"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

sábado, 12 de janeiro de 2019

É preciso combater qualquer espécie de matança organizada pelo Estado


“Vai mirar na cabecinha e... fogo.” Essa assertiva foi proferida por um governador eleito e ex-juiz, de modo que causa certo constrangimento admiti-la por verdadeira. Considerando ser autêntica, é preciso levantar algumas questões relevantes. Em primeiro lugar, convém retratar o fato no qual se baseia a referida afirmação. Vê-se, em comunidade do Rio de Janeiro, onde se trava uma batalha entre traficantes e a polícia (e/ou Exército), um indivíduo segurando um fuzil. Este sujeito, pouco importando a sua idade para essa finalidade, exibe a sua arma, como se faz com um troféu. A partir daí, advém a frase: mirar na cabeça e matar.
Em segundo lugar, no Brasil, conforme a Constituição Federal, que neste ano comemora os seus 30 anos, proíbe-se a pena de morte (artigo 5, XLVII, a). Se nem mesmo o Poder Judiciário, por meio do devido processo legal, pode aplicar esse nível de sanção, por óbvio, nenhuma outra autoridade está legitimada a fazê-lo.
Pode-se, então, levantar a bandeira das excludentes de ilicitude. Vamos descartar, desde logo, o estado de necessidade, que, pelas características apontadas pelo artigo 24 do Código Penal, não se encaixa de modo algum na situação fática retratada pela infeliz afirmação. Retira-se, também, o exercício regular de direito, visto não constituir direito de qualquer pessoadesfechar um tiro na cabeça de outra. Restam as duas mais prováveis: estrito cumprimento do dever legal e legítima defesa.
A primeira — estrito cumprimento do dever legal — deve ser eliminada, pois inexiste qualquer lei, no país, instituindo o dever de matar uma pessoa, seja lá em que condições esta se encontre. Aliás, quando os agentes policiais fazem uma prisão, a lei processual penal os autoriza a utilizar a força necessária para que o ato se concretize. Se, por acaso, a pessoa a ser presa reagir e, armada, der tiros contra os policiais, estes podem revidar, mas já não se está no cenário do estrito cumprimento do dever legal, e sim da legítima defesa.
Resta a análise da excludente prevista no artigo 25 do Código Penal. Encontra-se em legítima defesa quem repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou de terceiro, valendo-se dos meios necessários, de forma moderada. Seguir os requisitos dessa excludente faz com que se possa manter o critério de defesa e não de ataque; faz com que se evidencie o formato de salvaguarda de um direito e não de uma vingança; leva o agente da autoridade a se preservar, no campo das agressões, e não a eliminar pessoas consideradas inconvenientes.
Portanto, não se trata de visualizar um sujeito portando um fuzil e, automaticamente, dar-lhe um tiro, com arma pesada, esmigalhando o seu crânio. Isso não é legítima defesa, mas um homicídio premeditado. Pode-se até supor o mal que aquele indivíduo faria com o fuzil, mas não se pode transformar a cena estática (segurar um fuzil) em agressão atual ou iminente. Para ser atual, o fuzil precisaria disparar contra algo ou alguém. Para ser iminente, espera-se, pelo menos, que o sujeito aponte a arma na direção de alguém. Afinal, nada impede que, segurando o referido fuzil, mas vendo a chegada da polícia, esse indivíduo largue a arma e saia correndo. E, se assim for, inexiste qualquer tipo de agressão potencial.
Outro ponto da legislação penal brasileira diz respeito ao uso moderado dos meios necessários. Valer-se de um atirador profissional que, a longa distância, desfere um tiro certeiro na cabeça de alguém, matando-o instantaneamente, está distante de ser um meio necessário e igualmente moderado. Invade-se a seara do excesso que, neste caso, seria o excesso doloso, logo, o cometimento de um homicídio. Há de se ponderar tantas vezes quantas forem necessárias que o Estado-polícia deve prender o criminoso, para que seja julgado e, porventura condenado. Após, cabe-lhe cumprir pena. Um tiro fatal, dado à distância, significa extermínio.
Não se trata de defender quem anda com fuzil à mostra; ao contrário, para esse cenário há o tipo penal previsto no Estatuto do Desarmamento, aliás, delito hediondo. Deve ser preso. Se reagir, pode ser alvejado a tiros na exata proporção do que pretendia fazer com sua arma.
O Estado não desfruta do direito de vida ou morte sobre qualquer pessoa. Existem leis regendo o universo onde se encaixa a criminalidade. Não se está em terra de ninguém, para que se possa matar primeiro e prender depois. Ademais, esta última frase é somente um jogo de palavras, visto que, havendo morte, ninguém mais é preso, e sim enterrado. Há que se combater, com firmeza, qualquer espécie de matança organizada e concretizada pelo Estado-polícia, preservando-se o Estado Democrático de Direito.
Guilherme de Souza Nucci é desembargador na Seção Criminal do TJ-SP, professor da PUC-SP e livre-docente em Direito Penal, doutor e mestre em Direito Processual Penal pela mesma instituição.
Revista Consultor Jurídico, 14 de novembro de 2018, 6h23

STJ publica teses de Direito Penal, Tributário e Civil

PESQUISA PRONTA


O Superior Tribunal de Justiça publicou cinco novos temas na Pesquisa Pronta, ferramenta que oferece o resultado de pesquisas sobre temas jurídicos relevantes julgados no tribunal.
Direito Penal
A jurisprudência do STJ entende que os crimes previstos nos artigos 12, 14 e 16 da Lei 10.826/2003 são de perigo abstrato, de modo que é desnecessário averiguar a lesividade concreta da conduta, visto que o objeto jurídico tutelado não é a integridade física, mas a segurança pública e a paz social, colocadas em risco com a posse de munição, ainda que desacompanhada de arma de fogo. Assim, não há necessidade de comprovação do potencial ofensivo do artefato por meio de laudo pericial.

A 3ª Seção pronunciou-se no sentido de que as disposições da Convenção Americana de Direitos Humanos não revogaram o crime de desacato. Tal figura típica serve para inibir os excessos, a ofensa indevida e a ofensa extremada que se pode perpetrar contra qualquer servidor público no uso de suas atribuições rotineiras, e não para inibir o pensamento, a liberdade de expressão ou aquilo que se quer dizer.
Direito Tributário
Nos resgates e benefícios de complementação de aposentadoria, sujeitam-se ao Imposto de Renda as parcelas que corresponderem às contribuições feitas pelo empregador, bem como os ganhos oriundos de investimentos e lucros da entidade de previdência privada.

Direito Civil
O STJ já decidiu que, estabelecida a transação entre locador e locatário sobre a dívida em anterior ação de despejo, sem a participação do fiador, é legítima a extinção da fiança nos termos do artigo 1.503, inciso I, do Código Civil de 1916 ou do artigo 838, inciso I, do Código Civil de 2002.

O tribunal entende que o adquirente de imóvel em condomínio responde pelas cotas condominiais em atraso, ainda que anteriores à aquisição, ressalvado o seu direito de regresso contra o antigo proprietário. A obrigação de pagamento dos débitos condominiais também alcança os novos titulares do imóvel que não participaram da fase de conhecimento da ação de cobrança, em razão da natureza propter rem (por causa da coisa) da dívida. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
Revista Consultor Jurídico, 14 de novembro de 2018, 9h37

Alesp aprova projeto que altera previdência dos advogados paulistas


Após pressão da advocacia, foi aprovada com alterações o projeto de lei que altera a Carteira de Previdência dos Advogados, transferindo sua administração para a Secretaria da Fazenda e extinguindo o Instituto de Pagamentos Especiais de São Paulo (Ipesp), responsável pela administração da previdência de advogados e funcionários de cartórios. 
O texto é resultado de uma negociação com a participação direta dos presidentes da Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo (OAB-SP), Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) e Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp). O projeto aprovado agora segue para sanção do governador Márcio França.
Entre as mudanças exigidas pela advocacia acatadas pela Alesp está a redução da contribuição de 20%, fixada em 2009, para 11%. Além disso, foi determinada a devolução da diferença no período que houve a cobrança de 20%.
A partir da promulgação da futura lei, aposentados e pensionistas irão receber diretamente da Fazendo Estadual, acabando com insegurança hoje existente, de manutenção ou não dos pagamentos no futuro.
Para os que ainda não se aposentaram, o projeto autoriza a portabilidade da reserva dos contribuintes para outros fundos de previdência, ou seu levantamento à vista, com correção monetária, sem incidência de qualquer deságio ou desconto.
A proposta submetida à Alesp é resultado de estudos realizados com o objetivo de resolver definitivamente a questão das carteiras do Ipesp. As sucessivas alterações do regime jurídico, inclusive no âmbito constitucional, recomendavam a sua extinção por falta de enquadramento no ordenamento em vigor.
O presidente da OAB-SP, Marcos da Costa, classificou a aprovação do projeto como positiva. “A aprovação desse projeto é necessária para dar tranquilidade para quase cinco mil famílias de pessoas que estão aposentadas na Carteira de Advogados do Ipesp. Outros 15 mil advogadas e advogados que contribuíram ou ainda contribuem para o instituto aguardam a solução dessa questão, desde 2009, para ter uma aposentadoria com segurança ou reaver seus recursos”, afirmou.
Presidente do Iasp, José Horácio Halfeld Ribeiro também comemorou: “Com a sanção do projeto de lei pelo governador, que deverá ocorrer no início de dezembro, teremos um novo marco legal, que evidentemente dependerá ainda de muito trabalho, cuja responsabilidade e vigilância nunca nos faltou, para que a burocracia não sufoque o direito”. Com informações da Assessoria de Imprensa da OAB-SP e do Iasp.
*Notícia alterada às 15h27 do dia 14/11 para acréscimos.
Revista Consultor Jurídico, 14 de novembro de 2018, 13h05