"Eu não recearia muito as más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

segunda-feira, 20 de abril de 2015

A aposentadoria especial dos servidores policiais após a instituição do regime de previdência complementar

A aposentadoria especial dos servidores policiais após a instituição do regime de previdência complementar

 

Deborah de Andrade Cunha e Toni

Os servidores policiais ingressos no serviço público Federal após a instituição do regime de previdência complementar podem buscar judicialmente o reconhecimento do direito à aposentadoria especial.
terça-feira, 14 de abril de 2015
A CF/88, art. 40, §4º, garante aos servidores públicos civis que exercem atividades de risco, como é o caso dos policiais, a concessão de aposentadoria especial, nos termos definidos em lei complementar.

A adoção de requisitos e de critérios diferenciados para a aposentação dos servidores que exercem atividades especiais remonta à Constituição de 1946, fundamento de validade da
lei 3.313/57, primeiro diploma legal a normatizar o regime previdenciário dos policiais de forma apartada das demais carreiras do serviço público.

Em complemento à lei 3.313/57, foi editada a
lei 4.878/65, que dispôs sobre o "regime jurídico peculiar dos policiais civis da União e do Distrito Federal" e garante, no art. 38, a paridade dos proventos de aposentadoria desses servidores.

Com o advento da Constituição de 1967 e a promulgação da EC 1, de 17 de outubro de 1969, passou-se a exigir a edição de lei complementar, e não apenas de lei ordinária, para regulamentar o regime previdenciário dos servidores públicos submetidos ao exercício de atividades especiais.
Em estrita observância a essa exigência, foi publicada a lei complementar 51/85, que estabeleceu novos critérios e requisitos para a inativação dos policiais, a exemplo do tempo diferenciado de serviço necessário para a aposentação com proventos integrais.


Com a posterior promulgação da Constituição de 1988, foram integralmente recepcionadas tanto a lei 4.878/65 quanto a lei complementar 51/85, diplomas infraconstitucionais que asseguram, respectivamente, o direito à paridade e à integralidade dos proventos especiais dos policiais.


Nem mesmo a EC 41/03, que alterou profundamente o panorama jurídico relativo ao regime previdenciário dos servidores públicos e suprimiu do texto constitucional os dispositivos que lhes garantiam a paridade e a integralidade dos proventos, foi capaz de modificar os critérios diferenciados de inativação dos policiais.


Isso porque, embora a LC 51/85 seja hierarquicamente inferior à referida Emenda, seu ingresso no mundo jurídico teve por escopo a regulamentação da aposentadoria especial dos policiais com requisitos e critérios diferenciados, prerrogativa constante no próprio texto constitucional (art. 40, §4º, II, CR).


O tema, inclusive, foi submetido à análise da Advocacia-Geral da União1, do STF2 e do TCU3, que entenderam que, mesmo após a edição da EC 41/03, persiste o direito dos policiais à aposentadoria especial integral e paritária.


Com a edição da lei 12.618/12, que instituiu o regime de previdência complementar de que trata o §14 do art. 40 da Constituição, o regramento peculiar a que estão sujeitos os servidores públicos que laboram sob condições de risco foi ignorado pela Administração. Esse diploma normativo limitou as aposentadorias de todos os servidores públicos Federais ingressos a partir do início de sua vigência ao valor do teto estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, RGPS.


Para os servidores públicos federais do Poder Executivo, o novo regime previdenciário entrou em vigor com a publicação, em 4 de fevereiro de 2013, da portaria 44/13, que, nos termos de seu art. 1º, aprovou o "Regulamento do Plano Executivo Federal, administrado pela Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo - Funpresp-Exe".


Todos os servidores públicos afetos a esse Poder, ingressos no serviço público a partir de sua publicação, foram enquadrados no regime de previdência complementar, independentemente de se submeterem ao regime de aposentadoria de que trata o art. 40 da Constituição ou de estarem dele dispensados por terem direito à aposentadoria especial.


Isso gerou uma situação paradoxal e extremamente prejudicial aos policiais ingressos no serviço público a partir de então: ainda que o STF, o TCU e a AGU tenham consolidado o entendimento de que, por terem direito à aposentadoria especial, mantêm-se incólumes a paridade (lei 4.878/65) e a integralidade (LC 51/85), seus proventos foram limitados ao valor do teto estabelecido para os benefícios do RGPS.


A redação do §14 do art. 40 da Constituição é clara ao prever que esse limite será aplicado às aposentadorias concedidas pelo regime de que trata o art. 40, o que, por óbvio, não contempla os servidores públicos que têm direito à aposentadoria especial, cuja inativação é regida pelo §4º do mesmo dispositivo.


A corroborar esse entendimento, o STF destacou, quando do julgamento do Agravo Regimental no Mandado de Injunção 2.283/DF , de relatoria do Ministro DIAS TOFFOLI, que a legislação garantidora da aposentadoria especial do policial "está em plano claramente diferenciado daquele em que se situam os demais servidores públicos, submetidos às previsões do art. 40 da Constituição e demais regras de transição".


Assim, se a atual redação do §3º do art. 40 da Constituição da República (introduzido pela EC 41/2003 e responsável por suprimir o direito à integralidade dos proventos dos servidores públicos) não é aplicável aos policiais, de igual modo não deve ser a lei 12.618/12, que regulamentou o §14 do mesmo dispositivo e instituiu o regime de previdência complementar.


Até porque o §14 desse artigo também foi inserido no corpo do texto constitucional por meio da reestruturação do regime previdenciário dos servidores públicos (EC 20/98). Esse novo panorama jurídico, consoante elucidado, não foi capaz de alterar o regime especial de aposentadoria dos servidores públicos que exercem atividades de risco, que continuam a ser regidos pela LC 51/85 e pela lei 4.878/65.


É precisamente em razão disso que não se pode, por meio de uma lei ordinária (lei nº 12.618/13), regulamentadora de um dos parágrafos constantes no art. 40 (§14) - inserido por uma EC e sequer aplicável aos titulares do direito à aposentadoria especial -, alterar por completo o regime previdenciário dos policiais e enquadrá-los em um regime de previdência complementar.


Interpretação diversa esvaziaria por completo o entendimento já pacificado pela não aplicabilidade aos policiais do disposto nos §§ 3º e 17 do art. 40 da Constituição, que suprimiram a paridade e a integralidade dos proventos de aposentadoria dos servidores públicos em geral.


Assim, se a aposentadoria especial do policial - regulamentada por diplomas normativos infraconstitucionais garantidores da paridade e da integralidade - não se submete às disposições dos parágrafos do art. 40 com ela incompatíveis (§§ 3º e 17), o mesmo deve ocorrer com relação ao §14, uma vez que a limitação dos proventos ao teto estabelecido para os benefícios do RGPS é incompatível com esses direitos.


A questão foi judicializada de forma inédita em junho de 2014 pela Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, ADPF, que ajuizou ação coletiva com pedido de antecipação dos efeitos da tutela para impedir a aplicação do regime de previdência complementar aos filiados ingressos no serviço público a partir da publicação da portaria 44/13. A Entidade buscou, via de consequência, garantir-lhes o direito à aposentadoria especial integral e paritária, nos termos previstos pela LC 51/85 e pela lei 4.878/65.


A antecipação dos efeitos da tutela foi deferida em agosto de 2014 pelo juízo da 20ª vara Federal da Seção Judiciária do DF, que afastou o regime de previdência complementar e determinou que a contribuição previdenciária devida pelos beneficiários do feito voltasse imediatamente a incidir sobre a remuneração total por eles percebida, e não apenas até o limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS, conforme determinado pelo novo regramento.


A matéria foi levada de forma incidental ao conhecimento do Tribunal Regional Federal da 1ª Região em razão da interposição de agravos de instrumento pela União e pela Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo, Funpresp-Exe. Em outubro de 2014, a decisão proferida pelo Juízo de 1ª instância foi integralmente mantida pelo Relator dos agravos.


Assim, os Delegados de Polícia Federal filiados à ADPF ingressos no serviço público após a instituição do regime de previdência complementar não tiveram que se submeter às disposições constantes na lei 12.618/12 e já começaram a contribuir para o Regime Próprio de Previdência Social, RPPS, no patamar de 11% (onze por cento) sobre o total da remuneração por eles percebida.


Por todo o exposto, os servidores públicos policiais que se enquadrem na mesma situação, ou seja, que tenham ingressado no serviço público federal após a publicação da portaria 44/13, também podem buscar a tutela jurisdicional para afastar a aplicação do regime de previdência complementar e obter o reconhecimento do direito à aposentadoria especial integral e paritária, nos termos previstos pela LC 51/85 e pela lei 4.878/65.


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1 Nota nº 033/2011 - DEAEX/CGU/AGU-JCMB.
2 ADI nº 3.878 e RE nº 567.110.
3 Acórdão nº 379/2009 e Acórdão nº 2.835/2010.
4 STF, Tribunal Pleno, AgRg MI nº 2.283, julgado em 19/09/2013, DJ-e de 22/10/2013.


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*Deborah de Andrade Cunha e Toni é sócia da banca Torreão Braz Advogados. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília.

Supremo reconhece direito de policiais civis à aposentadoria especial prevista na Lei Complementar 144/2014

Supremo reconhece direito de policiais civis à aposentadoria especial prevista na Lei Complementar 144/2014

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Do portal do STF

Por maioria de votos, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) julgaram improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 28, de relatoria da ministra Cármen Lúcia, e reconhecerem que a aposentadoria especial para os policiais militares e civis do Estado de São Paulo já está regulamentada.
Na ação, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) apontou omissão do governo e da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo no tocante à edição de lei complementar estadual sobre critérios diferenciados para aposentadoria de policiais civis e militares do sexo feminino nos termos do artigo 40, parágrafos 1º e 2º, da Constituição Federal. Segundo a instituição, a atual legislação estadual (Leis Complementares 1.062/2008 e 1.150/2011) impõe igual tempo de contribuição para policiais homens e mulheres, de 30 anos de serviço efetivo.
Relatora
Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia afirmou que o pleito quanto às policiais civis já foi atendido pela Lei Complementar 144/2014, de abrangência nacional, que deu à policial civil o direito de se aposentar voluntariamente, com proventos integrais, independentemente de idade, após 25 anos de contribuição, desde que conte pelo menos 15 anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial. Nesse caso, a Lei complementar estadual 1.062/2008, na parte em que estabelecia critérios quanto ao tempo de aposentadoria, está suspensa.
A ministra salientou que não é o caso de perda de objeto, uma vez que a Lei Complementar 144/2014, aplicável a todas as policiais civis, é anterior à data do ajuizamento da ADO no STF.
Quanto às policiais militares, de acordo com a ministra, não se aplica a regra de aposentadoria especial do artigo 40, parágrafo 4º, da Constituição, pois as Emendas Constitucionais 18/2008 e 20/2008 passaram a disciplinar a matéria quanto aos militares em geral. Para ela, a concessão de aposentadoria para mulheres policiais militares com tempo reduzido encontra-se no âmbito de discricionariedade da lei estadual. “Não me parece, portanto, ter-se demonstrado omissão inconstitucional atribuível à Assembleia Legislativa ou ao governador do Estado de São Paulo, porque esta norma constitucional não é aplicável aos militares”, disse.
Ao votar pela improcedência da ADO, a ministra ressaltou que a aposentadoria dos policiais militares está regulamentada pelo Decreto-lei estadual 206/1970 e pela Lei Complementar Estadual 1.150/2011, e, “portanto, não contém qualquer omissão a ser sanada por meio de decisão judicial nesta ação”.
Divergência
O ministro Marco Aurélio divergiu do voto da relatora ao entender que não compete ao STF processar e julgar a ação como proposta, pois se trata de analisar omissão de Assembleia Legislativa e de governo estadual. No mérito, o ministro votou pela procedência do pedido. Segundo o ministro, embora o Estado de São Paulo tenha leis que regem a aposentadoria dos policiais civis e outra dos policiais militares, não há, nessas normas, tratamento diferenciado em relação a gênero. “Policiais civis e militares do gênero masculino e feminino foram colocados, em uma interpretação linear da lei estadual, na mesma vala, quando a Carta da República encerra como princípio básico o tratamento diferenciado quanto à aposentadoria de homens e mulheres servidores públicos”, disse. As informações são portal do Supremo Tribunal Federal (STF).
Processos relacionados
ADO 28
[Foto: Nelson Jr./SCO/STF]

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Entendimento sobre cobertura de suicídios em seguros de vida é alterado no STJ


PREMEDITADO OU NÃO

Entendimento sobre cobertura de suicídios em seguros de vida é alterado no STJ



A seguradora não tem obrigação de indenizar suicídio cometido dentro do prazo de carência de dois anos da assinatura do contrato de seguro de vida. A decisão é da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça. Por 7 votos a 1, o colegiado entendeu que o dispositivo do Código Civil de 2002 que trata do tema traz um critério temporal objetivo, que não dá margem a interpretações subjetivas quanto à premeditação ou à boa-fé do segurado.
A decisão muda o entendimento que vinha sendo aplicado pelo STJ desde 2011 a respeito do período de carência, que está previsto no artigo 798 do Código Civil: “O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso.” Nesse caso, segundo o código, a seguradora é obrigada a devolver ao beneficiário o montante da reserva técnica já formada.
Relatora do caso, a ministra Isabel Gallotti, afirmou que nos primeiros dois anos de vigência da apólice, “há cobertura para outros tipos de morte, mas não para o suicídio”. Segundo ela, ao contrário do Código Civil de 1916, que foi revogado, o novo Código Civil não possui referência à premeditação ou não do suicídio.
De acordo com a ministra, a intenção do novo código é justamente evitar a difícil prova de premeditação. No entanto, a ministra ressaltou que, por mais evidente isso seja, a seguradora não poderá se recusar a pagar o valor estipulado ao fim do prazo de carência, em caso de suicídio. Ela foi acompanhada pelos ministros João Otávio Noronha, Raul Araújo, Antonio Carlos Ferreira, Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze
O recurso analisado na 2ª Seção foi afetado pela 3ª Turma, sob a relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino. O ministro votou para que fosse mantida a tese firmada em abril de 2011, no julgamento do Agravo de Instrumento 1.244.022, contrária à que agora prevaleceu.
Naquela ocasião, por 6 votos a 3, o colegiado havia definido que, em caso de suicídio cometido nos dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, a seguradora só estaria isenta do pagamento se comprovasse que a contratação foi premeditada por quem já pretendia se matar e deixar a indenização para os beneficiários.
Em referência ao artigo 798, o ministro João Otávio de Noronha ressaltou que o texto legal não traz nem sequer discussão sobre o ônus da prova da premeditação. “Nós não negamos que o suicídio decorre de uma crise mental, mas o que não pode é isso causar uma crise no sistema securitário. Vamos ter pessoas que não constituíram o mínimo de reserva gerando pagamento de valores para os beneficiários”, complementou Noronha.
Pedido negado
O caso que originou a mudança de entendimento é referente a um beneficiário que contratou seguro de vida do banco Santander no valor de R$ 303 mil no dia 19 de abril de 2005 e se suicidou em 15 de maio, apenas 25 dias depois.

Desse modo, a seguradora não pagou a indenização, e as beneficiárias ingressaram com ação de cobrança. Em primeiro grau, o juiz entendeu que não havia o direito ao valor do seguro. Porém, o banco se viu obrigado ao pagamento por conta de decisão do Tribunal de Justiça de Goiás. No STJ, o recurso é da seguradora, que conseguiu se exonerar da indenização.
Favorecimento às seguradoras
O presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS), advogado especialista em Direito Securitário Ernesto Tzirulnik, criticou a decisão do STJ. “A mudança súbita na orientação quase centenária e sumulada no STF e no STJ, sobre a cobertura do suicídio não premeditado, prova que uma insegurança permeia o ambiente jurídico securitário e que, agora, o Superior Tribunal de Justiça vai a favor do poder econômico e contra os consumidores”, disse Tzirulnik.

De acordo com o advogado, as seguradoras se fizeram representar por sua federação na condição de amicus curiae, enquanto consumidores não tiveram ninguém para zelar por seus interesses. "Uma das questões que incomodavam os seguradores, que faziam seguros individuais de vida e não grupais, era a súmula do STF favorável aos suicidas casuais", comentou.
Para Tzirulnik, a afirmação, feita no STJ, que o suicídio não premeditado desestabilizaria a operação das seguradoras é falaciosa. Segundo ele, uma das maiores seguradoras de vida do país teve 25 mil sinistros de morte no ano passado, mas apenas 30 suicídios.
“Esta nova orientação do STJ põe no mesmo saco aquele que se mata casualmente, por uma forte emoção ou pelo medo de sofrer — quem salta de edifício em chamas comete suicídio — e aquele que planifica desde a contratação do seguro por valor elevado, até os atos de execução”, comentou o advogado. Com informação da Assessoria de Imprensa do STJ.

Revista Consultor Jurídico, 16 de abril de 2015, 21h46