"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Preclusão processual prevalece sobre independência funcional do agente político

TRIBUNA DA DEFENSORIA


Situação prática: em ação penal, o membro do Ministério Público opina, nas suas alegações finais, pela absolvição, com o que concorda o magistrado, julgando improcedente a pretensão punitiva. Publicada a sentença, intima-se o Ministério Público, que, por meio de outro promotor, interpõe recurso de apelação. Hipótese rara? Nem tanto....
O quadro descrito se mostra, na atuação prática, bastante comum, razão pela qual, aliás, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da questão, no Recurso Extraordinário 590.908, por maioria[1]. De lá para cá, porém, o debate na corte máxima da República estagnou.
As contradições cotidianas, no entanto, continuam a decorrer. Outro exemplo? Oferece o Ministério Público, por meio do promotor A, a suspensão condicional do processo. Aceita pelo suposto autor do fato, o promotor B, discordando do seu colega, recorre, ou busca modificar as condições.
Tudo isso em nome da independência funcional, garantia dos membros das carreiras das instituições constitucionais essenciais à justiça. A exemplo dos promotores de justiça, os defensores públicos têm assegurada a possibilidade de atuar livremente, sem se submeterem a pressões externas. Agem, para usar a expressão do ministro Marco Aurélio, “segundo ciência e consciência” próprias.
No entanto, do outro lado da balança (ou do ringue da ponderação) está a segurança jurídica, valor dos mais centrais do ordenamento, consubstanciada na preclusão. Esta, no dizer de Dinamarco, é “a perda da faculdade processual imposta pela lei em determinados casos”[2], elemento absolutamente crucial para garantir a noção de processo como uma marcha para a frente.
Evidentemente, no atual regramento cooperativo, o juiz não deve conduzir a relação processual como um jóquei guia seu cavalo de corrida, a acelerando a todo custo, sendo bastante razoável que invista tempo dialogando com as partes, de modo a entender e superar eventuais empecilhos existentes para o atingimento da questão de fundo que propiciou o litígio. No entanto, trotando em maior ou menor ritmo, o cavalo só andará para a frente — não há espaço para marcha à ré.
Também assim na relação processual, essencialmente dinâmica: é possível pausar, designando, por exemplo, uma audiência especial apenas para que se busque um acordo, mas, salvo o reconhecimento de nulidade insanável de algum ato, não existe replay ou rewind. O que passou passou.
A essa impossibilidade de retrocesso, portanto, dá-se o nome de preclusão, que pode ser de várias espécies. Aqui, interessa sua vertente lógica, quando se dá “em razão da incompatibilidade entre determinada faculdade, ou seu exercício, com uma conduta já posta em prática pela parte”[3]. Em outras palavras: sob pena de termos um processo bipolar, a parte não pode se contradizer.
Retomada esse basilar conceito da Teoria Geral do Processo, é imperioso lembrar que o Ministério Público é uno, bem como a Defensoria Pública. Estamos diante do princípio da unidade. Não há divisão interna de cada uma das instituições autônomas (isto é, dentro de cada Ministério Público ou Defensoria Pública estaduais ou do MPF e da DPU) e, quando figuram em juízo em nome próprio (como o faz o Parquet no processo penal, como autor), devem se comportar de maneira condizente.
Tem-se reconhecido, por essa razão, a fungibilidade dos membros das carreiras mencionadas, ressalvando a sua não submissão ao entendimento eleito pelo anterior colega, em função da sua independência funcional[4]. Esse dogma, contudo, merece uma mitigação.
Esses dois elementos — a preclusão e o princípio da unidade (e seu corolário, o princípio da indivisibilidade) — demandam leitura à luz da segurança jurídica da parte contrária. É insustentável que, supostamente porque o munus de fiscal da lei está acima de qualquer subordinação a manifestação processual pretérita, se fira de morte a garantia constitucional da certeza acerca de seu patrimônio jurídico.
De igual maneira, soa absurdo que, pelo simples fato de se manifestar agente político, se afaste, sem cerimônias, a expectativa da parte contrária. É decididamente anti-isonômico que uma parte processual assistida por advogado deva ser prudente ao se posicionar no jogo processual e outra, assistida por defensor público, possa agir levianamente, bastando que outro defensor invoque, posteriormente, sua independência funcional.
O resultado da ponderação deve ficar particularmente claro no processo penal, em se tratando do Ministério Público, uma vez que (i) figura a instituição, una, como autora e que (ii) os direitos tutelados são especialmente delicados, afetando o réu em variadas frentes sociais (ao aceitar a transação penal ou a suspensão do processo, o sujeito confia que, cumprindo as condições, a questão estará encerrada, retomando o curso regular de sua vida).
No atual cenário de valorização dos precedentes judiciais, em que, acertadamente, se exige a construção da noção de um Judiciário uno, respeitador dos entendimentos por ele próprio fixados, urge elevar o senso de responsabilidade dos membros do Ministério Público e da Defensoria Pública, instituições chamadas a pacificar seus posicionamentos internamente, e a atuar, em juízo, de maneira leal e coesa — o que passa, necessariamente, pela observância das anteriores manifestações, no mesmo processo, de outros membros da mesma carreira. A preclusão processual, enquanto garantia da outra parte, prevalece sobre a independência funcional do agente político.

[1] Considerando a situação excepcionalíssima, a ponto de afastar a repercussão geral da discussão, votaram os Ministros Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux.
[2] DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do novo processo civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 191.
[3] DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do novo processo civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 192.
[4] ESTEVES, Diogo; SILVA, Franklyn Roger Alves. Princípios institucionais da Defensoria Pública. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 330-331.
 é defensor público do estado do Rio de Janeiro, pós-graduado em Direito Privado pela Universidade Candido Mendes e mestre em Direito Processual pela Uerj.

Revista Consultor Jurídico, 21 de novembro de 2017, 9h55

Judiciário faz acordo com Exército para destruição de armas apreendidas

ROLO COMPRESSOR


Serão destruídas armas que não servem nem para instrução processual, nem para a polícia.
O Judiciário e o Exército firmaram nesta terça-feira (21/11) um acordo de cooperação técnica para destruição de armas de fogo e munições apreendidas que estejam sob a guarda da Justiça.
O termo foi assinado pela presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, e pelo comandante do Exército, general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas. 
As armas encaminhadas para destruição são aquelas que foram consideradas pelos juízes desnecessárias para a continuidade e instrução dos processos judiciais. Este armamento não pode ser doado para a polícia, seja pela sua condição precária de conservação, seja por características técnicas da arma que não se enquadram nos padrões utilizados. Com informações da Assessoria de Imprensa do CNJ.  

Revista Consultor Jurídico, 22 de novembro de 2017, 11h26

Polícia não pode autorizar jornalista a acompanhar busca e apreensão em casa

ASILO INVIOLÁVEL


A autorização judicial para que a polícia faça busca e apreensão em uma casa não permite que repórteres entrem no local e divulguem imagens da residência. Por isso, a 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou a TV Record a pagar R$ 10 mil de indenização por danos morais a um homem que teve sua intimidade violada por programa da emissora. 
Segundo os autos, a TV Record em Franca foi autorizada pela polícia a acompanhar uma busca e apreensão em uma residência em Morro Agudo, onde estaria vivendo um suposto traficante de drogas. Foram feitas filmagens do interior de sua residência, inclusive de sua esposa em trajes íntimos e dele de costas e algemado.
O homem, dono de um bar-mercearia onde supostamente vendia-se drogas, prestou depoimento na delegacia e foi depois liberado, isto porque a polícia não encontrou nada de ilícito em sua casa e nem viu ligações com os envolvidos.
No entanto, como a operação foi televisionada no programa Balanço Geral, o suspeito acabou sendo facilmente reconhecido na sua cidade, virando motivo de piadas: "A emissora no programa da tarde mostrou o rosto do requerente, tratando como traficante, o interior da casa, a voz da cônjuge do mesmo, tudo que fizesse qualquer pessoa o identificar facilmente, desde então a vida dos mesmos, não tem paz, tendo os filhos ter de faltarem as escolas pois são alvos de piadas, chacotas, tudo devido a reportagem que foi veiculada em programa de televisão de grande abrangência", alegou o autor.
Relator do caso, o desembargador Paulo Roberto Grava Brazil reformou a decisão de primeiro grau, que entendeu que o caso não extrapolava o dever jornalístico. "É verdade, também, que existe interesse público na apuração dos crimes de tráfico de drogas que motivaram a grande operação na pacata cidade de Morro Agudo. Porém, o interesse público, em termos legais, não se confunde com a curiosidade e a sede de emoção do público em saber como são feitas as buscas e apreensões policiais nas residências das pessoas relacionadas à investigação."
E continua: "O que se vê na gravação são cenas elaboradas com a intenção de prender a atenção do telespectador. Não existe propósito informativo", advertiu o desembargador.
Segundo Grava Brazil, a polícia não poderia ter dado tal autorização para a reportagem, pois não é autoridade competente para deferir a entrada de terceiros na casa de suspeitos. Autorizar os meios de comunicação é fazer devassa da intimidade, disse, citando o artigo  5º, incisos X e XI da Constituição Federal de 1988.
Por esses motivos, fixou a indenização moral em R$ 10 mil, valor adequado e proporcional ao caso. E rejeitou o pedido de indenização por dano material. A votação foi unânime. Participaram também os desembargadores Salles Rossi e Silvério da Silva. 
Clique aqui para ler o acórdão.
Apelação 0002928-49.2012.8.26.0374
 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 22 de novembro de 2017, 17h13