
Clique aqui para ler o acórdão.
Revista Consultor Jurídico, 7 de dezembro de 2017, 18h11

Benefício previdenciário não prescreve, mas prestações, sim

A QUALQUER TEMPO


O benefício previdenciário é imprescritível. No entanto, prescrevem as prestações não reclamadas pelo beneficiário no período de cinco anos, em razão de sua inércia. A decisão é da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que negou recurso no qual o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) alegava estar prescrito o direito de uma trabalhadora rural requerer salário-maternidade.
Segundo o INSS, deveria ser aplicado ao caso o prazo decadencial de 90 dias, conforme o previsto no parágrafo único do artigo 71 da Lei 8.213/91, vigente à época do nascimento dos filhos da autora.
O ministro Napoleão Nunes Maia Filho esclareceu que a Lei 8.861/94 alterou o artigo 71 da Lei 8.213/91, fixando um prazo decadencial de 90 dias após o parto para requerimento do benefício pelas seguradas rurais e domésticas. Entretanto, esse prazo decadencial foi revogado pela Lei 9.528/97.
De acordo com o ministro, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 626.489, com repercussão geral, firmou entendimento de que “o direito fundamental ao benefício previdenciário pode ser exercido a qualquer tempo, sem que se atribua qualquer consequência negativa à inércia do beneficiário, reconhecendo que inexiste prazo decadencial para a concessão inicial de benefício previdenciário”.
Napoleão explicou que os benefícios previdenciários envolvem relações de trato sucessivo e atendem necessidades de caráter alimentar. “As prestações previdenciárias têm características de direitos indisponíveis, daí porque o benefício previdenciário em si não prescreve, somente as prestações não reclamadas no lapso de cinco anos é que prescreverão, uma a uma, em razão da inércia do beneficiário”, disse.
Para o ministro, é necessário reconhecer a inaplicabilidade do prazo decadencial, já revogado, ao caso, ainda que o nascimento do filho da segurada tenho ocorrido durante sua vigência.
“Não se pode desconsiderar que, nas ações em que se discute o direito de trabalhadora rural ou doméstica ao salário maternidade, não está em discussão apenas o direito da segurada, mas, igualmente, o direito do infante nascituro, o que reforça a necessidade de afastamento de qualquer prazo decadencial ou prescricional que lhe retire a proteção social devida”, afirmou.
Napoleão Nunes Maia Filho afirmou ainda que, se a Constituição Federal estabelece a “uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, não seria razoável admitir-se um prazo decadencial para a concessão de benefício dirigido tão somente às trabalhadoras rurais e domésticas”. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
REsp 1.420.744
REsp 1.418.109
Revista Consultor Jurídico, 7 de dezembro de 2017, 10h46

É temeroso usar princípios para justificar decisões, diz Carlos Velloso

POSIÇÕES PERSONALÍSSIMAS


O Direito tem passado, nos últimos tempos, por uma constitucionalização. Não porque a Constituição de 1988 seja muito abrangente, mas porque muitos princípios citados como constitucionais têm sido usados para justificar decisões judiciais, o que, na visão do ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso, é muito perigoso.
“Princípio não tem conteúdo, porque sua formulação dependerá muito das posições pessoais", explicou, em entrevista à ConJur concedida após sua palestra no IV Colóquio sobre o Supremo Tribunal Federal, organizado pela Associação dos Advogados de São Paulo esta semana, na capital paulista.
STF tem que ter uma atuação “menos política e mais jurisdicional", disse Velloso.
STF
O problema desse uso de princípios no Direito, segundo Velloso, é que “se for feito sem prudência, a prática pode sujeitar a todos aos bons e maus humores dos juízes”. Como exemplo dessa prática ele citou a permissão para o aborto de fetos anencéfalos, que não é prevista na lei, mas foi concedida em Habeas Corpus pelo STF.
"Isso é uma questão do parlamento, não do Judiciário", afirmou. Ele ponderou que, se não há lei, o princípio pode ser aplicado, como foi feito no caso do nepotismo. “O Supremo aplicou diretamente o princípio da moralidade administrativa e da impessoalidade", detalhou.
Sobre o uso dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, Velloso afirmou que isso não passa de um “espalhafato”. “Fico pensando: como inventam modas", disse, complementando que o STF tem que ter uma atuação menos política e mais jurisdicional.
Confira a entrevista:
ConJur — As decisões monocráticas são o principal problema do STF atualmente?
Carlos Velloso — Há um poder exacerbado do ministro decidir monocraticamente. Assim, são praticamente 11 entendimentos, mas nenhum da corte, do Plenário do Supremo Tribunal Federal. E isso não é bom.

ConJur — O crescimento das decisões monocráticas é reflexo do aumento processual ou das diferenças de entendimento entre os ministros?
Carlos Velloso — Cada um está querendo dar andamento ao seu caso com mais rapidez. Até que são boas as intenções, mas tem sido prejudicial esse tipo de técnica de julgamento.

ConJur — O que o senhor achou da decisão do Supremo que declarou, no caso do amianto, a inconstitucionalidade incidental em uma ação de controle abstrato?
Carlos Velloso — Isso foi um nó jurídico, um ativismo judicial exacerbado, uma coisa que nunca se viu no Supremo Tribunal Federal. Penso que foi uma decisão assim: “nós podemos tudo”.

ConJur — Algumas interpretações da Constituição pelo Supremo são prejudiciais?
Carlos Velloso — Temos uma hermenêutica constitucional contemporânea. Mas, muitas vezes, se cometem excessos inusitados que são prejudiciais ao prestígio da corte.
 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 10 de dezembro de 2017, 9h03