"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

sábado, 29 de julho de 2017

Juros ilegais cobrados nas dívidas fiscais

JUSTIÇA TRIBUTÁRIA


Só uma luz nesta sombra, nesta treva, brilha intensa no seio dos autos. É a voz da defesa, a palavra candente do advogado, a sua lógica, a sua dedicação, o seu cabedal de estudo, de análise e de dialética! Bendita seja a defesa! (Min. Ribeiro da Costa, Presidente do STF, DJU/12/12/63, página 4.365).
A Lei 16.497/2017, sancionada pelo governador de São Paulo, alterou o cálculo de multas e juros sobre os débitos fiscais. Os limites máximos das penalidades foram reduzidos em alguns casos e os juros fixados pela taxa “Selic”.
Essas supostas bondades serviriam para reduzir os questionamentos judiciais de lançamentos onde estejam presentes multas com efeitos confiscatórios e juros extorsivos. Tais ajustes estimulariam a liquidação ou parcelamento de débitos. Para isso o Governador encaminhou à Assembléia em fevereiro o projeto de lei nº 57, em regime de urgência.
O parcelamento foi regulamentado. Os interessados possuem, incluída a última quinta-feira, cerca de 20 dias para resolver se parcelam ou não. Ao que tudo indica o Governador terá que adequar esse calendário à realidade dos contribuintes, sob pena não conseguir atingir as metas de sua equipe.
Afirmamos em nossa coluna de 8 de maio último que "parcelamentos podem ser armadilhas se incluirmos neles o que não devemos". Ainda que venhamos a confessar débito tributário que inclua valores indevidos, isso pode ser revisto judicialmente, como nos assegura a Constituição. O tributo prescrito não existe, posto que extinto pelo tempo. Caso o agente fazendário venha a exigi-lo, pratica o crime de excesso de exação. Jamais vi alguém ser por isso processado. Mas disse a ex-virgem: “Tudo tem a primeira vez!”
Vimos que o uso da taxa Selic no cálculo do débito de ICMS, agora adotado pela lei paulista, é anunciado como redução. Mas a ordem jurídica vigente fixa juros de 1% ao mês, não capitalizados.
Toda a legislação tributária brasileira obedece a norma complementar fundamental, que é o Código Tributário Nacional. Diz o artigo 161 do CTN:
Artigo 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária.
§ 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.
§ 2º O disposto neste artigo não se aplica na pendência de consulta formulada pelo devedor dentro do prazo legal para pagamento do crédito.
Quando o CTN admite que possa dispor a lei “de modo diverso”, isso não implica em adoção de juros que não representem, efetivamente, remuneração de capital. E a “taxa Selic”, representa uma composição de diversos índices, que incluem fatores alheios à citada remuneração.
O artigo 150, I, da CF limita o poder de tributar ao princípio da legalidade absoluta. Veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. Por força destes dispositivos constitucionais a lei tributária, assim como todo conjunto normativo, deve observar a hierarquia das leis. Não existe lei acima da Constituição.
A interpretação do parágrafo 1º, do artigo 161, do CTN à luz do artigo 146 da CF é de que juro diverso daquele de um por cento ao mês, só pode ser instituído por Lei Complementar, por tratar de Crédito Tributário. O parágrafo 5º do artigo 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias diz: "vigente o novo sistema tributário nacional, fica assegurada a aplicação da legislação anterior, no que não seja incompatível com ele...."
O uso da taxa Selic na tributação é ilegal. O Sistema Especial de Liquidação e Custódia é um mecanismo eletrônico centralizado de controle diário da custódia, liquidação e operação de títulos da dívida pública por computador.
Nos termos da Circular BACEN 2.727/96, o Selic "destina-se ao registro de títulos e depósitos interfinanceiros por meio de equipamento eletrônico de teleprocessamento, em contas gráficas abertas em nome de seus participantes, bem como ao processamento, utilizando-se o mesmo mecanismo de operações de movimentação, resgates, ofertas públicas e respectivas liquidações financeiras".
Outrossim, conforme a Resolução 1.124 do Conselho Monetário Nacional - CMN, a taxa Selic corresponde à média ajustada dos financiamentos apurados naquele sistema, calculado sobre o valor nominal pago no resgate dos títulos. O objetivo da Selic é remunerar o capital investido na compra de títulos da dívida pública federal, mais especificamente das Letras do Banco Central do Brasil. Financia a especulação financeira.
Por outro lado, a taxa Selic não foi instituída por Lei, nem tampouco o foi a sua metodologia de cálculo. Tudo isso se fez pela Circulares BACEN 2.868 de 04/03/1999 e 2.900, de 24/06/1999, dessa forma:
"Define-se a taxa Selic como a taxa média ajustada dos financiamentos diários apurados no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC) para títulos federais".
O STJ no Resp 215.811/PR (Rel. Min. Franciulli Neto) decidiu: "Mesmo sem definição legal da Taxa SELIC, os legisladores inseriram-na em diversos diplomas legais como taxa de juros, não mencionando explicitamente em todos os casos que espécie de juros seriam esses.
Abra-se um parênteses para se advertir, desde logo, que impende ressaltar que o busílis da questão não está propriamente na ausência de definição legal da taxa Selic, mas, isso sim, na falta de criação por lei da taxa Selic para fins tributários, consoante matéria a ser desenvolvida em seguida.
Despiciendo lembrar que não cabe à lei, de regra, definir ou conceituar institutos jurídicos, axioma que se aplica, é claro, para os institutos jurídicos consagrados, cuja definição e explicitação é mister atribuído aos juristas e doutrinadores. A taxa Selic, é curial, está longe, muito longe, de ser um instituto jurídico a dispensar melhor dilucidação."
"Nessa linha de raciocínio, houve indisfarçável intenção de remunerar o investidor em termos competitivos, quer dizer, estimulantes, levando em conta outras possíveis opções existentes no mercado.Se assim é, como assim parece ser, a primeira indagação que se faz é a seguinte: É legal e constitucional equiparar o contribuinte ao aplicador ou o investidor? A resposta só pode ser negativa, uma vez que se não pode olvidar que o Direito Tributário tem toda a sua organicidade estruturada na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional, que, como é sabido, está equiparado à lei complementar."
O STJ pela Súmula 176 afastou por diversas vezes a aplicação de taxa de juros, ainda que prevista em contrato, se sua fixação fica a critério exclusivo de uma das partes. Diz essa Súmula: "É nula a cláusula contratual que sujeita o devedor à taxa de juros divulgada pela ANBID/CETIP".
O Estado não pode exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. Se a fixação de juros fica relegada ao arbítrio do Estado, não é observado o princípio da legalidade.A fixação de juros para débitos tributários em atraso só pode ser feita através de Lei. O argumento de que a aplicação dos juros Selic foi feita por lei não corresponde à verdade, posto que essa taxa não teve os seus contornos definidos em Lei; o que de fato há, são leis que a ela se referem. A ilegalidade na instituição da taxa Selic a título de juros moratórios é material, por ser apenas remuneração de capital investido.Quando o contribuinte não recolhe tributos é obrigação do Fisco efetuar o lançamento e não agir como agente financeiro e cobrar juros.
Não é só na cobrança de juros que o governo erra. No caso das multas é bem pior. As pequenas reduções agora feitas viabilizam exageros e efeitos confiscatórios. Veja-se a respeito, nossa coluna de 13 de fevereiro de 2017 com o título “As dificuldades nas defesas tributárias e os abusos das multas nos autos de infração.”
O contribuinte que assine parcelamento injusto tem o direito de exigir sua retificação judicial, para que prevaleçam os limites da lei e sejam observadas as decisões das instancias superiores.
* Texto atualizado às 10h20 do dia 24/7/2017.
 é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

Revista Consultor Jurídico, 24 de julho de 2017, 8h00

TRE-SP e PGE assinam parceria para permitir que presos provisórios votem

DIREITO CONSTITUCIONAL


A fim de permitir que presos provisórios e adolescentes internados possam votar nas próximas eleições, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo e a Procuradoria-Geral de Justiça do estado assinaram um acordo de cooperação. Na prática, serão criadas zonas eleitorais especiais para atender esses eleitores. 
A base para a atuação dos órgãos foi o artigo 15, inciso III, da Constituição Federal, que diz que a perda ou suspensão de direitos políticos só se dá, entre outras hipóteses, no caso de “condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos”. Portanto, os presos provisórios, contra os quais ainda não há condenação definitiva, têm direito ao voto.
O Tribunal Superior Eleitoral já expediu a Resolução 23.219, que dispõe sobre a instalação de seções eleitorais especiais em estabelecimentos penais e de internação de adolescentes para viabilizar o voto de presos provisórios e de jovens em medida socioeducativa de internação. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRE-SP. 
Revista Consultor Jurídico, 26 de julho de 2017, 8h20

Falta de atendimento a trabalhador que enfartou gera indenização

DEVER DESCUMPRIDO


Como a empregadora não prestou atendimento a trabalhador que sofreu infarto após desentendimento estressante, cabe a ela indenizar pelos danos sofridos. A decisão é do juiz Rossifran Trindade Souza, da 18ª Vara do Trabalho de Brasília, que considerou que uma empresa pública federal não cumpriu seu dever de zelar pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador. O valor dos danos morais ficou em R$ 50 mil.
Segundo o advogado do autor, em julho de 2011, trabalhando após o horário normal de expediente, seu cliente, que é engenheiro, sofreu infarto no local de trabalho, com parada respiratória grave, e desde então está em estado vegetativo em decorrência de dano generalizado no cérebro por falta de oxigênio.
Afirmou que, em razão da ausência de brigadistas no edifício sede da empresa, o trabalhador foi socorrido de forma precária por um colega. Disse ainda que não havia atendimento médico no momento nem desfibrilador à disposição e que o Samu e os bombeiros só chegaram após 30 minutos do ocorrido. Diante desses fatos, pediu o ressarcimento pelos danos material e moral sofridos.
Em defesa, a empresa alegou que não há comprovação de que a atividade do autor da reclamação tenha sido determinante para o acidente e que o infarto poderia ter ocorrido na residência do trabalhador ou mesmo no final de semana, já que seu risco decorre de fatores multifacetados, como características físicas, genéticas e relacionadas ao cotidiano do empregado.
Desentendimento 
O preposto da empresa, mesma pessoa que prestou os primeiros socorros, confirmou que no dia do infarto o trabalhador teve um desentendimento com o representante de uma empresa que participava de concorrência para aquisição de motocicletas, salientou o magistrado em sua sentença. O depoente confirmou, ainda, a demora na chegada do Corpo de Bombeiros e dos profissionais do Samu.

De acordo com o magistrado, o artigo 19 da Lei 8.213/1991 define o acidente do trabalho como aquele que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. Já o artigo 20 do mesmo diploma legal estabelece que se considera acidente do trabalho a doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente.
O depoimento prestado pelo preposto da empresa, frisou o magistrado, revelou que no dia em que sofreu o infarto o autor da reclamação trabalhava após o expediente regular e teve um desentendimento relacionado à sua atividade laboral. E comprovou a ausência de atendimento especializado imediato, além de falta de aparelho desfibrilador.
Laudo confirma
Em laudo juntado aos autos, prosseguiu o juiz, a perita judicial concluiu que as afirmações do autor da reclamação tinham amparo técnico-científico a permitir o estabelecimento do nexo de causalidade entre a atividade laboral e a doença, além da direta associação entre o estado vegetativo em que se encontra o trabalhador e o socorro tardio prestado.

Ela disse que o infarto do miocárdio é, sim, uma doença multifatorial, mas que o trabalho estressante não pode ser desmerecido como concausa, já que o estresse aumenta a produção de glóbulos brancos, os quais, em excesso, elevam o risco de entupimento das artérias, podendo levar ao infarto. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-10. 
Processo 0001925-85.2014.5.10.0018
Revista Consultor Jurídico, 26 de julho de 2017, 9h19