"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Flagrante preparado pela polícia impede consumação do crime, diz 6ª Turma do STJ

ATIPICIDADE DE CONDUTA


A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça absolveu, por atipicidade de conduta, um homem preso sob acusação de tráfico de drogas em flagrante preparado pela polícia. De forma unânime, o colegiado concluiu que a indução para o cometimento do crime impossibilitou a consumação do mesmo, tornando-o impossível, como diz a Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal.
Ao condenar o acusado, o Tribunal de Justiça de São Paulo afastou a alegação da defesa de que houve flagrante preparado. Segundo o TJ-SP, o tráfico de entorpecentes é crime hediondo e permanente, não havendo possibilidade de incidência de flagrante preparado. Depois que o TJ-SP rejeitou todos os recursos apresentados, a defesa recorreu ao STJ.
O flagrante foi preparado pela Polícia Civil de São Paulo, que, para atestar a informação de que o acusado traficava cloreto de etila — conhecido como lança-perfume —, telefonou para o homem e encomendou dez caixas da substância. No local combinado para a entrega, os agentes prenderam-no em flagrante por tráfico de drogas.
“Nesse contexto, impende esclarecer que, apesar de flagrado pelos policiais trazendo consigo, para fim de tráfico, vidros de cloreto de etila, tal fato apenas foi possível em decorrência da ação dos policiais que, previamente, acertaram com o recorrente a compra de droga”, explicou o relator do recurso, ministro Nefi Cordeiro.
O ministro citou casos julgados pelo STJ e que estabelecem precedentes sobre flagrante preparado. Para o ministro, no caso julgado, foi determinante o fato de a polícia encomendar a droga ao acusado para poder prendê-lo em flagrante.
“Em casos tais, entende-se preparado o flagrante, pois a atividade policial provocou o cometimento do crime, que decorreu da prévia ligação telefônica realizada pelos policiais para o ora recorrente, oportunidade em que ajustaram os termos de aquisição do entorpecente”, afirmou o relator ao absolver o réu por atipicidade da conduta.
O acusado foi representado pelos advogados Arnaldo Malheiros FilhoThiago Diniz Barbosa Nicolai e Natalia Di Maio, todos do escritório Malheiros Filho, Meggiolaro e PradoCom informações da assessoria de imprensa do STJ.
AREsp 262.294
*Notícia alterada às 9h37 do dia 29 de novembro de 2017 para acréscimo de informações.
Revista Consultor Jurídico, 28 de novembro de 2017, 15h16

TST deve rever orientação sobre homologação trabalhista

OPINIÃO


A reforma trabalhista, em vigor desde o dia 11 de novembro, revogou o §1º do artigo 477 da CLT que tratava da obrigatoriedade da homologação da rescisão dos contratos de trabalho com prazo de vigência superior a um ano.
A homologação com a assistência do respectivo sindicato da categoria ou em sua falta, o Ministério do Trabalho, constituía solenidade essencial à validade do ato no momento de maior vulnerabilidade em que o empregado perde o emprego o seu sustento.
Já o §2º do mesmo artigo, que trata dos efeitos liberatórios da quitação passada na homologação, permaneceu sem alteração.
Diante de tal mudança e somada a impossibilidade do Tribunal Superior do Trabalho em editar súmulas e enunciados que possam criar ou restringir direitos, outra novidade trazida pela reforma (§2º do artigo 8º da CLT), surge um cenário obscuro e de incerteza quanto ao efeito liberatório do recibo de quitação do contrato de trabalho não homologado pelo sindicato.
Isto porque até 2003, data de cancelamento da Súmula 41, o TST conferia ao recibo de quitação efeito liberatório apenas em relação aos valores constantes no documento, isto é, quitava-se apenas o valor e não a verba o que possibilitava ao trabalhador discutir judicialmente diferenças não quitadas.
Por questões políticas que não serão aqui abordadas, o TST reviu seu posicionamento com a adoção da Súmula 330 em substituição à Súmula 41, desvirtuando o conceito de parcela para considerar quitado o título da obrigação, impedindo, assim, futura discussão pelo trabalhador de eventuais diferenças pagas a menor.
Contudo, o entendimento conferido pelo TST, ao que tudo indica, também não mais prevalecerá, em face da incompatibilidade gerada pela própria reforma, que alterou o §2º do artigo 8º da CLT, para dispor sobre a vedação de súmulas e enunciados daquela corte criar ou restringir direitos não previstos em lei.
Daí que surge oportunidade ímpar para o TST rever seu posicionamento e conferir interpretação restritiva ao alcance do efeito liberatório das parcelas pagas na rescisão do contrato de trabalho, aplicando interpretação literal e restritiva ao conceito de parcela, isto é, parte de um todo, para liberar o devedor até o montante que lhe foi pago.
Nesse sentido aliás, o ensinamento do ilustre civilista Silvio Rodrigues, para quem a “prova do pagamento é a quitação. Consiste em um escrito no qual o credor, reconhecendo ter recebido o que lhe era devido, libera o devedor, até o montante que lhe foi pago” (Melhado, Reginaldo. Súmula 330 e ato jurídico perfeito. Disponível em http://online.sintese.com).
A mudança de orientação deve necessariamente ocorrer, notadamente, pela piora na situação de proteção do trabalhador que passa a não contar mais com a assistência de seu sindicato de classe durante a rescisão, com o risco de ocorrer quitação transvestida em forma renúncia, em afronta aos princípios norteados do direito do trabalho, como o princípio irrenunciabilidade e da primazia da realidade além, é obvio, do princípio geral da razoabilidade.
 é sócio do escritório Crivelli Advogados Associados.

Revista Consultor Jurídico, 29 de novembro de 2017, 6h01

Punitivismo estatal chegou ao Direito Tributário, afirmam advogados

GARRAS DE FORA


A sanha punitivista do Estado chegou ao Direito Tributário. Embora já esperada, seus efeitos tomaram forma rapidamente, principalmente com a responsabilização de advogados que atuam na área pelos planejamentos tributários que fazem para seus clientes.
Outra forma, menos divulgada, são as aberturas de ações penais pelo Ministério Público antes do fim do processo administrativo, ou mesmo sem que haja qualquer procedimento nessa esfera, o que é proibido por súmula do Supremo Tribunal Federal.

Professores e advogados participaram de painel sobre o cenário atual dos processos tributários.
OAB

Esses foram as preocupações apresentadas por tributaristas nesta quarta-feira (28/11) em painel sobre reforma tributária durante a XXIII Conferência Nacional da Advocacia, que acontece em São Paulo até esta quinta-feira (30/11).
A professora Misabel Derziafirmou estar surpresa como andam práticas de acusação atuais. Citou, por exemplo, que lhe causa espanto o fato de o MP aplicar a lei penal, mesmo não sendo essa sua atribuição. "Quem aplicava a lei penal era o juiz. Hoje, o Ministério Público faz isso em substituição ao Judiciário, e há impactos no Direito Tributário por conta da arrecadação."
O também professor Roque Carrazza e o tributarista Igor Mauler Santiagoengrossaram o coro, mais especificamente para defender a advocacia. "O advogado não pode ser responsabilizado por suas opiniões aos seus clientes", afirmou Carrazza. "Vivemos um momento em que o pêndulo está situado em um dos extremos das relações. Temos uma primazia absoluta do Estado sobre o cidadão", complementou Santiago.
O tributarista disse que essa movimentação pendular, após a Constituição de 1988, era favorável ao cidadão, seguindo uma "prática judicial libertária". Porém, com o tempo, ponderou, o Estado foi dominando as relações e invertendo essa lógica. "Temos discussões jurídicas baseadas em slogans. Ninguém se preocupa em discutir os argumentos."
Santiago afirmou que esse modelo de disputa entre sociedade e Estado só favorecerá o poder público. "Assim, o estado ganhará sempre", resumiu.
"Garantismo jurídico"
Carrazza disse que o termo garantismo jurídico, apesar de antigo, parece estar em desuso. "'As pessoas têm fome e sede de Justiça, custe o que custar'. A frase soa bem, é retórica, mas não é jurídica. Ela atenta contra o princípio da ampla defesa. Precisamos passar o Brasil a limpo, mas respeitando o devido processo legal."

Ele considerou ainda necessário acabar com intervenções do Ministério Público na área tributária, com conduções coercitivas contra aqueles que nunca descumpriram decisão judicial, com as invasões de escritórios atrás de documentos da defesa e com a criminalização de advogados que fazem planejamentos tributários.
"Mesmo os que seguem teses tributárias minoritárias", detalhou, lembrando que só regimes totalitários atentam contra os advogados. "Não há nem pode haver crime de opinião."
O advogado ainda defendeu que a Lei de Organizações Criminosas seja revista para que delatores não sejam forçados a confessar crimes apenas para ter benefícios. "A lei das delações precisa ser repensada, porque faz os criminosos dizerem o que querem ouvir os acusadores." "O cômodo caminho da delação deve ser substituído pelas investigações sérias, para as quais as instituições estão devidamente aparelhadas", complementou.
Igor Mauler Santiago também criticou as preventivas e cautelares imotivadas, assim como nova jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que permitiu a prisão antecipada, logo após condenação em segundo grau.
Ele disse que o argumento da corte para essa decisão foi estatístico, não jurídico, sendo proferido "em uma noite a se esquecer". "Se compactuamos com isso, mais na frente acontecerá conosco e com nossos amigos."
 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 29 de novembro de 2017, 10h05