O
trabalhador brasileiro acordou no dia 06/12/2016 atônito e
desesperançado, em razão do malfadado projeto de Emenda Constitucional
nº 287, que praticamente empurra-o para a busca de uma previdência
privada, caso almeje uma aposentadoria digna para amparar sua família.
Aliás, estranhamente, há notícia de que o secretário encarregado de
preparar e apresentar o projeto à nação, se reuniu com representações de
empresas voltadas à previdência privada. Realmente os escândalos e
descalabros dos homens encravados na política deste país é
desesperador.
O
governo vem, já há algum tempo, promovendo campanhas na mídia,
televisada e escrita, para "demonstrar" que o sistema previdenciário
pretendido é o melhor caminho, pois é adotado em outros países. A mesma
argumentação é utilizada quando se fala em aumentar alíquotas de
contribuição de imposto de renda.
No
entanto, omitem que nos países desenvolvidos o serviço público é
plenamente prestado à sua população, que não precisa buscar escolas e
hospitais particulares, pois têm a disposição uma contraprestação
excelente aos impostos pagos.
Não
há dúvida que esse projeto visa fortalecer as instituições financeiras
que atuam na previdência privada, que se apresentará como única
alternativa para a obtenção de uma aposentadoria digna para àqueles
trabalhadores com renda superior ao teto da previdência. Mas, o que será
do trabalhador de baixa renda?
Realmente
a previdência privada complementar nos países desenvolvidos é bastante
difundida e, faz parte da vida profissional do trabalhador desde o
início de sua carreira. O detalhe é que nestes países, como por exemplo
os EUA, a economia é pujante e os salários dignos. Será possível pagar
previdência complementar com o nosso salário mínimo? A verdade que a
realidade no Brasil é bem diferente. Após a ditadura, a economia
nacional teve poucos períodos de estabilidade e prosperidade econômica
e, quando o teve, canalhas espoliaram o país de tal maneira que quase
levaram a falência uma empresa pública que detém o monopólio do
petróleo.
A
grande maioria da classe política que está há décadas entranhada no
poder, se não foram partícipes, com certeza foram omissos. Agora elegem e
apresentam o trabalhador como grande culpado do déficit das contas
públicas.
Ora,
o trabalhador é o maior patrimônio de uma empresa, seja grande ou
pequena, pois é ele que implementa a produção. Mesmo empresas
automatizadas, não conseguem produzir, se não tiveram trabalhadores para
operar e, quando necessário reparar, as máquinas responsáveis pela
atividade industrial. Uma padaria, por mais equipada que seja, não
sobreviverá sem um bom padeiro. Países como o Japão tem um cuidado
especial com seus trabalhadores de tal maneira, que as industrias tem
como padrão a interrupção do trabalho, com pequenos intervalos, para a
prática de ginástica, a fim de diminuir o stress e lesões por esforço
repetitivo.
No
Brasil é diferente, pois o trabalhador é tratado como um fardo. É
verdade que a legislação trabalhista tem que ser atualizada em muitos
pontos. Mas as mudanças devem ser implementadas paulatinamente, com um
mínimo de estabilidade econômica. A mídia reporta que o Brasil tem hoje
mais de 12 milhões de trabalhadores desempregados, mas não é difícil se
imaginar que, por trás de cada trabalhador desempregado, haja mulher e
filhos que dependem dele. Portanto, os números são mais desesperadores.
Não
esqueçamos que o Brasil não é um país plenamente desenvolvido,
portanto, a grande maioria de seus trabalhadores depende do uso de força
física para desempenhar suas funções, às vezes em ambientes de
trabalhos extenuantes, como a construção civil e o campo. Alguém em sã
consciência, excetuados os tecnocratas do governo, pode imaginar um
homem com 60 anos ou mais, carregando um saco de cimento, com 60
kilogramas, nas costas?
O
agro negócio movimenta milhões, no entanto, seus trabalhadores não
desfrutam dessa riqueza. Pretendem que o trabalhador do campo morra com a
enxada na mão.
Evidentemente
que funções que dependem exclusivamente do intelecto podem ser
exercidas muito além dos 65 anos ou mais, como um engenheiro ou um
ministro das cortes superiores. Estes, desde que estejam em condições
mentais podem trabalhar até os 100 anos. Não estamos na Europa e a
realidade do trabalhador brasileiro é bem diferente.
Não
bastasse a elevação da idade mínima de 65 anos, com pelo menos 25 anos
de contribuição, para que o trabalhador tenha direito a aposentadoria,
inseriram uma fórmula mágica para o cálculo do valor final que é
praticamente irrealizável, qual seja 51% da média dos
salários, acrescido de 1% por cada ano trabalhado. Desta maneira, o
provento da aposentadoria do trabalhador que se aposentar com o mínimo
da idade e contribuição exigida ficará com valor bem inferior a 76% do
último salário na ativa, excetuados os que recebem salário mínimo, uma
vez que ninguém pode receber de aposentadoria valor menor que o salário
mínimo. A perda será brutal para quem recebe acima do irrisório salário
mínimo. Isso significa dizer que se você recebe até 1,317 salários
mínimo terá seus proventos reduzidos para o mínimo e, a partir de 1,317
salários mínimos, seu provento terá um pequeno acréscimo por cada ano
trabalhado além dos 25 (vinte e cinco) anos de contribuição mínima,
alcançando o valor próximo ao último salário na ativa, se
conseguir o score de 49 (quarenta e nove anos) de contribuição, recorde
que poucos conseguirão atingir. Lembre-se que 51% será pela média de
100% dos salários recebidos. Difícil imaginar como será esse cálculo,
com a economia tipo gangorra do Brasil.
Veja
que de imediato, pelas novas regras, o governo economizaria 30% do
valor das aposentadorias a serem pagas para quem recebe na ativa salário
na faixa de até 1,317 do valor do salário mínimo, pois com o novo
cálculo o trabalhador que recebe nessa faixa, teria o valor de seu
provento reduzido para o valor do mínimo, se aposentasse com 65 anos de
idade e 25 anos de contribuição. A perda para quem ganha mais de dois
salários será maior ainda. A regra no Brasil tem sido sempre se
penalizar os aposentados, uma vez que, embora a grande maioria receba
valores irrisórios próximos ao mínimo, em face do grande número,
qualquer real subtraído das aposentadorias, significa um valor
considerável nas contas da previdência social.
Mas
a sanha do governo vai além da diminuição dos parcos proventos pagos
aos aposentados, pois que também quer tirar das viúvas sobreviventes,
reduzindo pela metade o valor da pensão. Justamente, quando a pessoa se
encontra em condição de extrema vulnerabilidade, quer pelas doenças
provenientes da idade avançada, quer pela falta de condição física e
mental de voltar ao mercado de trabalho, o governo busca reduzir pela
metade o valor das pensões. Acaso este subsidiará as crescentes despesas
com remédios, com aluguel, água e luz?
Portanto,
além de trabalhar por toda vida enquanto tiver saúde, o trabalhador
terá que buscar forças para sobreviver, além de seus dependentes, a fim
de que estes não venham a passar fome com a sua morte. Isso não é
razoável. As distorções que há em pensões de algumas carreiras
privilegiadas têm que ser corrigidas pontualmente, jamais com uma
legislação que atinja a todos indistintamente, sem levar em conta a
situação dos menos privilegiados. "Os desiguais devem ser tratados
desigualmente, na medida em que se desigualam".
Caso
a idéia fosse corrigir distorções, deveria ter estabelecido um
escalonamento com idade para a percepção da pensão por morte no seu
valor integral. Evidente que uma viúva com 30 anos, tem maiores
condições de voltar ao mercado de trabalho, mas o mesmo não ocorre com
uma viúva com cinqüenta anos ou mais.
No
tocante ao servidor público, têm sido propaladas inverdades, como se
esse trabalhador, que torna possível o Estado realizar seu mister, fosse
o culpado pelo déficit nas contas públicas, e não a prática político
criminosa que se instalou neste país. É cediço que no serviço público a
grande maioria dos funcionários recebe salários inferiores ao grau de
responsabilidade de suas atribuições. Excetuado os agentes políticos e
agentes públicos representantes dos poderes constituídos, a grande
maioria do funcionalismo, principalmente os do poder executivo, recebem
salários relativamente baixos. No setor público dos Estados e Municípios
a situação é pior ainda, pois os baixos salários só não fomentam a
saída em massa do servidor, em virtude das condições econômicas do país,
com a baixa oferta de empregos. O servidor público não tem FGTS e em
determinadas funções, a exemplo da polícia, se quer recebem adicional
por hora extra e trabalho noturno. Evidente que àqueles que possuem
melhor formação e capacidade profissional, buscam a iniciativa privada,
assim que aparece uma oportunidade. Os que ficam procuram laborar a
rotina do dia a dia, sem estímulo de buscar aperfeiçoamento para prestar
um serviço público melhor. Eis a realidade sem hipocrisia política.
Não
se pode olvidar que determinadas carreiras públicas são típicas do
Estado e, estão diretamente relacionadas com o exercício de sua
soberania, como a garantia da ordem pública, política monetária,
fiscalização, etc.
Dentre
estas, as carreiras militares e da segurança pública, exigem para seu
pleno exercício, além da capacitação profissional, o necessário vigor
físico para enfrentar as atribuições cotidianas. Inconcebível se
imaginar um militar sexagenário em atividade na infantaria, nem tampouco
um policial com 60 anos ou mais, em condições de combater a crescente
criminalidade, cada vez mais ousada e armada. Levar essas carreiras
essenciais para a segurança do país a um nível de envelhecimento de seu
efetivo e sucateamento material, deveria ser tipificado como crime de
lesa pátria.
A
verdade que o serviço público no Brasil vem numa linha descendente de
investimento pelos governos, tanto em relação ao recrutamento e preparo
do servidor, como no aparelhamento dos órgãos para o exercício de
funções essenciais. Embora os impostos arrecadados venham batendo
recordes todos os anos. Infelizmente, não há responsabilização pelo
sucateamento da máquina pública, nem tampouco pela gestão temerária de
seus recursos. A prova disso, são as indicações políticas para a direção
de órgãos essenciais, que via de regra são utilizados como moeda de
troca. Houvesse tipificação da conduta de gestão temerária, quem sabe diminuísse a indicação de políticos sem capacidade e compromisso para gerir a coisa pública.
O
governo é o pior patrão neste país, prova incontestável dessa
afirmativa é o número astronômico de ações no Poder Judiciário contra o
Estado. A razão, via de regra, é a falta de cumprimento da lei em
relação a direitos do servidor e, pior, com recursos protelatórios
apresentados pelas Procuradorias estaduais, cujo resultado se reflete em
ações decenais, às vezes vintenárias. O desfecho inexorável são as
condenações do Estado para pagamento de altos valores que engrossam o
número de Precatórios intermináveis. O prejuízo é de todos, tanto para o
servidor que tem que brigar anos para receber o que lhe é de direito,
como para o Estado, uma vez que os Precatórios são pagos pelo tesouro,
com a alocação de enormes importâncias em dinheiro que poderiam ser
investidas em benefício da população. Houvesse tipificação para recursos protelatórios em
ações, cujos Tribunais já tivessem firmando entendimento pacífico,
talvez isso não ocorresse. Cabe aos Procuradores estaduais defender o
interesse do Estado e, jamais o interesse do ocupante transitório do
governo. Verdade que alguns ocupantes transitórios de alguns governos,
às vezes, conseguem obter a chancela do povo para se perpetuarem por
vinte ou trinta anos.
Não
obstante as observações pertinentes acima discorridas em relação ao
servidor público, causa estranheza que as carreiras de militares,
policiais militares e bombeiros tenham sido deixadas a parte da
discussão da previdência. Há enormes distorções nessas carreiras, que
transcendem a idade mínima de 60 anos ou mais para obtenção da
aposentadoria que, como dissemos, são impensáveis.
Pensões
vitalícias para filhas que não se casem, contagem de tempo de estudo e
preparação profissional às expensas do Estado como se fosse de efetivo
trabalho, incorporação aos vencimentos de adicionais por atividades
temporárias, além de tantas outras particularidades, promovem distorções
que podem e devem ser corrigidas. Ora, o engenheiro não conta como
tempo de serviço, aquele despendido na sua formação na faculdade.
Em
relação à polícia militar por exemplo, embora sejam força auxiliar do
Exército, seus oficiais recebem salários bem superiores aos das forças
armadas. Há coronéis da PM ganhando salários superiores a de generais,
com um detalhe, em média passam para a inatividade com média de idade em
torno de 48 anos.
No
estado de São Paulo, em decorrência da Lei Complementar nº 1.150/2011,
os coronéis se aposentam com um adicional de 20% à mais nos vencimentos
com incidência de todas as vantagens pessoais, são os privilegiados
"coronéis full". A Constituição Federal veda expressamente que o
servidor público inativo receba provento superior ao funcionário da
ativa na mesma função - Os
proventos de aposentadoria e as pensões, por ocasião de sua concessão,
não poderão exceder a remuneração do respectivo servidor, no cargo
efetivo em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a
concessão da pensão - Art. 40 Inciso III § 2º. Nessa
distorção apontada, a indigitada lei estabelece indistintamente para a
carreira de coronel um adicional de 20% nos vencimentos, por ocasião da
passagem para inatividade. Desta maneira, um coronel da reserva recebe
vencimentos superiores ao seu par na ativa. Verdadeiro absurdo. Quando
se trata de usufruir direitos garantidos no estatuto dos funcionários
públicos, os policiais militares invocam sua condição de servidores
públicos estaduais, mas, no entanto, quando se tratam de limitações
impostas aos demais servidores públicos, estes de imediato invocam sua
condição de militares, com tratamento diferenciado, ou seja são uma
carreira híbrida. Não bastasse isso, temos ainda a onerar o sistema
previdenciário estadual as promoções decorrentes de legislações
casuísticas, a exemplo da Lei nº 10.430/99, que conferem vantagens na
passagem para a inatividade, sem que tenha havido uma contraprestação
previdenciária. Nesse particular, há de se observar que o beneficiado se
aposenta em graduação ou posto superior, sem ter efetuado contribuições
previdenciárias correspondentes aos vencimentos que irá usufruir por
muitos anos na inatividade, uma vez que se aposenta cedo. Em muitos
casos, policiais militares que contribuíram por toda sua vida
profissional na condição de praça, na passagem para a inatividade são
promovidos e passam a receber como oficial. O prejuízo para o tesouro é
imensurável. Portanto, não há razão lógica para a exclusão das polícias
militares da reestruturação da previdência, até porque em termos de
despesas com aposentadorias, estas tem um peso colossal nos orçamentos
estaduais. Talvez se explique essa exclusão, em razão de que as polícias
militares são pequenos exércitos estaduais e, seu efetivo é bem
superior a somatória dos demais funcionários da segurança pública dos
estados.
Destarte
toda a situação apontada, esse malfadado projeto de emenda a
constituição, pode ser um tiro no pé da própria previdência social.
Tendo em vista a impossibilidade de aposentar com um salário digno,
somado a isso a alta informalidade no emprego em tempos de crise, muitos
trabalhadores poderão deixar de contribuir com a previdência social,
afinal aos setenta anos ou mais, quando não tiverem mais condições de
trabalhar, poderão requerer a concessão de benefício assistencial
mensal, a ser previsto, nos termos do projeto de emenda, no inciso V do
artigo 203 da CF.
Diante
do que foi apresentado como solução ao suposto déficit da previdência,
aliás, contestado por auditores fiscais e, levando-se em conta as
reuniões do secretário da previdência social com banqueiros e
instituições de previdência privada, temos para nós que a Perversa
Emenda Constitucional, se trata na verdade de PEC da IMPREVIDÊNCIA
SOCIAL, cujos únicos favorecidos serão as instituições financeiras que
atuam no seguimento de previdência privada.
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O autor é bacharel em direito pela Faculdade Católica de Direito de
Santos. Ingressou na carreira policial em 1980 como Soldado da Polícia
Militar de São Paulo, onde alcançou a graduação de 2º Sargento. Em 1989
assumiu o cargo de Investigador de Polícia, tendo exercido a função até
aprovação no concurso para Delegado de Polícia em 1994. Contato por
e-mail: juvenalmarques2010@gmail.com .