"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Delegados na contramão do espetáculo são garantia da liberdade. #PoliciaCivilizada= Respeito à Vida, Lei e Cidadão.


ACADEMIA DE POLÍCIA

Delegados na contramão do espetáculo 
são garantia da liberdade


A investigação criminal assume lugar de absoluto destaque na “sociedade do espetáculo”[1]. Não só pela sua proximidade com os acontecimentos supostamente delitivos, mas por viabilizar julgamentos antecipados principalmente em casos penais de repercussão (midiática). O sigilo dá lugar à publicização, e o caráter indiciário é substituído por um viés conclusivo e definitivo. Não se trata mais de um filtro prévio à acusação racional, mas de espaço definidor de imputações e responsabilidades criminais numa espécie de roteiro disponível ao grande público.

Nesse contexto, muito pouco ou quase nada sobra ao processo penal, a não ser o rótulo principiológico formal de um “procedimento em contraditório” (Fazzalari) teoricamente indispensável ao exercício do poder punitivo. Logo, nessas situações, cada vez mais frequentes na Justiça Penal brasileira, não seria exagero afirmar que a investigação decide, e o processo apenas convalida. A sentença torna-se conhecida de todos desde muito antes da partida oficial. O placar com o resultado final é anunciado previamente. Só não vê quem não quer ou não pode.
Trata-se de um modelo de persecução penal com forte apoio popular, já que funciona como dispositivo de entretenimento de massa e satisfação do gozo coletivo por punição. Transforma-se, no fundo, em mercadoria para consumo da plateia. Segundo Rubens Casara, ao tratar do “processo penal do espetáculo”, o fascínio despertado pelo crime, em um jogo de repulsa e identificação, bem como a fé nas penas, apresentadas como remédio para os mais variados problemas sociais, somados a certo sadismo, fazem do sistema criminal um objeto privilegiado de entretenimento[2].
Assim, o lugar do investigador, sempre um espaço de poder, torna-se ainda mais delicado; ou, para alguns, extremamente sedutor. Os jogadores que se amoldam às novas regras são erigidos à categoria de heróis nacionais. Já os dissidentes são rotulados como partidários da criminalidade e simpáticos à desordem social.
Não é à toa que as autoridades públicas que se colocam no contrafluxo histórico do poder punitivo são constantemente estigmatizadas e até mesmo criminalizadas. Sublinhe-se que tal afirmação não é mero exercício retórico ou figura de linguagem. Os casos são absolutamente reais! Citem-se os inúmeros delegados de polícia que foram (e ainda são) ameaçados de responsabilização civil, administrativa e criminal pela não lavratura de auto de prisão em flagrante nas hipóteses de bagatela. Aqui apenas um exemplo. Ao não prenderem por insignificâncias, tornam-se os grandes responsáveis pela “insegurança coletiva”, o que normalmente é visto como dado problemático à imagem das instituições públicas que representam perante a sociedade. No fundo, diante de todas as cobranças internas e externas, públicas ou veladas, essas “autoridades dissidentes” arriscam-se, oferecem a “cabeça a prêmio” simplesmente por se recusarem a atuar no palco do Estado Penal.   
De fato, o pânico social, forjado a partir da cultura do medo, sempre útil aos interesses do mercado, tem servido para a coação de todo aquele que pretenda estabelecer barreiras às irracionalidades do sistema penal. Bizzotto denuncia o modo de atuação da mão invisível do medo como instrumento fomentador do punitivismo e provocador de estragos profundos na constituição efetiva de um pensamento criminal libertário. Aponta como o fundamentalismo punitivo, além de atingir os perseguidos pelo sistema criminal, também alcança aqueles que tentam se colocar como diques às violações de direitos fundamentais[3].
É muito mais cômodo atuar ao sabor das maiorias de ocasião, formatadas pela lógica mercadológica do crime e da punição, sempre à espreita de “bodes expiatórios”[4] para toda a nossa culpa. Diante da opinião publicada que insiste no encarceramento como lenitivo de uma sociedade violenta, o sujeito que busca efetivar garantias fundamentais é alguém que impossibilita a realização da vontade de punir e, ao postar-se no lugar de limite/obstáculo, acaba sendo tratado como desertor, lembra Morais da Rosa[5].
Deveras, a nova ordem traz consigo a sua própria Idade Média: tempo de segurança, e não de direitos humanos[6]. O que significa, na prática, uma “existência ordeira/segura para alguns e, para outros, toda a espantosa e ameaçadora força da lei”[7]. O discurso oficial por segurança e ordem apenas serve ao incremento real das práticas de poder, especialmente da seletiva violência penal. “Segurança” que não passa de conceito simbólico, fim em si mesmo, manejado como justificativa para o sacrifício de reais direitos de liberdade[8].
Em verdade, poucos operadores resolvem agir para além da representação (social) e do abuso (individual). Talvez isso explique a contradição de um sistema penal que, embora formalmente calcado na garantia constitucional do estado de inocência (artigo 5, LVII, da CF), trata a prisão como regra e a liberdade como exceção. Frise-se, mais uma vez, que não se trata de mero “jogo de palavras” ou recurso literário. De fato, estamos diante de um modelo criminal autoritário em que é mais fácil prender do que soltar. Osdados sobre a (des)cautelaridade das prisões provisórias não nos deixam mentir.
Ocorre que os tempos de autoritarismo não são de resignação nem de pessimismo, mas sim de prova para o Direito Penal[9] e seus atores. Há sempre um preço a ser pago por aqueles que não se curvam ao zeitgeist, ao espírito da época. Contudo, a memória democrática glorifica muitos que bravamente resistem às práticas de exceção. A história parece se encarregar do oportunismo de ocasião. Nesse sentido, juntamente com Zaffaroni, poderíamos afirmar que “não conhecemos nenhuma universidade, departamento ou instituto que leve o nome de Torquemada”[10]
O que se deve buscar, portanto, em contraposição a essa nova ordem, especialmente no contexto latino americano, é a criação de uma sensibilidade política e moral para direitos humanos, isto é, uma cultura efetiva de direitos humanos[11].
Com efeito, o delegado de polícia que atua na contramão do espetáculo desponta como essencial à preservação das garantias individuais. A tão almejada carreira jurídica supera os interesses econômicos, individuais ou classistas, e coloca-se a serviço de uma prática libertária. Os seus princípios fundantes passam a ser: redução da dor e promoção da liberdade.
Utopia? Que sirva, nas palavras do cineasta argentino Fernando Birri (citado por Galeano), justamente para que não se deixe de caminhar[12].

[1] Debord afirma, em sua tese de abertura da obra A Sociedade do Espetáculo, que “toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação” (DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997, p. 13).
[2] CASARA, Rubens R. R.. Processo Penal do Espetáculo. Florianópolis: Empório do Direito, 2015. Disponível, também, em: <http://justificando.com/2015/02/14/processo-penal-espetaculo/>. Acesso em 16 Set. 2015.
[3] BIZZOTTO, Alexandre.  A Mão Invisível do Medo e o Pensamento Criminal Libertário: as dificuldades do fortalecimento da crítica criminal libertária em face da exploração econômica do medo e seus vetores punitivistas. 2015. 213 f. Tese (Doutorado em Ciência Jurídica) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, Itajaí, 2015, p. 182; BIZZOTTO, Alexandre. A Mão Invisível do Medo e o Pensamento Criminal Libertário. Florianópolis: Empório do Direito, 2015.
[4] GIRARD, René. O bode expiatório. Trad. Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2004.
[5] MORAIS DA ROSA, Alexandre. O Juiz que decide com medo da imprensa é um.... Disponível em: < http://emporiododireito.com.br/tag/a-mao-invisivel-do-medo/>. Acesso em: 20 Set. 2015.
[6] GALLARDO, Helio. Teoria Crítica: Matriz e Possibilidades de Direitos Humanos. Trad. Patrícia Fernandes. 1 ed. São Paulo: Editora Unesp, 2014, p. 106.
[7] BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 1999, p. 111.
[8] ALBRECHT, Peter-Alexis. Criminologia: uma fundamentação para o Direito Penal. 01 ed. Tradução de Juarez Cirino dos Santos e Helena Schiessl Cardoso. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 4.
[9] ZAFFARONI, Eugenio Raul. O Inimigo no Direito Penal. Tradução de Sérgio Lamarão. 3 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 176.
[10] ZAFFARONI, Eugenio Raul. O Inimigo no Direito Penal..., p. 177.
[11] GALLARDO, Helio. Teoria Crítica..., p. 108.
[12] “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar. Fernando Birri (citado por Eduardo Galeano).
 é delegado de polícia civil em Santa Catarina, mestrando em Direito pela UFPR, especialista em Direito Penal e Criminologia, além de professor de Direito Processual Penal em cursos de graduação e pós-graduação.
Revista Consultor Jurídico, 22 de setembro de 2015, 8h10

#PoliciaCivilizada= Respeito à Vida, Lei e Cidadão. Pense nisso.

21/09/2015 08h48 - Atualizado em 21/09/2015 21h25

Em 2015, 571 pessoas foram mortas em operações policiais em São Paulo

Números da Ouvidoria da PM foram contestados pela SSP.
Após chacinas, comando da Rota foi trocado pelo Governo Alckmin.

Do G1 São Paulo




De janeiro a agosto de 2015, 571 pessoas foram mortas por policiais militares durante operações no estado de São Paulo, segundo levantamento da Ouvidoria das polícias paulistas. Em todo o ano de 2014 foram 838 vítimas. Já em 2013, 562.

A Ouvidoria diz que os "assassinatos praticados por policiais se tornaram um hábito".
A Secretaria da Segurança Pública contestou, na noite desta segunda-feira (22), os números apresentados pela Ouvidoria. A pasta afirma que "de janeiro a julho deste ano, houve 442 mortes decorrentes de intervenção policial e 49 homicídios por policiais em serviço e em folga".
O governo Geraldo Alckmin mudou o comando das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), grupo de elite da Polícia Militar, em meio a ocorrências envolvendo policiais, como a suspeita de execução de dois homens no Butantã, na Zona Oeste de São Paulo.
O tenente-coronel Alexandre Gaspar Gasparin deixou o comando sete meses após assumir o cargo, em fevereiro. Segundo o Bom Dia Brasil, a Secretaria da Segurança Pública não atribui a troca de comando aos casos de policiais envolvidos em crimes.
O governador Geraldo Alckmin afirmou na manhã desta segunda-feira (21) que é normal que "haja mudanças no comando."
"A rota é uma tropa de elite da polícia de SP, extremamente qualificada e importante no combate ao crime. As mudanças de comando são feitas pelo Secretario da Segurança Publica, nós não fazemos ingerência na escolha de comandantes. É de confiança do Secretário de Segurança e do comando da Polícia Militar e essas mudanças são normais, de acordo com a estratégia da polícia", afirmou Alckmin.
O comandante geral da Polícia Militar, Ricardo Gambaroni, fez um apelo em vídeo às tropas e disse que "as mortes de suspeitos só são toleradas em casos de legítima defesa" e que "antes de agir, cada policial militar deve refletir nas consequência de seus atos. Ocorrências forjadas estão levando nossos policiais para a cadeia. Para a Polícia Militar, os danos à imagem podem ser irrecuperáveis".
No dia 13 de agosto de 2015, 18 pessoas foram mortas e sete ficaram feridas em ataques realizados por indivíduos armados em 10 lugares próximos, em um espaço de tempo de ao menos três horas, nas cidades de Barueri e Osasco, vizinhas de Carapicuíba, na Grande São Paulo. Uma adolescente de 15 anos, que havia sido baleado nos ataques, morreu dia 27 de agosto e se tornou a 19ª vítima da chacina.
A principal hipótese apontada pela Secretaria da Segurança Pública é a de que policiais militares e guardas civis metropolitanos tenham cometido os crimes como vingança pela morte de um PM e de um guarda.


Caso Butantã
secretário da Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, afirmou nesta terça-feira (15) que os 11 policiais militares presos por suspeita de executarem dois homens detidos no Butantã no dia 7 de setembro serão processados e expulsos da PM. Na semana anterior, vídeos mostraram os policiais na ação em que os dois presos morreram – um deles foi jogado do telhado de uma casa e depois levou tiros, o outro levou dois tiros quando já estava dominado.

“Onze policiais em relação ao Butantã estão presos. Eles vão ser processados criminalmente e serão expulsos da Polícia Militar. Agora, esse caso não tem nenhuma relação com grupo de extermínio”, disse.
O soldado investigado por jogar um suspeito do telhado durante ocorrência no Butantã, Zona Oeste de São Paulo, disse em depoimento que empurrou o homem porque não tinha como descer com ele, como mostrou o SPTV. A ação foi no feriado de 7 de Setembro.
Ele e outros cinco PMs envolvidos na morte estão presos no Presídio Militar Romão Gomes, na Zona Norte, desde a noite da última segunda (14). Outros cinco policiais militares já haviam sido levados ao presídio por envolvimento na morte do comparsa de Fernando da Silva, baleado na rua na mesma ocorrência. Por ora, 11 policiais vão responder pelas duas mortes, entre eles uma mulher.
Nota da SSP

"A Secretaria da Segurança Pública esclarece que os dados divulgados pela Ouvidoria estão errados. De janeiro a julho deste ano, houve 442 mortes decorrentes de intervenção policial e 49 homicídios por policiais em serviço e em folga. Os dados de agosto serão divulgados até o final do mês, no Diário Oficial do Estado.

Cabe salientar que a SSP está desenvolvendo ações para reduzir a letalidade policial, como a publicação a edição da Resolução SSP 40/15 em abril deste ano, que reduziu em 15% a letalidade policial militar nos últimos quatro meses em relação ao mesmo período do ano passado. A medida garante maior eficácia nas investigações de mortes, pois determina o inédito comparecimento das Corregedorias e dos Comandantes da região, além de equipe específica do IML e IC, para melhor preservação do local dos fatos e eficiência inicial das investigações. A resolução, que prevê também imediata comunicação ao Ministério Público, foi elogiada no relatório final da CPI sobre homicídios de jovens negros e pobres da Câmara dos Deputados, em julho, que defendeu a adoção da medida em todo o Brasil, como texto legal no CPP (Código de Processo Penal)."

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