"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

É temeroso usar princípios para justificar decisões, diz Carlos Velloso

POSIÇÕES PERSONALÍSSIMAS


O Direito tem passado, nos últimos tempos, por uma constitucionalização. Não porque a Constituição de 1988 seja muito abrangente, mas porque muitos princípios citados como constitucionais têm sido usados para justificar decisões judiciais, o que, na visão do ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso, é muito perigoso.
“Princípio não tem conteúdo, porque sua formulação dependerá muito das posições pessoais", explicou, em entrevista à ConJur concedida após sua palestra no IV Colóquio sobre o Supremo Tribunal Federal, organizado pela Associação dos Advogados de São Paulo esta semana, na capital paulista.
STF tem que ter uma atuação “menos política e mais jurisdicional", disse Velloso.
STF
O problema desse uso de princípios no Direito, segundo Velloso, é que “se for feito sem prudência, a prática pode sujeitar a todos aos bons e maus humores dos juízes”. Como exemplo dessa prática ele citou a permissão para o aborto de fetos anencéfalos, que não é prevista na lei, mas foi concedida em Habeas Corpus pelo STF.
"Isso é uma questão do parlamento, não do Judiciário", afirmou. Ele ponderou que, se não há lei, o princípio pode ser aplicado, como foi feito no caso do nepotismo. “O Supremo aplicou diretamente o princípio da moralidade administrativa e da impessoalidade", detalhou.
Sobre o uso dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, Velloso afirmou que isso não passa de um “espalhafato”. “Fico pensando: como inventam modas", disse, complementando que o STF tem que ter uma atuação menos política e mais jurisdicional.
Confira a entrevista:
ConJur — As decisões monocráticas são o principal problema do STF atualmente?
Carlos Velloso — Há um poder exacerbado do ministro decidir monocraticamente. Assim, são praticamente 11 entendimentos, mas nenhum da corte, do Plenário do Supremo Tribunal Federal. E isso não é bom.

ConJur — O crescimento das decisões monocráticas é reflexo do aumento processual ou das diferenças de entendimento entre os ministros?
Carlos Velloso — Cada um está querendo dar andamento ao seu caso com mais rapidez. Até que são boas as intenções, mas tem sido prejudicial esse tipo de técnica de julgamento.

ConJur — O que o senhor achou da decisão do Supremo que declarou, no caso do amianto, a inconstitucionalidade incidental em uma ação de controle abstrato?
Carlos Velloso — Isso foi um nó jurídico, um ativismo judicial exacerbado, uma coisa que nunca se viu no Supremo Tribunal Federal. Penso que foi uma decisão assim: “nós podemos tudo”.

ConJur — Algumas interpretações da Constituição pelo Supremo são prejudiciais?
Carlos Velloso — Temos uma hermenêutica constitucional contemporânea. Mas, muitas vezes, se cometem excessos inusitados que são prejudiciais ao prestígio da corte.
 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 10 de dezembro de 2017, 9h03

Questões políticas no STF não justificam punitivismo irracional, diz Pertence

VOZ DA EXPERIÊNCIA


O Judiciário está sob os olhos de todos nos últimos tempos, e o Supremo Tribunal Federal não escapou dessa vigilância constante pela mídia e pela sociedade. Porém, essas pressões externas em nada justificam algumas decisões do tribunal. A opinião é do ministro aposentado da corte Sepúlveda Pertence.
Para Sepúlveda Pertence, Supremo vive um "momento extremamente delicado de sua história".
Fábio Rodrigues Pozzebom/ABR
"Questões políticas levadas ao Supremo não justificam esse punitivismo irracional", disse em entrevista à ConJur após palestra no IV Colóquio sobre o Supremo Tribunal Federal, organizado pela Associação dos Advogados de São Paulo no dia 4, na capital paulista.
O ministro mencionou também que o Supremo vive um "momento extremamente delicado de sua história" por causa da crise institucional atual, mas ponderou que isso não serve de desculpa para a corte que fuja de suas responsabilidades.
“O Supremo resistiu, quase sempre à unanimidade de votos, às investiduras do regime militar contra os direitos fundamentais, por exemplo, a ideia de criminalizar como atividades da competência da Justiça Militar quaisquer atos contra a ditadura”, exemplificou.
Ele também comparou a atual composição do STF com as que ele integrou ao longo dos inúmeros anos que permaneceu na corte. Contou que, ao encontrar com Moreira Alves, seu ex-colega de Supremo, lembrou das críticas que recebiam por suposto isolamento dos ministros dentro do tribunal, as conhecidas 11 ilhas.
Sepúlveda Pertence afirmou que, apesar das críticas, os ministros sempre se mantiveram tranquilos e respeitosos entre eles. "Moreira, que coisa, diziam que brigávamos constantemente enquanto dançávamos um minueto francês. Agora entendem o que é briga", comparou, ao lembrar do encontro que teve com o também ministro aposentado na garagem do prédio onde ficam os ministros do STF em Brasília.
Leia a a entrevista:
ConJur — As decisões monocráticas são um reflexo do número de processos?
Sepúlveda Pertence — Quando já era ministro do Supremo, participei de um congresso de cortes europeias e foram chamadas algumas não europeias, inclusive a brasileira e a americana. Na pré-disposição que nos permitiram dar sobre o sistema de cada país, me referi a que naquele semestre — a reunião se dava em julho, em Roma — tínhamos julgado 18 mil processos.

ConJur — Como foi a reação dos juízes estrangeiros?
Sepúlveda Pertence — Veio o coffee break e o juiz Christopher, que está na Suprema Corte americana até hoje, aproxima-se de mim e falou: 'Cuidado com a tradutora, claramente o senhor disse 1,8 mil, e ela traduziu 18 mil'. Imagine, 1,8 mil já é um absurdo, 18 mil é impossível. Mas era verdade. E no ano seguinte chegava a 100 mil.

ConJur — O excesso de decisões monocráticas tira o caráter colegiado da corte?
Sepúlveda Pertence — Sim, é evidente, mas como lidar? Em alguns casos não tira.

ConJur — Mas não restringe a argumentação do defensor?
Sepúlveda Pertence — As decisões monocráticas são apenas reafirmação de decisões plenárias sobre casos. Essas mais de 100 mil ações que me refiro foi à época do FGTS. Agora, atualmente, há um exagero de decisões monocráticas em casos singulares. Nesses casos, o colegiado fica comprometido frequentemente.
 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 10 de dezembro de 2017, 15h36

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Prazo para punir abandono de cargo inicia com retorno de servidor, diz AGU

PROCESSO ADMINISTRATIVO


O prazo para administração punir o servidor por abandono de cargo começa a contar a partir do retorno dele ao serviço, e não após 30 dias de ausência injustificada, quando se configura o afastamento voluntário. Essa é a conclusão de um parecer da advogada-geral da União, Grace Mendonça, acolhido pelo presidente da República, Michel Temer.
Agora, a manifestação deverá ser adotada por todos os órgãos públicos em processos administrativos disciplinares abertos em razão de abandono de cargo. Ela foi elaborada com base em jurisprudência consolidada pelo Judiciário em ações de servidores que alegam prescrição das sanções passados cinco anos do dia em que se registra o afastamento. De acordo com o parecer, o prazo prescricional, contudo, deve ser contado somente depois de eventual retorno ao cargo.
A tese defendida pela AGU nos processos é de que o abandono de cargo é comparado a ilícitos criminais por ser uma infração de natureza permanente. A tese se ampara na norma que configura o abandono (ausência voluntária por 30 dias consecutivos) e a prescrição aplicada a crimes como cárcere privado, sequestro e trabalho análogo à escravidão, cujo prazo começa a contar quando se encerra o delito.
“Seguindo essa mesma lógica jurídica, na infração disciplinar do abandono de cargo, tanto a base pré-consumativa (trinta dias consecutivos de faltas ao serviço) quanto a pós-consumativa (do trigésimo primeiro dia em diante) estão no domínio de volição do agente público e acarretam, em ambas as situações, consequências jurídicas”, avalia o parecer da AGU.
Citando julgados do Superior Tribunal de Justiça, a manifestação se respalda em decisões quanto a casos de abandono nas quais ficou pacificado de que se tratam de um delito permanente, que se encerra somente quando o servidor retorna ao cargo ou se conclui o devido processo administrativo disciplinar.
O parecer também esclarece que o Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei 8.112/90) prevê a contagem de prazos prescricionais no caso de ilícitos funcionais, mas não os especifica, abrindo caminho para “a aplicação subsidiária de institutos do direito criminal no âmbito do direito disciplinar, notadamente em razão de omissão legislativa na esfera administrativa”. Com informações da Assessoria de Imprensa da AGU.
Clique aqui para ler o parecer publicado no Diário Oficial da União.
Revista Consultor Jurídico, 6 de novembro de 2017, 14h41