"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

terça-feira, 1 de outubro de 2019

‘Parabéns, ministra, pela demora’, diz advogada depois de cliente morrer esperando julgamento

João Leandro Longo, Advogado
Publicado por João Leandro Longo

Fonte: Direito News
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“É com lástima que viemos aos autos juntar a cópia de atestado de óbito de Celmar Lopes Falcão, e dar-lhe os parabéns. Parabéns, Ministra, pela demora!”. Essa foi a anotação feita por uma advogada em um documento enviado ao Supremo Tribunal Federal para informar que seu cliente, um homem de 80 anos que aguardava julgamento da Corte há onze anos, morreu no último dia 16 em Pelotas, no Rio Grande do Sul.
“A sociedade está cansada de um Judiciário caríssimo e que, encastelado, desconsidera os que esperam pela ‘efetividade’ e pelo cumprimento das promessas constitucionais”, escreveu a advogada Lílian Velleda Soares na prestação de informações protocolada no Tribunal nesta quarta, 25.
No texto endereçado à ministra Rosa Weber, relatora que sucedeu a ministra Ellen Gracie no processo, quando esta se aposentou, em 2011, a advogada afirma ainda que a ministra ‘encarna’ ‘desprezo’ do Judiciário ‘pelo outro’ e diz ainda. ‘Informamos também que as pompas fúnebres foram singelas, sem as lagostas e os vinhos finos que os nossos impostos suportam’ – em referência à licitação de R$ 1,1 milhão que o STF anunciou, em abril, para refeições servidas pela Corte.
Em petições juntadas ao processo no STF, a advogada aponta que Celmar era parte em um processo na 2.ª Vara Federal de Rio Grande (RS) que em 2001, em fase de cumprimento, teria sido alvo de embargos de declaração. O objeto da ação seria o reajuste de 28,86% de seu benefício, que segundo relatado pela defensora no autos, teria sido concedido a Celmar administrativamente pelo Poder Judiciário em 1999.
A defensora indica que o trâmite do processo, no entanto, estaria suspenso por causa dos reflexos de um Recurso Extraordinário apresentado em maio de 2018 à Corte máxima pelo INSS.
Na época, o processo foi distribuído para a ministra Ellen Gracie, que se aposentou em agosto de 2011. Em dezembro do mesmo ano, a relatoria do processo foi redistribuída à Rosa, a sucessora de Ellen. Rubricado como de ‘repercussão geral’, o processo exige análise do Plenário do Tribunal.
No documento, a advogada afirma ainda que desde maio de 2012, ‘suplica’ o julgamento do Recurso Extraordinário.
“No entanto, o STF não cumpriu, até hoje, o dever de prestar jurisdição de forma célere”, ela escreve.
Em petições anteriores, a defensora requereu prioridade na tramitação do processo na Suprema Corte brasileira, fazendo ainda diferentes indicações sobre o estado de saúde de Celmar.
Um dos pedidos anota que o homem tinha Mal de Parkinson e precisaria da verba embargada para tratamento. Em tal documento, a advogada diz: “Esta é necessária antes da morte, Excelência pois para a barca de Caronte, apenas uma moeda é bastante”.
Além do informe sobre a morte de Celmar, a defensora enviou duas comunicações à Corte em 2019. Uma em março, pedindo que o recurso fosse incluído em pauta e julgamento, e a outra em agosto, informando sobre a piora do quadro de Celmar, que foi internado com diagnóstico de ‘lesão expansiva sugestiva de meningioma’.

O Recurso do INSS no Supremo

O Recurso no qual Celmar era parte interessada foi protocolado em maio de 2008 pelo INSS contra um acórdão 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Paraná. Na ocasião, os magistrados negaram o pedido feito pelo instituto de seguridade para declarar da inconstitucionalidade de ‘coisa julgada’ – uma sentença que reconheceu o direito de um segurado a ter seu benefício de pensão por morte revisado. O órgão tinha como objetivo suspender o cumprimento da sentença, ou seja, ‘pagamento das prestações vencidas calculadas e implantação da revisão do benefício’.
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Disponível em: https://joaoleandrolongo.jusbrasil.com.br/noticias/762989304/parabensministra-pela-demora-diz-advogada-depois-de-cliente-morrer-esperando-julgamento

domingo, 29 de setembro de 2019

A lei 13874/19 e as alterações na CLT.

jusbrasil.com.br 29 de Setembro de 2019 

A MP da liberdade econômica se transformou na lei 13874/19. 
Quais mudanças na legislação trabalhista ela trouxe? 


Artigo originalmente publicado em Alexandre Bastos Advocacia.

O que muda para as empresas?

 Introdução à lei 13874/19 A MP 881 também chamada de MP da liberdade econômica, foi sancionada, convertendo-se na lei 13874/19. 
  Dentre as alterações realizadas, algumas delas modificaram novamente os artigos da CLT. Em razão disso a MP ficou conhecida como a "mini reforma trabalhista".
 Apesar de causar certo impacto na dinâmica das empresas, em suma, nenhum direito foi substancialmente alterado. No entanto, é importante que as empresas estejam cientes das mudanças existentes para implantá-las em suas rotinas. 
Segue abaixo algumas delas

 CTPS. 

 As principais mudanças trazidas pela lei 13874/19, em relação a carteira de trabalho do empregado, dizem respeito primeiramente ao seu formato, que agora passa a ser preferencialmente eletrônica.
 Um dos problemas enfrentados e que geravam prejuízos ao empregador era a perda da CTPS dos empregados. 
 Apesar de não ser tão comum, caso fosse comprovado que a perda da CTPS se deu por culpa da empresa, estas eram condenadas em danos morais e materiais, como nesse caso, onde a empresa foi obrigada a compensar o funcionário pelos danos no valor de R$ 15.000,00. 
 Ademais, a CTPS eletrônica facilita a dinâmica das anotações, já que menos tempo será dispendido para efetuar os registros. Entretanto, apesar da CTPS se expedida preferencialmente no formato eletrônico, a carteira física também poderá ser emitida, porém de forma excepcional. Além disso, o número de registro do funcionário será o seu próprio CPF. 
 Na prática, a centralização cada vez maior em apenas um registro, facilita e torna mais efetiva a burocracia em volta das anotações. 
 O Ministério da Economia passa também a determinar os modelos para expedição da nova CTPS, bem como as instruções para seu uso. 
 A nova lei, também revoga alguns artigos da CLT, entre as quais, os antigos arts. 53 e 54 que aplicavam multas as empresas que retinham as carteiras de forma indevida ou não cumpriam determinações judiciais. 
 No entanto, novas penalidades devem ser introduzidas sob pena de incentivar o descumprimento às normas trabalhistas. 

 Jornada de trabalho 

 Provavelmente no âmbito da jornada de trabalho tenha ocorrido as mudanças mais controvertidas da Lei 13874/19. 
 Essas alterações influenciam principalmente os pequenos empreendimentos trazendo menos custos ao negócio. 
 A primeira mudança é a necessidade de registro de jornada apenas para as empresas que possuam mais de 20 empregados. /
 Antes esse limite era menor, sendo obrigatória a anotação nas empresas com mais de 10 empregados.  
 Outra importante mudança é a possibilidade de registro de jornada por exceção mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho. Nessa modalidade é registrado apenas situações que extrapolem a rotina comum, como horas extras, faltas e etc. Essa mudança vem trazer fim aos debates sobre a possibilidade ou não da instituição do ponto por exceção. Isto porque, desde a reforma trabalhista, a lei 13467/17, já era permitido por meio de convenção coletiva de trabalho e acordo coletivo de trabalho, a instituição de outras formas para registro de jornada. Entretanto, o posicionamento do TST sempre foi no sentido de proibir a utilização da marcação de ponto por exceção, já que o instituto não era permitido na antiga legislação. Apesar da possibilidade dessa nova modalidade, nossa orientação continua sendo para que as empresas mantenham a marcação de ponto comum, naquela em que se registra toda a jornada do empregado, pois este documento traz muito mais segurança em eventual ação trabalhista. Caso contrário, adotando o registro de ponto por exceção, a comprovação da efetiva jornada pode se tornar muito mais complicada, trazendo prejuízos a empresa. 

E-SOCIAL / 

 O sistema surgiu inicialmente como uma forma de desburocratizar as empresas, reunindo em uma única plataforma os dados de inúmeros empregados pelo Brasil. Contudo, com o passar do tempo, a sua recepção não foi positiva e atualmente poucos são aqueles que aprovam o seu uso. A lei 13874/19 trouxe novos horizontes para a plataforma do e-social, onde ocorrerá, a nível federal a substituição do sistema para outro mais simplificado para a escrituração digital de obrigações previdenciárias, trabalhistas e fiscais. 
 Esperamos ao menos, que dessa vez, o sistema cumpra com a sua proposta de tornar mais simples a rotina das empresas. 

Desconsideração da personalidade jurídica (bônus) 

  Não se trata de uma alteração específica na CLT, mas que trará impactos para as empresas sobretudo nas ações trabalhistas. Quando uma empresa não consegue arcar com as dívidas trabalhistas em um processo, é normal que a parte lesada solicite a desconsideração da personalidade jurídica, fazendo com que, de forma bem sucinta, a dívida recaia sobre o patrimônio dos sócios. Importante ressaltar que o referido instituto é de extrema importância para evitar fraudes e garantir o efetivo pagamento dos funcionários que ingressam na justiça. 
 Ocorre que, as regras para a sua aplicação dependiam basicamente do entendimento subjetivo dos tribunais para a sua aplicação. / 
 Com isso, muitas reclamações surgiram decorrentes da insegurança jurídica ocasionada pelo uso irrestrito do instituto. Consequentemente, muitos empresários se mantinham receosos quanto ao desenvolvimento de seus empreendimentos. 
 Contudo, a lei 13874/19 trouxe algumas regras objetivas para os casos em que será permitido o uso da desconsideração da personalidade jurídica das empresas. Agora, como regra geral, apenas quando houver o desvio de finalidade ou confusão patrimonial será possível se valer da DPJ, senão vejamos o que determina o novo artigo do Código Civil: “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. 
 § 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. 
 § 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: 
  I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;  
 II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e / 
 III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. 
 Com isso, provavelmente haverá algumas mudanças na forma como as demandas trabalhistas vão se desenvolver. 

Conclusão 

 Novamente a legislação trabalhista sofreu alterações que modificam a rotina não só das empresas, mas também daqueles que atuam nos tribunais na defesa destas e dos trabalhadores. Entretanto, apesar de trazer mudanças, não acredito que seja uma "mini reforma trabalhista" como tem sido apontado pela mídia, mas um pacote de modificações que visam desburocratizar o tão engessado cenário do direito do trabalho. 
 Independente das mudanças, novamente as empresas vão precisar lidar com a lei sancionada para se adequarem a realidade. Tal tarefa, no entanto, pode ser complicada para os empresários que buscam se adequar às normas sem o conhecimento necessário, pois a aplicação equivocada poderá incorrer em erros que possam trazer prejuízos futuros.
 Assim, contar com uma equipe multidisciplinar para auxiliar nesse novo contexto normativo é fundamental para a continuidade saudável do empreendimento. 

Não esqueça de compartilhar e até a próxima! 

Artigo originalmente publicado em Alexandre Bastos Advocacia.

Acessado e disponível na Internet em 29/09/2019 no endereço eletrônico -

A VENDA DE ASCENDENTE PARA DESCENDENTE E A NECESSIDADE DE CORREÇÃO DO ART. 496 DO CÓDIGO CIVIL

jusbrasil.com.br 29 de Setembro de 2019

A venda de ascendente para descendente e a necessidade de correção do art. 496 do Código Civil Coluna do Migalhas de setembro de 2019. 


Flávio Tartuce [1] [2]

O art. 496 do Código Civil trata da venda de ascendente para descendente, regra que, apesar de estar inserida na seção relativa aos contratos na vigente codificação, interessa diretamente ao Direito de Família e das Sucessões. Conforme a sua dicção atual, “é anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido”. Além disso, na exata expressão do seu parágrafo único, “em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória”. A norma encerrou polêmica anterior – que existia no âmbito da doutrina e da jurisprudência – a respeito de ser a venda de ascendente a descendente, celebrada sem a citada autorização, nula ou anulável. Como bem demonstram Jones Figueirêdo Alves e Mário Luiz Delgado, juristas que participaram do processo final de elaboração do vigente Código Civil, “no que se refere ao contrato de compra e venda feita por ascendente a descendente, torna-se ele suscetível de anulabilidade, não mais se podendo falar de nulidade. Esta, a significativa inovação. O / dispositivo espanca a vacilação então dominante na doutrina, diante do preceituado pelo art. 1.132 do CC/1916, tornando defeso que os ascendentes pudessem vender aos descendentes, sem que os outros descendentes expressamente consentissem. A referência expressa à anulabilidade contida na nova norma encerra, por definitivo, dissenso jurisprudencial acerca das exatas repercussões à validade do negócio jurídico, quando superada por decisões recentes do STJ, a Súmula 494 do STF” (Código Civil anotado. São Paulo: Método, 2005. p. 255). Desse modo, para vender um imóvel para um filho, o pai necessita de autorização dos demais filhos e de sua esposa, sob pena de nulidade relativa da venda, a menos grave das invalidades. O objetivo da norma, entre outros fundamentos, é a proteção da legítima dos herdeiros necessários, como bem salienta Marco Aurélio Bezerra de Melo, em obra da qual sou um dos coautores: “O artigo em comento tem por objetivo resguardar a legítima dos herdeiros necessários, pois com a necessidade de anuência destes há uma fiscalização prévia que poderá evitar demandas futuras que se verificariam após a morte do doador. Para entender o fundamento da anulabilidade necessitamos mergulhar, ainda que na parte rasa desse oceano, nos meandros do Direito das Sucessões, notadamente nos artigos 1.845 e 1.846 do Código Civil, os quais estabelecem, respectivamente, que são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge e que pertencem a estes, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima, da qual somente podem ser privados pelo instituto da deserdação. Pudesse o ascendente vender ao descendente sem o consentimento dos demais e estaria franqueada e facilitada a possibilidade de simulação de uma doação travestida documentalmente de compra e venda, contemplando determinado herdeiro necessário em detrimento de outro. Isso porque se efetivamente se tratasse de uma doação, esta, em regra, seria considerada adiantamento de legítima (art. 544 do CC) e o herdeiro contemplado estaria obrigado a trazer à colação o que recebeu em vida de seu ascendente para o fim de igualar as legítimas e conferir o valor das doações recebidas, sob pena de responder pelas sanções da sonegação, conforme prescreve o artigo 2.002 do Código Civil. Daí o / interesse do ascendente que pretende fugir da regra da preservação da legítima dos herdeiros necessários de adotar o modelo da compra e venda e não da doação como era de seu real intento” (MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 295). Pelo que está escrito no parágrafo único do dispositivo, dispensa-se a autorização do cônjuge se o regime for o da separação obrigatória de bens, aquele que é imposto pela lei, nos termos do art. 1.641 da codificação e em três hipóteses: a) para as pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento (art. 1.523 do CC); b) casamento da pessoa maior de setenta anos, hipótese que encontra os principais debates no âmbito prático e c) de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial. Como tenho sustentado há tempos, a norma necessita de reparos técnicos, o que é objeto de projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados, de número 4.639/2019, de autoria do Deputado Carlos Bezerra. A proposição visa retirar a expressão “em ambos os casos”, que consta do parágrafo único do art. 496 do Código Civil e que ali permaneceu por erro de tramitação legislativa. Como consta da projeção, “o artigo 496 do novo Código Civil, cujo caput corresponde basicamente ao artigo 1.132 do Código Civil anterior, proíbe a venda de bens de ascendente a descendente, salvo nas condições que especifica. Durante a tramitação do projeto, houve momento em que se proibiu, também, a venda de descendente a ascendente. Nesse período, surgiu o parágrafo único do artigo, que especifica uma exceção à proibição. No curso regular da tramitação legislativa, a proibição da segunda hipótese de venda, de descendente para ascendente, foi derrubada. No entanto, não se atualizou a redação do parágrafo único, o que procuramos fazer agora”. A projeção confirma o teor do Enunciado n. 177, aprovado na III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, que assim preceitua: “por erro de tramitação, que retirou a segunda hipótese de anulação de venda entre parentes (venda de descendente para ascendente), deve ser desconsiderada a expressão ‘em ambos os casos’, / no parágrafo único do art. 496”. O autor da proposta, Professor José Osório de Azevedo Jr., jurista que sempre merece todas as homenagens, pelas suas numerosas contribuições ao Direito Civil Brasileiro, assim fundamentou a sua proposta de enunciado doutrinário: “Na realidade, não existem ambos os casos. O caso é um só: a venda de ascendente para descendente. Houve equívoco no processo legislativo. O artigo correspondente do Anteprojeto do Código Civil, publicado no DOU de 07.08.1972, (art. 490) não previa qualquer parágrafo. A redação era a seguinte: Art. 490 – Os ascendentes não podem vender aos descendentes, sem que os outros descendentes expressamente consintam. A venda não será, porém, anulável, se o adquirente provar que o preço pago não era inferior ao valor da coisa. No Projeto 634/1975, DOU 13.06.1975, houve alteração: Art. 494. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes expressamente houverem consentido. Em Plenário, foram apresentadas pelo Dep. Henrique Eduardo Alves as Emendas 390, 391 e 392 ao art. 494. A primeira delas para tornar nula a venda e para exigir a anuência do cônjuge do vendedor: Art. 494. É nula a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do vendedor expressamente houverem consentido. A segunda, para acrescentar um parágrafo considerando nula também a venda de descendente para ascendente: Art. 494. § 1.º É nula a venda de descendente para ascendente, salvo se o outro ascendente do mesmo grau, e o cônjuge do vendedor expressamente houverem consentido. A terceira emenda acrescentava mais um parágrafo (2.º), com a redação do atual parágrafo único, com a finalidade de dispensar o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória: Art. 494. § 2.º Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória. Pelo que se vê do texto do Código, a primeira emenda (390) foi aprovada em parte, só para exigir a anuência do cônjuge. A segunda emenda (391) foi inteiramente rejeitada. E a terceira (392) foi acolhida e transformada no atual parágrafo único. Esqueceu-se de que a segunda emenda, que previa uma segunda hipótese de nulidade – a venda de descendente para ascendente –, foi rejeitada. Assim, no / contexto das emendas, fazia sentido lógico a presença da expressão em ambos os casos, isto é, nos dois casos de nulidade, venda de ascendente para descendente e venda de descendente para ascendente. Agora não faz sentido, porque, como foi dito no início, a hipótese legal é uma só: ‘a venda de ascendente para descendente’. Houve erro material, s.m.j., e a expressão em ambos os casos deve ser tida como não escrita, dispensáveis maiores esforços do intérprete para achar um significado impossível. A regra de que a lei não contém expressões inúteis não é absoluta. Cumpre, portanto, desconsiderar a expressão em ambos os casos” (destaque nosso). Assim, é louvável a projeção legislativa, a fim de corrigir esse equívoco histórico. Porém, há necessidade de se fazer outro reparo no parágrafo único do art. 496 do Código Civil, o que foi sugerido por emenda propositiva do Deputado Luiz Flávio Gomes, após me consultar. O comando não deveria mencionar como exceção o regime da separação obrigatória, mas a separação convencional de bens, que tem origem em pacto antenupcial. Isso porque, no regime da separação obrigatória de bens, alguns bens se comunicam, por força da antiga Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, que ainda vem sendo aplicada pelos nossos Tribunais, notadamente pelo Superior Tribunal de Justiça. Conforme essa ementa jurisprudencial consolidada, “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. E, conforme um dos últimos arestos do STJ a respeito dessa temática, determinante na interpretação da sumular: “nos moldes do art. 1.641, II, do Código Civil de 2002, ao casamento contraído sob causa suspensiva, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens. No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição. Releitura da antiga Súmula 377/STF (No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento), editada com o intuito de interpretar o art. 259 do CC/1916, ainda na época em que cabia à Suprema Corte decidir em última instância acerca da interpretação da legislação federal, mister que hoje / cabe ao Superior Tribunal de Justiça” (STJ, EREsp 1.623.858/MG, Segunda Seção, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5ª Região), j. 23/05/2018, DJe 30/05/2018). Ora, percebe-se que, pela sumular e na sua atual interpretação, alguns bens se comunicam no regime da separação legal ou obrigatória de bens – aqueles havidos durante o casamento pelo esforço comum –, sendo imperiosa a autorização do cônjuge para a venda de ascendente para descendente nesse regime, pois ele pode ter algum interesse patrimonial na alienação. Por isso, repise-se, a norma deveria excepcionar o regime da separação convencional de bens – aquele que decorre de pacto antenupcial –, único regime de separação em que nenhum bem se comunica, presente uma verdadeira separação absoluta, e em que a autorização do cônjuge deve ser dispensada. Nesse sentido, cabe transcrever o que pontuo a respeito do dispositivo que se pretende corrigir, confrontando-o com outra regra da própria codificação, o art. 1.647: “Interessante confrontar o parágrafo único do art. 496 CC que excepciona o regime da separação obrigatória (de origem legal), com o art. 1.647, I, também do CC, que trata da necessidade de outorga conjugal para a venda de imóvel a terceiro, sob pena de anulabilidade (art. 1.649). Isso porque o art. 1.647 dispensa a dita autorização se o regime entre os cônjuges for o da separação absoluta. Mas o que seria separação absoluta? Entendemos que a separação absoluta é apenas a separação convencional, pois continua sendo aplicável a Súmula 377 do STF. Por essa súmula, no regime da separação legal ou obrigatória comunicam-se os bens havidos pelos cônjuges durante o casamento pelo esforço comum, afirmação que restou pacificada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça em 2018 (EREsp 1.623.858/MG, 2.ª Seção, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5.ª Região), j. 23.05.2018, DJe 30.05.2018). / 
Em síntese, o regime da separação legal ou obrigatória não constitui um regime de separação absoluta, uma vez que alguns bens se comunicam. Em outras palavras, a outorga conjugal é dispensada apenas se o regime de separação de bens for estipulado de forma convencional, por pacto antenupcial. Na doutrina, essa também é a conclusão de Nelson Nery Jr., Rosa Maria de Andrade Nery, Rolf Madaleno, Zeno Veloso, Rodrigo Toscano de Brito, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona, entre outros” (TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Volume 3. Teoria geral dos contratos e contratos em espécie. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 317). Não restam dúvidas de que é necessário adaptar o art. 496, parágrafo único, ao art. 1.647 do Código Civil, mencionando-se na primeira regra também o que se considera separação absoluta de bens. E, para que não pairem mais dúvidas do que seja a citada “separação absoluta”, a necessidade de autorização do cônjuge na venda de ascendente para descendente deve ser afastada somente se o regime de casamento entre os cônjuges for o da separação convencional. Espera-se, por tudo isso, que o projeto de lei tenha êxito no Congresso Nacional, fazendo-se esses dois reparos no artigo ora analisado. 
Como palavras finais, uma outra questão poderia ser levantada, a respeito da inclusão do companheiro no art. 496 do Código Civil. Porém, essa inclusão passaria por uma reforma mais ampla de todo o Código Civil, o que será objeto de outro artigo, a ser publicado neste mesmo canal. 



[1] Coluna do Migalhas de setembro de 2019 

[2] Doutor e Pós-Doutorando em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC-SP. Professor Titular permanente do programa de mestrado e doutorado da FADISP. Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu da EPD. / Professor do G7 Jurídico. Diretor do IBDFAM – Nacional e vicepresidente do IBDFAM/SP. Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.