"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

sábado, 12 de janeiro de 2019

STJ aprova 8 novas súmulas na área de Direito Público


A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça aprovou oito novas súmulas nas áreas ambientais, imposto de renda, pedidos administrativos, entre outros tópicos, no Direito Público. 
Saiba mais sobre os novos entendimentos firmados na Corte Superior:
Súmula 622: "A notificação do auto de infração faz cessar a contagem da decadência para a constituição do crédito tributário; exaurida a instância administrativa com o decurso do prazo para a impugnação ou com a notificação de seu julgamento definitivo e esgotado o prazo concedido pela Administração para o pagamento voluntário, inicia-se o prazo prescricional para a cobrança judicial."
Súmula 623: "As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor."
Súmula 624: "É possível cumular a indenização do dano moral com a reparação econômica da Lei n. 10.559/2002."
Súmula 625: "O pedido administrativo de compensação ou de restituição não interrompe o prazo prescricional para a ação de repetição de indébito tributário de que trata o art. 168 do CTN nem o da execução de título judicial contra a Fazenda Pública."
Súmula 626: "A incidência do IPTU sobre imóvel situado em área considerada pela lei local como urbanizável ou de expansão urbana não está condicionada à existência dos melhoramentos elencados no art. 32, § 1º, do CTN."
Súmula 627: "O contribuinte faz jus à concessão ou à manutenção da isenção do imposto de renda, não se lhe exigindo a demonstração da contemporaneidade dos sintomas da doença nem da recidiva da enfermidade".
Súmula 628: "A teoria da encampação é aplicada no mandado de segurança quando presentes, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; b) manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas; e c) ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal."
Súmula 629: "Quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar."
 é repórter da revista Consultor Jurídico

Revista Consultor Jurídico, 18 de dezembro de 2018, 7h16

Prisão temporária por descumprimento de delação premiada é ilegal

 

A colaboração do acusado não pode ser judicialmente exigida e é sempre voluntária.

Fonte: STJ

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A colaboração do acusado não pode ser judicialmente exigida e é sempre voluntária. Seguindo esse entendimento, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Nefi Cordeiro concedeu liminar em habeas corpus para revogar as prisões temporárias de dois investigados na Operação Capitu, da Polícia Federal, que investiga esquema de corrupção no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) ocorrido em 2014, que supostamente beneficiaria o Grupo J&F.

Neri Geller e Rodrigo Figueiredo, então ministro da Agricultura e secretário de Defesa Agropecuária, respectivamente, foram presos no último dia 9 de novembro, porque os investigados continuariam a ocultar fatos, muito embora aparentemente se comportassem como se estivessem colaborando com a Justiça, assinando acordos de colaboração premiada. Para o juiz, eles estariam “direcionando a atividade policial” para aquilo que lhes interessaria revelar. As prisões foram confirmadas pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Ao analisar os pedidos de liberdade, o relator no STJ constatou que houve excesso nas ordens de prisão. “A falta de completude na verdade pode ser causa de rescisão do acordo ou de proporcional redução dos favores negociados, mas jamais causa de risco ao processo ou à sociedade, a justificar a prisão provisória”.

Nefi Cordeiro explicou que “esconder fatos hoje não significa que se prejudique a colheita de provas, mesmo investigatórias, do limite fático já revelado e criminalmente perseguido”. O ministro lembrou que o crime de quase cinco anos atrás e a indicada destruição de provas, em 2015, não são fatos recentes para justificar a prisão cautelar.

“Ao que parece, prende-se porque não colaborou por completo, mais como punição do que por riscos presentes”, avaliou o relator, ao destacar que não é lícita a prisão, preventiva ou temporária, por descumprimento do acordo de colaboração premiada. “A prisão temporária exige dar-se concretizado risco às investigações de crimes graves e a tanto não serve a omissão de plena colaboração no acordo negociado da delação premial”, concluiu.

A investigação

A PF investiga suposto acordo ilegal, feito em 2014, que envolveria o então ministro da Agricultura Antônio Andrade (atual vice-governador de Minas), seu sucessor, Neri Geller, o ex-secretário do Mapa Rodrigo Figueiredo, e os então executivos do Grupo J&F Investimentos Joesley Batista e Ricardo Saud.

O esquema teria sido intermediado pelo então deputado Eduardo Cunha e pelo operador financeiro Lúcio Funaro. O pacto consistiria no pagamento de propina para que os servidores do Ministério da Agricultura praticassem atos administrativos com o fim de beneficiar as empresas do Grupo J&F.

Acessado e disponível na Internet em 12/01/2019 no endereço eletrônico -
https://www.jornaljurid.com.br/noticias/prisao-temporaria-por-descumprimento-de-delacao-premiada-e-ilegal 

É preciso combater qualquer espécie de matança organizada pelo Estado


“Vai mirar na cabecinha e... fogo.” Essa assertiva foi proferida por um governador eleito e ex-juiz, de modo que causa certo constrangimento admiti-la por verdadeira. Considerando ser autêntica, é preciso levantar algumas questões relevantes. Em primeiro lugar, convém retratar o fato no qual se baseia a referida afirmação. Vê-se, em comunidade do Rio de Janeiro, onde se trava uma batalha entre traficantes e a polícia (e/ou Exército), um indivíduo segurando um fuzil. Este sujeito, pouco importando a sua idade para essa finalidade, exibe a sua arma, como se faz com um troféu. A partir daí, advém a frase: mirar na cabeça e matar.
Em segundo lugar, no Brasil, conforme a Constituição Federal, que neste ano comemora os seus 30 anos, proíbe-se a pena de morte (artigo 5, XLVII, a). Se nem mesmo o Poder Judiciário, por meio do devido processo legal, pode aplicar esse nível de sanção, por óbvio, nenhuma outra autoridade está legitimada a fazê-lo.
Pode-se, então, levantar a bandeira das excludentes de ilicitude. Vamos descartar, desde logo, o estado de necessidade, que, pelas características apontadas pelo artigo 24 do Código Penal, não se encaixa de modo algum na situação fática retratada pela infeliz afirmação. Retira-se, também, o exercício regular de direito, visto não constituir direito de qualquer pessoadesfechar um tiro na cabeça de outra. Restam as duas mais prováveis: estrito cumprimento do dever legal e legítima defesa.
A primeira — estrito cumprimento do dever legal — deve ser eliminada, pois inexiste qualquer lei, no país, instituindo o dever de matar uma pessoa, seja lá em que condições esta se encontre. Aliás, quando os agentes policiais fazem uma prisão, a lei processual penal os autoriza a utilizar a força necessária para que o ato se concretize. Se, por acaso, a pessoa a ser presa reagir e, armada, der tiros contra os policiais, estes podem revidar, mas já não se está no cenário do estrito cumprimento do dever legal, e sim da legítima defesa.
Resta a análise da excludente prevista no artigo 25 do Código Penal. Encontra-se em legítima defesa quem repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou de terceiro, valendo-se dos meios necessários, de forma moderada. Seguir os requisitos dessa excludente faz com que se possa manter o critério de defesa e não de ataque; faz com que se evidencie o formato de salvaguarda de um direito e não de uma vingança; leva o agente da autoridade a se preservar, no campo das agressões, e não a eliminar pessoas consideradas inconvenientes.
Portanto, não se trata de visualizar um sujeito portando um fuzil e, automaticamente, dar-lhe um tiro, com arma pesada, esmigalhando o seu crânio. Isso não é legítima defesa, mas um homicídio premeditado. Pode-se até supor o mal que aquele indivíduo faria com o fuzil, mas não se pode transformar a cena estática (segurar um fuzil) em agressão atual ou iminente. Para ser atual, o fuzil precisaria disparar contra algo ou alguém. Para ser iminente, espera-se, pelo menos, que o sujeito aponte a arma na direção de alguém. Afinal, nada impede que, segurando o referido fuzil, mas vendo a chegada da polícia, esse indivíduo largue a arma e saia correndo. E, se assim for, inexiste qualquer tipo de agressão potencial.
Outro ponto da legislação penal brasileira diz respeito ao uso moderado dos meios necessários. Valer-se de um atirador profissional que, a longa distância, desfere um tiro certeiro na cabeça de alguém, matando-o instantaneamente, está distante de ser um meio necessário e igualmente moderado. Invade-se a seara do excesso que, neste caso, seria o excesso doloso, logo, o cometimento de um homicídio. Há de se ponderar tantas vezes quantas forem necessárias que o Estado-polícia deve prender o criminoso, para que seja julgado e, porventura condenado. Após, cabe-lhe cumprir pena. Um tiro fatal, dado à distância, significa extermínio.
Não se trata de defender quem anda com fuzil à mostra; ao contrário, para esse cenário há o tipo penal previsto no Estatuto do Desarmamento, aliás, delito hediondo. Deve ser preso. Se reagir, pode ser alvejado a tiros na exata proporção do que pretendia fazer com sua arma.
O Estado não desfruta do direito de vida ou morte sobre qualquer pessoa. Existem leis regendo o universo onde se encaixa a criminalidade. Não se está em terra de ninguém, para que se possa matar primeiro e prender depois. Ademais, esta última frase é somente um jogo de palavras, visto que, havendo morte, ninguém mais é preso, e sim enterrado. Há que se combater, com firmeza, qualquer espécie de matança organizada e concretizada pelo Estado-polícia, preservando-se o Estado Democrático de Direito.
Guilherme de Souza Nucci é desembargador na Seção Criminal do TJ-SP, professor da PUC-SP e livre-docente em Direito Penal, doutor e mestre em Direito Processual Penal pela mesma instituição.
Revista Consultor Jurídico, 14 de novembro de 2018, 6h23