"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

sábado, 29 de julho de 2017

Entenda uma "receita" para condenação criminal fácil

LIMITE PENAL




Sem sombra de dúvidas, mostra-se arriscado analisar, sob o prisma jurídico, determinado evento destacado pela imprensa, ainda mais quando se reconhece — e, principalmente, se repudia — a existência de um processo penal do espetáculo[1].
Cientes desse perigo, propomos examinar a noticiada operação calabar, que culminou com o cumprimento de 96 mandados de prisão contra policiais militares acusados de receber propina do tráfico de drogas em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio[2], em razão dos mais diversos atos de corrupção.
E por qual razão nos atrevemos a escrever sobre esse fato que sequer recebeu o selo de definitividade judicial? Não seria um contrassenso dos autores que tanto primam pela defesa do estado de inocência? Não. Independentemente do desfecho da citada operação, é possível afirmar que ela representa tão-somente a epiderme/sintoma de um problema maior que necessita ser enfrentado: a forma como as agências criminais atuam no Brasil.
Examinar honestamente o sistema penal brasileiro implica em reconhecer o cotidiano horror por ele produzido[3], sendo certo que todos os atores jurídicos são responsáveis — alguns conscientes, outros não — pela produção do sofrimento. Aliás, é chegado o momento de abandonar confortantes ficções que consolam os produtores do mal. Uma breve ida a qualquer complexo prisional desnudaria o embuste que constitui o princípio da intranscendência da pena. Mães, mulheres, companheiras, filhas e amigas — os exemplos femininos não foram escolhidos aleatoriamente, pois se sabe que o preso possui, como via de regra, um amparo muito maior do que aquele aferido para a mulher encarcerada — levam mantimentos aos aprisionados, são submetidas aos mais diversos procedimentos humilhantes por agentes públicos — não se deve restringir a questão às revistas vexatórias — e, ainda, se veem obrigadas a esconder de seus empregadores a razão de uma falta de trabalho, caso a visita seja em um dia de semana, já que o estigma de ser parente de um preso pode lhe custar o emprego. Ora, como não reconhecer assim que a pena é cumprida por outras pessoas além do condenado?
Não basta, no entanto, reconhecer a capacidade de produzir sofrimento pelo sistema penal brasileiro, é premente constatar que o produto é marcado pelo signo da seletividade. Se os manuais de Direito Penal apontam para a existência do princípio da seletividade[4], as agências criminais se valem duma outra — e perversa — leitura, qual seja, escolhem deliberadamente sobre a forma como incidirá com maior intensidade a criminalização secundária.
A seletiva criminalização secundária pode se efetivar de diversas maneiras. Quando do início da persecução penal, é possível destacar a utilização de presunções que não observam o modelo constitucional[5]. No decorrer da ação penal, o “princípio” da eficiência se apresenta como um verdadeiro canibal do devido processo legal, já que para a célere prestação da tutela jurisdicional não se admite perder tempo com a observância das garantias processuais. Não por outra razão que se aposta tanto na medieval lógica de predomínio da prova testemunhal, o que, em tese, poderia abrir caminho para o emprego da teoria da perda da chance probatória[6]. Todavia, o jogo processual é uma pantomina, e apelar para referida teoria quase sempre não se mostra uma tática exitosa, pois o julgador antes mesmo de se iniciar a peleja já se decidiu pelo vencedor. Na derradeira ponta da persecução, a desigual atuação da criminalização secundária se desenvolve por meio da Hermenêutica do Conforto, isto é, adoto “precedentes” e súmulas sem qualquer reflexão sobre o tema. A postura decisória, muita das vezes, é acompanhada da postura do juiz-filho, que somente quer agradar o tribunal-pai[7].
No que se refere especificamente a um posicionamento crítico à Hermenêutica do Conforto, é de suma relevância frisar que de nada adiantará a simples revogação, cancelamento ou anulação dos verbetes sumulados. Persistirá o desenfreado consumo de ementas enquanto não se romper com uma equivocada compreensão sobre o que é um precedente e a importância da facticidade.
O rock brasileiro teve na Legião Urbana um ícone, sendo certo que inspirado nos versos de Os Anjos:
"Pegue duas medidas de estupidez
Junte trinta e quatro partes de mentira
Coloque tudo numa forma
Untada previamente
Com promessas não cumpridas
Adicione a seguir o ódio e a inveja
As dez colheres cheias de burrice
Mexa tudo e misture bem
E não se esqueça: antes de levar ao forno
Temperar com essência de espirito de porco,
Duas xícaras de indiferença
E um tablete e meio de preguiça".
Apresentamos um receituário condenatório adequado para o sistema penal brasileiro:
1. use farda;
2. na guerra contra as drogas, estabeleça metas mensais para combater a criminalidade, isto é, de prisões, pois assim será reconhecido como um ótimo combatente;
3. foque a sua atuação nas comunidades e lá identifique supostos locais destinados à venda de drogas;
4. realize abordagem e prenda os usuários;
5. caso os apreendidos possuam celular e dinheiro trocado, prepare o discurso para a comprovação cabal da traficância e associação para o tráfico;
6. azeite o discurso no sentido de que outras pessoas fugiram com o ingresso da viatura na comunidade;
7. ao ser indagado pela defesa sobre testemunhas presenciais, afirme que ninguém na comunidade quer falar sobre o tráfico;
8. se negue a identificar o X-9 que justificou a identificação do preso como o traficante da região; e
9. aposte na aplicação da heurística, que, no estado do Rio de Janeiro, é materializada na Súmula 70 do TJ-RJ ("O fato de restringir-se a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não desautoriza a condenação".)
Em condições normais de temperatura e pressão, sequer será necessário apelar para o místico, tenha certeza de que o caminho da condenação já está trilhado, e o sistema prisional já espera por manter ou permitir mais um encarcerado.

[1] “No processo espetacular desaparece o diálogo, a construção dialética da solução do caso penal a partir da atividade das partes, substituído pelo discurso dirigido pelo juiz : um discurso construído para agradar às maiorias de ocasião, forjadas pelos meios de comunicação de massa, em detrimento da função contramajoritária de concretizar direitos fundamentais (o Poder Judiciário, para concretizar direitos fundamentais, deveria julgar contra a vontade da maioria” (CASARA, Rubens R. R. Processo Penal do Espetáculo. In: PRADO, Geraldo; CHOUKR, Ana Cláudia Ferigato & JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. Processo Penal e Garantias. Estudos em homenagem ao professor Fauzi Hassan Choukr. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 438).
[3] “O sistema penal não alivia sofrimentos, senão, quando muito, o substitui por ressentimentos, recalque ou outro mecanismo que não tardará a ser canalizado na produção de maior dor. Ele manipula dores, viabilizando a legitimação do exercício ainda mais violento, incentivando os mais perversos sentimentos de vingança. Eis o escândalo, o qual nunca cessa de encarnar” (AMARAL, Augusto Jobim & ROSA, Alexandre Morais. Cultura da Punição. A Ostentação do Horror. 3. ed. Florianópolis: Empório do direito, 2017. p. 62)
[4] “Por isso, dentre o imenso número de bens existentes, seleciona o direito aqueles que reputa ‘dignos de proteção’ e os erige em ‘bens jurídicos’. Para Welzel, o ‘bem jurídico’ é um bem vital ou individual que, devido ao seu significado social, é juridicamente protegido” (ASSIS TOLEDO, Francisco. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 16).
[5] No Rio de Janeiro, por exemplo, é estabelecido o fenômeno da “promoção acusatória”, que consiste na presunção de que o tráfico realizado na comunidade implica necessariamente no cometimento da associação, pois não se pode traficar sem estar associado. Esse tema, inclusive, gerou o seguinte texto: http://emporiododireito.com.br/a-promocao-acusatoria-nao-e-para-todos-por-eduardo-januario-newton/.
[6] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. Florianópolis; Empório do Direito, 2017, p. 733-737.
[7] “Sobre a relação entre o Juiz e o Tribunal, Amilton Bueno de Carvalho traça alguns modelos de juiz. O juiz-filho pode se encontrar na fase infantil e recebeu as seguintes considerações: “Aquele que tem o pai por ídolo, que tem apenas um sonho: agradar o pai. Mais: seu desejo quando ‘crescer’ é ser igual a ele (...) E qual a forma mais comum de agradar o pai? Aderir sua sapiência, reconhecer a inteligência dele. Seu saber é o que interessa. E como saber do pai é expresso em acórdãos, seu continente é um: transcrever, sempre e sempre, a vontade-jurisprudência do seu superior” (CARVALHO, Amilton Bueno. O juiz e a jurisprudência: um desabafo crítico.IN: BONATO, Gilson (org.). Garantias constitucionais e processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 10-11)
 é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor de Processo Penal na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e na Univali (Universidade do Vale do Itajaí).
 é defensor público do estado do Rio de Janeiro, mestre em Direitos Fundamentais e Novos Direitos pela Unesa.

Revista Consultor Jurídico, 21 de julho de 2017, 8h00

Incidência de Tust/Tusd na base de cálculo do ICMS é impossível

OPINIÃO


Primeiramente, cumpre salientar que o fornecimento de energia elétrica se sujeita à incidência de um imposto estadual, denominado imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação (ICMS).
Porém, o que os entes estatais têm feito é uma cobrança de ICMS sobre a Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e a Tarifa do Uso do Sistema de Distribuição (TUSD), que se referem ao uso da rede básica de energia elétrica. O presente trabalho pretende analisar a possibilidade ou não da incidência TUST e TUSD sobre a base de cálculo do ICMS, através de um estudo técnico e jurídico.
Do ICMS
Conforme preleciona o artigo 155 da Constituição da República, a instituição do ICMS é de competência dos Estados e do Distrito Federal. A base nuclear do fato gerador é a circulação de mercadoria ou prestação de serviços interestadual ou intermunicipal de transporte e de comunicação. O conceito de circulação é entendido como uma alteração da titularidade jurídica do bem. Conforme define (Minardi, 2015, p.770):

... o STJ sedimentou seu entendimento de modo que a circulação de mercadorias de um estabelecimento para outro do mesmo titular não se sujeita à incidência do ICMS.
Ainda sobre o ICMS, dispõe (Machado, 2015, p. 344), “é fonte de receita bastante expressiva para os Estados e para o Distrito Federal”. Em estudo encomendado pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP) ao Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) no ano de 2016, constatou-se que ICMS é responsável por 18,3% do total de tributos pagos pelos brasileiros.
Desse modo, qualquer decisão que vise à redução no recolhimento do supracitado imposto afeta o ente estatal, que tende a demonstrar sua irresignação através de peças processuais cabíveis.
Definição jurídica de energia
Nota-se que, conforme a interpretação do texto constitucional e da LC 87/96 (Lei Kandir) refletida expressamente na legislação tributária do ICMS em cada Estado, a energia elétrica é considerada uma mercadoria. Nesse sentido, in verbis:

Art. 2° O imposto incide sobre:
§ 1º O imposto incide também: 
(...)
III - sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica (...)
Insta salientar que o direito considera a energia elétrica como bem móvel, conforme previsto no artigo 82, II, do Código Civil.
Desse modo, a partir da conclusão de que energia elétrica é considerada, para fins jurídicos uma mercadoria, passa-se a uma análise do procedimento realizado até que a mesma chegue à residência dos consumidores.
Entendendo um pouco mais sobre energia elétrica
Fulcrado no entendimento da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a rede básica de energia elétrica, é constituída por subestações e linhas de transmissão, sendo o sistema integrado por torres, cabos, isoladores, subestações de transmissão e outros equipamentos que operam em tensões médias, altas e extra altas.

Após a produção de energia elétrica (maior parte têm procedência de usinas hidroelétricas, seguida pelas termoelétricas, e em menor quantidade por fontes renováveis de energia, por meio de parques eólicos e painéis fotovoltaicos), essa se direciona para os municípios por meio das linhas e torres de transmissão de alta tensão. Essas supracitadas linhas e torres são visíveis nas estradas, objetivando a condução de energia por longas distâncias.
No momento em que a energia elétrica chega às cidades,ocorre sua passagem por transformadores nas subestações, a fim de se reduzir a tensão, sendo este um procedimento técnico importante para sua posterior utilização pela rede de distribuição. Esta, por sua vez, por meio dos fios instalados nos postes, é responsável pelo transporte de energia até as ruas ou avenidas.
Previamente ao ingresso nas casas, a energia elétrica ainda se deslocapelos transformadores de distribuição (também instalados nos postes) que rebaixam a tensão para 127 ou 220 volts, adequando-a a sua utilização pelos consumidores.
Desse modo, inconteste a possibilidade e a efetiva separação entre as fases do procedimento de fornecimento de energia elétrica. É o que se verifica (Brasil.gov, 2014):
Antes da privatização do setor, no início dos anos 2000, as empresas eram verticalizadas e não havia separação dos negócios da cadeia produtiva (geração, transmissão e distribuição). Hoje independentes, as distribuidoras são o elo entre o setor elétrico e a sociedade: essas instalações recebem das companhias de transmissão a maior parte do suprimento de energia elétrica destinado ao abastecimento do País.
Da impossibilidade de tributação
Resta consolidado, então, o entendimento de que o fato gerador do ICMS só pode ocorrer pela efetiva entrega da energia ao consumidor, de modo que exigir o ICMS sobre as tarifas que remuneram a transmissão e a distribuição da energia elétrica, é fazer incidir o tributo sobre o fato gerador não previsto na legislação regente (notadamente Constituição Federal e Lei Complementar n° 87/96), o que viola frontalmente o princípio constitucional da reserva legal prevista no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, segundo o qual é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça. Acrescente-se que o ponto foi objeto, ainda, das Súmulas 391 e 166 do STJ, in verbis:

Súmula 391 – STJ: “O ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente á demanda de potência efetivamente utilizada”.
Súmula 166 – STJ: “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.”
Conclui-se que a base de cálculo do ICMS deverá constar apenas o preço da operação final, excluído o custo de eventuais operações anteriores com a transmissão e distribuição da energia elétrica.
Por fim, torna-se indispensável salientar que há houve Proposta de Emenda à Constituição e Projeto de Lei Complementar, PEC 285/2004 e PLC 352/2002, com textos não aprovados — não instituindo, portanto, a incidência do ICMS nas etapas intermediárias do fornecimento de energia elétrica.
Portanto, não se desconhece que o custo da energia elétrica fornecida ao consumidor final aumenta em cada etapa, porém isso não deve ser repassado ao consumidor, quando não decorrente da operação final, sendo que a tributação só se torna juridicamente possível quando a energia elétrica, por força de relação contratual, saido estabelecimento do fornecedor, sendo efetivamente consumida.
Similaridade à cobrança de ICMS sobre o provimento de acesso à internet
Em decisão acerca da possibilidade de incidência de ICMS sobre a atividade de provimento de acesso à Internet, entendeu-se o Superior Tribunal de Justiça pela negativa, na medida em que restou entendida a inexistência de comunicação, sendo uma infraestrutura fornecida pelas operadoras de telecomunicações, cujas operações eram devidamente tributadas. Ora, não havendo comunicação, não nascia o fato gerador e, portanto, não haveria incidência tributária.

A questão cerne do presente estudo apresenta respaldo similar, uma vez que não havendo operação de circulação jurídica de energia, a parcela que remunera o mero serviço de entrega física do bem não deveria sofrer tributação, conforme bem salientado pela Ilustre Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Regina Helena Costa.   Nesse sentido, colaciono julgado em que prevê esse entendimento do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
TRIBUTÁRIO. ICMS. CONVÊNIO 69/98. ASSINATURA MENSAL. ATIVIDADE-MEIO.SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO. CONCEITO. INCIDÊNCIA APENAS SOBRE A ATIVIDADE-FIM. COMUNICAÇÃO EM SENTIDO ESTRITO. PRECEDENTES.
I - "Este Superior Tribunal de Justiça teve a oportunidade deanalisar o conteúdo desse convênio, concluindo, em síntese, que: (a a interpretação conjunta dos arts. 2º, III, e 12, VI, da LeiComplementar 87/96 (Lei Kandir) leva ao entendimento de que o ICMSsomente pode incidir sobre os serviços de comunicação propriamenteditos, no momento em que são prestados, ou seja, apenas pode incidirsobre a atividade-fim, que é o serviço de comunicação, e não sobre aatividade-meio ou intermediária, que é, por exemplo, a habilitação, a instalação, a disponibilidade, a assinatura, o cadastro de usuário e de equipamento, entre outros serviços. Isso porque, nesse caso, o serviço é considerado preparatório para a consumação do ato de comunicação; (b) o serviço de comunicação propriamente dito,consoante previsto no art. 60 da Lei 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações), para fins de incidência de ICMS, é aquele que transmite mensagens, idéias, de modo oneroso; (c) o Direito Tributário consagra o princípio da tipicidade fechada, de maneira que, sem lei expressa, não se pode ampliar os elementos que formam ofato gerador, sob pena de violar o disposto no art. 108, § 1º, do CTN. Assim, não pode o Convênio 69/98 aumentar o campo de incidência do ICMS, porquanto isso somente poderia ser realizado por meio de lei complementar." (REsp nº 601.056/BA, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJde 03/04/2006). No mesmo sentido: REsp nº 418.594/PR, Rel. Min.TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 21/03/2005 e REsp nº 402.047/MG, Rel.Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 09/12/2003. (...) (Processo REsp 754393 / DF. RECURSO ESPECIAL2005/0087855-1. Data do Julgamento 02/12/2008. Data da Publicação/Fonte DJe 16/02/2009).
Decisões dos tribunais
Apesar de uma decisão isolada, em que o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela legalidade da incidência do ICMS sobre TUST/TUSD, o supracitado Tribunal selecionou acórdãos sustentando a impossibilidade da incidência, tendo em vista que o fato gerador só se verifica quando a energia sai do estabelecimento fornecedor e é efetivamente consumida (precedentes), in verbis:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. OMISSÃO. ICMS. INCIDÊNCIA DA TUST E DA TUSD. DESCABIMENTO.
1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
2. O STJ possui jurisprudência no sentido de que a Taxa de Uso doSistema de Transmissão de Energia Elétrica - TUST e a Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica - TUSD não fazem parte da base de cálculo do ICMS 3. Agravo Interno não provido. (AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL 2016/0157592-8. Data do Julgamento 10/11/2016. Data da Publicação/Fonte: DJe 30/11/2016).
Conclusão
Nota-se que é possível fazer a divisão de etapas do fornecimento de energia para fins de incidência do ICMS, uma vez que, conforme demonstrado cabalmente, as etapas são bem delineadas, de modo que cada uma possui uma atribuição diversa.

Não se nega, tecnicamente, que tais procedimentos se realizam com certa instantaneidade, entretanto, tal celeridade entre as fases não consolida o entendimento de impossibilidade de fracionamento.
Salienta-se, ainda, que o fornecimento de energia elétrica inclui os custos de geração, transmissão e distribuição, porém quando ocorrem as fases de transmissão e distribuição ainda não fora efetuada a transferência de titularidade, indispensável para a incidência do ICMS, constituindo-se como atividade meio, que não poderá ensejar que o ônus pelo pagamento recaia sobre o consumidor, em virtude de estar o mesmo adimplido além da energia efetivamente consumida, ensejando um pagamento em excesso.
Portanto, embora a transmissão e a distribuição formem o conjunto dos elementos essenciais, é possível o fracionamento das etapas que percorre a energia elétrica até chegar ao consumidor e, o fato gerador - a situação de fato, prevista na lei de forma prévia, genérica e abstrata, que, ao ocorrer na vida real, faz com que, pela materialização do direito ocorra o nascimento da obrigação tributária — do ICMS, apenas ocorre no momento da transmissão de propriedade de mercadoria, que não se verifica nas etapas de distribuição e transmissão, ratificando a ilegalidade da incidência TUST/TUSD na base de cálculo do ICMS.
Bibliografia
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acesso em: www.stj.com.br. Acesso em 08.Jul.2017.

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 9 ed. São Paulo: Método, 2015.
BRASIL. Câmara dos Deputados. PEC 285/2004. Proposta de Emenda à Constituição. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=256022. Acesso em: 08.Jul.2017.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=101666. Acesso em: 08.Jul.2017.
BRASIL. Código Civil, Processo Civil, Penal e Processo Penal. In VadeMecum
compacto. 3. ed. atual. eampl. São Paulo: Saraiva, 2010.
BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei Nº 5.172, de 25 de Outubro de 1966.Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172Compilado.htm. Acesso em 08.Jul.2017.
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Lei Complementar nº 87, de 13 de Setembro de 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp87.htm. Acesso em: 08.Jul.2017.
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CPFL Energia. Como a energia elétrica chega até sua casa. Disponível em:https://www.cpfl.com.br/energias-sustentaveis/eficiencia-energetica/uso-consciente/caminho-eletrico/Paginas/default.aspx. Acesso em: 08. Jul. 2017.
JOTA. A ilegal inclusão da TUST e TUSD na base do ICMS. Disponível em: https://jota.info/artigos/a-ilegal-inclusao-da-tust-e-tusd-na-base-do-icms-30032017. Acesso em 08.jul.2017.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
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MINARDI, Josiane. Manual de Direito Tributário. 2 ed. Salvador: JusPodivm, 2015.
PORTAL BRASIL. Entenda como a energia elétrica chega à sua casa. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/infraestrutura/2014/08/entenda-como-a-energia-eletrica-chega-a-sua-casa. Acesso em 08.Jul.2017.
SABBAG, Eduardo de Moraes. Direito Tributário Essencial. 3 ed. São Paulo: Método, 2015.
 é engenheiro de controle e automação.

Revista Consultor Jurídico, 21 de julho de 2017, 8h24

Justiça de São Paulo proíbe imobiliária de oferecer assistência jurídica

PROPAGANDA ILEGAL


É ilegal uma empresa que atua no ramo imobiliário oferecer serviços de assistência jurídica. O entendimento é da 1ª Vara Federal de Araraquara, que acolheu os argumentos da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil de que uma companhia de outro ramo estava fazendo publicidade de serviços jurídicos em seu site.
A Justiça deferiu parcialmente o pedido de antecipação de efeitos da tutela a fim de que a empresa ré retire imediatamente de seu site e de qualquer outra mídia — televisiva, falada, impressa — menção ao oferecimento de assessoria jurídica ou patrocínio de ações judiciais, sob pena de multa diária.
“A Secional paulista da Ordem combate de forma intransigente o exercício ilegal da advocacia diante dos graves prejuízos que isso traz não apenas à classe mas, também, fundamentalmente à cidadania”, diz Marcos da Costa, presidente da instituição.
A decisão reitera que o artigo 1º da Lei 8.906/94 estabelece as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas como privativas da advocacia, assim como a postulação a órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais. O Código de Ética e Disciplina da OAB, por sua vez, veda a mercantilização da profissão, conforme expresso no artigo 5º, e a indevida captação de clientela (artigo 7º).
“Considerando que se trata de empresas atuantes nos ramos imobiliário e da administração de condomínios, se permitida a continuação da publicidade, o exercício irregular da advocacia só se aprofundará, causando assim prejuízos, principalmente à comunidade dos advogados”, afirmou a corte de Araraquara. Com informações da Assessoria de Imprensa da OAB-SP. 
Revista Consultor Jurídico, 21 de julho de 2017, 18h28